As particularidades das despartículas

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Despartículas são como partículas, só que Des. Talvez por isso ainda sejam despercebidas.

No princípio era o átomo e sua indivisibilidade. Então veio a eletricidade e, com ela, o choque de que o átomo não era a partícula fundamental. Desde o fim do século XIX, os físicos de partícula — esses zoologistas subatômicos — têm descoberto as mais variadas espécies de pedacinhos de matéria: prótons, nêutrons, quarks (vermelho, azul, verde), léptons (elétrons, múons, tau e os respectivos neutrinos), bósons (glúons, fótons, W e Z, bósons de Higgs)… E os respectivos bloquinhos de antimatéria. E as quase-partículas (Majorana)… E… ei, o que é isso? Uma despartícula?

Vem aí a DesFísica, a Física de Despartículas
As próximas espécies desta lista podem ser as despartículas. Propostas pelo físico Howard Georgi num par de papers publicados em 2007, as despartículas seriam uma puxadinho do Modelo Padrão no qual as partículas apresentariam invariância de escala [1]. Desde então, vários físicos têm estudado as possibilidades teóricas das despartículas. Para James LeBlanc e Adolfo Grushin, do Instituto Max Planck de Física, as despartículas teriam um papel fundamental na mediação da supercondutividade — a condução de eletricidade com resistência zero. LeBlanc e Grushin descreveram uma forma de supercondutividade mediada por despartículas em artigo publicado em 27 de março no New Journal of Physics.

Para que aconteça a supercondutividade, os elétrons precisam se casar, formando os chamados pares de Cooper [2]. Em alguns materiais supercondutores, os elétrons são juntados por pequenas forças de atração mediadas por fônons [3]. No entanto, em outros materiais, esse mecanismo de casamento eletrônico não é bem compreendido: qual é a “aliança” ou a “cola” que mantém esses elétrons juntos? Para que se juntem aos pares e movam-se com resistência zero, os elétrons devem se comportar de uma maneira complexa, bem complexa.

Superconductivity
Supercondutividade: Condutividade, só que Super. Na imagem, um Par de Cooper atravessando uma malha de átomos de metal.

E é aqui que entram LeBlanc e Grushin, que investigaram a possibilidade de que essa complexidade se deve à presença de despartículas. Da mesma forma que artigos da Desciclopédia são diferentes dos de uma enciclopédia careta, as despartículas não se comportam como partículas. Numa partícula careta, a energia e o momentum podem mudar, mas a massa tem que ser sempre a mesma. Numa despartícula, todas essas três propriedades — massa, energia e momentum — são conjugadas e sempre devem variar igualmente [4]. Essa particularidade das despartículas é chamada de invariância de escala.

Mas essa particularidade não é propriedade exclusiva das despartículas: a invariância já foi observada nos fótons. No entanto, como as partículas de luz não têm massa, não podem ser consideradas despartículas. As despartículas, por definição, são uma forma de matéria que têm invariância de escala e são dotadas de massa. Aliás, essa estranha matéria desparticular pode ser formada por uma coleção de partículas massivas, mas que (pelo menos em teoria) se comportam como se não tivessem massa.

DesCupido
Em seu paper, LeBlanc e Grushin propõem que as despartículas presentes em supercondutores seriam os cupidos por trás da formação dos pares de Cooper. A cola que casa os elétrons seria formada por despartículas. Os físicos explicam que essa supercondutividade desparticular seria muito diferente da supercondução por fônons. Também é diferente de outras hipóteses nas quais uma única partícula atuaria como cola, pois essa partículas todas têm massa.

“Nós propomos uma cola bem esquisita, uma que não tem massa”, explicou LeBlanc ao Phys.org. “Consequentemente, tanto a cola quanto a força de atração resultante (a força da supercondutividade) são diferentes. Então, poderíamos ter supercondutividade com uma ‘cola desparticulada’ em casos onde uma ‘cola particulada’ nunca funcionaria. Supercondutores de alta temperatura podem ser um desses casos, mas isso ainda deve ser observado”.

Segundo LeBlanc, as despartículas são difíceis de serem observadas diretamente. Como não têm densidade, é preciso observar partículas vizinhas e ver como elas reagem na presença de uma despartícula. De fato, ainda não foi observado nenhum tipo de despartícula — mas há planos para procurar as (des)pegadas das despartículas em futuros experimentos no LHC (que está sendo reiniciado esse ano).

(Des)Notas
[1] Um modo de visualizar a invariância de escala é explorar um fractal: não importa o quanto se diminui ou se amplia a imagem, seus contornos são sempre os mesmos. De certo modo, portanto, uma despartícula seria uma versão fractal de partículas comuns.

[2] Para não perder um trocadilho infame: a supercondutividade só acontece quando tem Cooper feito.

[3] Fônon = (quase)partícula elementar do Fon-fon!

[4] Ter essas três grandezas conjugadas de certa forma torna as despartículas mais caretas, desfazendo a analogia descíclope… Por outro lado, eis aí mais uma analogia casamenteira: casais de elétrons têm propriedades em regime de comunhão.

(Des)Referências

rb2_large_gray25Howard Georgi (2007). “Unparticle Physics”. Physical Review Letters 98 (22): 221601.  doi: 10.1103/PhysRevLett.98.221601

Howard Georgi (2007). “Another Odd Thing About Unparticle Physics”. Physics Letters B 650 (4): 275–278 doi: 10.1016/j.physletb.2007.05.037

James P F LeBlanc e Adolfo G Grushin (2015) “Unparticle mediated superconductivity”. New J. Phys. 17 033039 doi:10.1088/1367-2630/17/3/033039

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  • Anderson

    Desentendi

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