Da mesma forma que os carros precisam ser esmagados antes de ser considerados seguros, os satélites precisar ser queimados, incendiados, vaporizados
Desde de que o Sputnik deu seus bipes ao redor do mundo em 1956, temos usados satélites para tudo: transmitir ligações telefônicas intercontinentais, levar imagens de TV de um lado a outro do mundo, fornecer a localização exata a quem estiver perdido (GPS), espionar as forças militares de outros países, fiscalizar o desmatamento, fornecer conexão a internet em lugares isolados, etc, etc, etc. São tantos os etcéteras — e os satélites — que a órbita terrestre está ficando congestionada. O choque entre dois satélites pareceria impensável há algumas décadas, mas já não é impossível.
Uma vez que cumprem seus serviços, geralmente após muitos anos de uso, essas máquinas celestes — cujos tamanhos variam de pequenos cubinhos a algo equivalente a um carro — são desativadas mas continuam em órbita. E é aí que mora o perigo porque os satélites abandonados começam a perder controle e altitude. Em teoria isso não deveria nos preocupar: cada peça de satélite seria desintegrada pelo atrito infernal da reentrada na atmosfera. Na prática, porém, algumas peças conseguem alcançar o solo e trazem riscos de danos bem sérios.
Ninguém morreu por um destroço espacial caído do céu (ainda), mas os fazendeiros texanos Steve e Verona Gutowski quase foram atingidos. Em 1997, eles foram acordados pelo impacto do que parecia um “rinoceronte morto” a uns 50 metros de sua casa. Quando foram ver, toparam com um tanque de combustível de foguete de 250 kg — uma peça vinda de um lançamento que, em tese, era controlado.
Mesmo peças menores podem sobreviver à reentrada: magnetotorquers (que usam o campo magnético da Terra para orientar um satélite), motores que movem os paineis solares, rodas de reação (tipos de giroscópios que servem para alterar a posição de um satélite) e até instrumentos ópticos já foram capazes de chegar ao solo torrados mas quase intactos.
Para facilitar a limpeza do lixo espacial, é preciso evitar que coisas assim aconteçam. Por isso, a agência espacial europeia (ESA) está desenvolvendo um programa chamado CleanSat. Parte do programa consiste em submeter peças de satélites às mesmas condições da reentrada para entender o que acontece e permitir que os futuros satélites possam ter componentes mais seguros. Em outras palavras, os cientistas e engenheiros da ESA andam fazendo churrasquinho de satélite.
Se a “carne” desse churras é fora do comum, a churrasqueira também precisa ser: as experiências incendiárias são conduzidas num túnel de vento de plasma no Centro Aeroespacial da Alemanha, em Colônia. Isso é tão extraordinário que precisamos repetir com ponderação: Um túnel. De vento. De plasma. Parece nome de uma armadilha de vilão de ficção científica, mas esse equipamento realmente existe.
Um exemplo recente foi a desintegração em laboratório de um magnetotorquer. Embora seja pequeno — com apenas 4cm x 10cm — esse componente costuma ser fabricado com materiais densos e super-resistentes: um núcleo de ferro-cobalto é cercado por molas espirais de cobre, tudo dentro de uma barra cilíndrica de polímero composto reforçado por fibra de carbono. Para desintegrar tal peça foi necessário submetê-la aos milhares de graus Celsius de um plasma hipersônico.
Mesmo assim, o resultado não foi bem o esperado. Embora boa parte do material do magnetotorquer tenha sido vaporizado (acima), o que sobrou ainda forma um destroço bem sólido de metal retorcido, capaz de causar um estrago feio se caísse a milhares de quilômetros em cima de algo ou alguém. São más notícias para os engenheiros aeroespaciais, que agora vão ter que voltar às pranchetas para desenvolver componentes que não só têm que ser leves e funcionais, mas agora também precisam ser completamente termodegradáveis.
[via Phys.org]