Memória Fotográfica: Jules-Bernard Luys

Interessado no desenvolvimento do cérebro e dos nervos, este médico francês foi o primeiro a usar fotografias para fazer seus registros neurológicos (e também alguns pseudocientíficos).

Fotografado de todos os ângulos e em todas as suas minúcias há mais de um século, o cérebro humano continua guardando muito bem os segredos de seu funcionamento e desenvolvimento. Ainda assim, temos muito a agradecer pelas pesquisas que envolvem o estudo de imagens cerebrais, iniciadas pelo médico francês Jules-Bernard Luys no século XIX.

Nascido em Paris em 17 de agosto de 1828, Luys sempre teve a intenção de estudar medicina. Após frequentar a faculdade entre 1853 e 1857, ele passou a trabalhar num hospital da capital francesa a partir de 1862. Em pouco tempo, interessou-se pela anatomia e a patologia do sistema nervoso, especialmente do cérebro. Suas pesquisas o levariam a ser chefe de departamento nos hospitais psiquiátricos de Salpêtrière e Charity.

Dr. Luys em gravura no ano de sua morte: 1897.
Dr. Luys em gravura no ano de sua morte: 1897.

Sua principal descoberta foi chamada por ele de bandelette accessoire des olives supérieures [banda acessória das olivas superiores], uma estrutura que chegou a ser conhecida como corpo de Luys antes de virar o núcleo subtalâmico no jargão atual. Luys considerava que essa parte do cérebro estava sob influência dos estímulos do motores do cerebelo. Hoje, sabe-se que o núcleo subtalâmico descoberto por Luys é um dos focos responsáveis pela doença de Parkinson. Lesões nessa área também podem causar problemas de controle, como o transtorno obsessivo-compulsivo.

Na época, as pesquisas sobre neuroanatomia ainda estavam engatinhando e dependiam muito de ilustrações que precisavam ser feitas pelos próprios cientistas ou por artistas contratados por eles. Luys, porém, queria representar suas observações da maneira mais precisa e exata o possível. Esse perfeccionismo o levaria a adotar a fotografia como método de ilustração de seu trabalho.

As primeiras imagens de tecidos nervosos, feitas pelo Dr. Luys, apareceriam em 1873 no livro Iconographie Photographique des Centres Nerveux [Iconografia Fotográfica dos Centros Nervosos], editado em colaboração com Jean-Baptist Baillière. Enquanto Baillière era responsável pelo texto, Luys ficou encarregado de um verdadeiro atlas fotográfico, com 70 imagens do cérebro, inclusive em secções coronais, sagitais e transversais. Algumas fotos mostravam até detalhes ampliados por microscópio.

No entanto, como a qualidade das imagens gravadas em negativos de albúmen nem sempre era muito boa, todas as fotos do livro eram acompanhadas das ilustrações tradicionais. A falta de cores também deve ter dificultado o entendimento dos registros fotográficos. Assim, a Iconographie entrou pra História da Fotografia e da Ciência mas não foi um sucesso, nem entre seu público especializado.

Embora a fotografia estivesse ganhando terreno nas ciências médicas, o trabalho necessário para fazer um atlas neuroanatômico como a Iconographie era tanto que outro livro assim só seria publicado décadas mais tarde. Apesar das dificuldades, Luys ainda publicaria outros dois livros com algumas ilustrações fotográficas. Co-fundador do jornal L’Encéphale nos anos 1880, o médico francês seria um dos muitos que ficaram interessados na chamada histeria, condição psíquica que supostamente teria relação com o útero.

Em 1887, publicou um livro — Les Emotions Chez Les Sujets En Etat D’Hypnotisme — com fotos de pacientes histéricas sob hipnose (como na imagem acima). A obra gerou alguma polêmica já que as pacientes, muitas vezes retratadas diante de tubos de ensaio, pareciam visivelmente constrangidas ou assustadas. Jules-Bernard Luys faleceu em 21 de agosto de 1897, poucos dias depois de completar 69 anos.

Alguns meses antes, porém, seu interesse havia se voltado para o sobrenatural: Luys tentara tornar visível o invisível por meio de uma técnica que chamou de efluviografia. Uma efluviografia (acima) nada mais era do que a imagem registrada quando um indivíduo colocava os dedos no líquido em que a chapa estava sendo revelada. O resultado é um óbvio padrão cheio de manchas e interferências ao redor das áreas tocadas pelos dedos. Onde qualquer fotógrafo veria um trabalho arruinado, Luys via manchas que seriam indícios da emanação de “energia vital” da pessoa.

Felizmente, hoje Luys é mais lembrado por suas descobertas neuroanatômicas e seu pioneirismo no imageamento do cérebro do que por suas aventuras pseudocientíficas no final da vida. Sua Iconographie está disponível em versão digitalizada pela Biblioteca Nacional da França. Quem quiser ver as primeiras fotografias do cérebro pode pular as quatro seções de texto que ocupam o começo do livro e ir para a seção de imagens, que começa na página 135 da versão digital.

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