
Órfão e sortudo, o Rev. Browne foi um fotógrafo prolífico e célebre pelas imagens a bordo do Titanic
Irlanda, 3 de Janeiro de 1880: nasce na cidade de Cork um menino que vai ser batizado Francis Patrick Mary Browne. Oitavo e último filho de uma família influente — sua mãe era sobrinha do prefeito —, o pequeno Francis vai ter uma infância trágica. A mãe morreu apenas oito dias após seu nascimento e o pai faleceu vítima de um afogamento quando o menino tinha nove anos. Assim, Francis Browne vai ser criado pelo tio, Robert, Bispo de Cloyne.
Após passar por diversos colégios e internatos depois de adotado pelo tio, Francis ganha dele dois prêmios ao concluir os estudos: uma câmera fotográfica e uma viagem pela Europa. Foi durante esse tour, em 1897, que Francis Browne começou a fotografar. Sua carreira eclesiástica só começaria dois anos mais tarde, quando tornou-se noviço no St. Stanislaus College. Browne também frequentaria a Universidade Real de Dublin, onde seria colega de um tal James Joyce, que mais tarde viria a retratá-lo como o “Mr. Browne, the Jesuit” em Finnegans Wake.

Graças ao tio bispo, Browne conheceu o papa Pio X em 1909 e, como um fanboy moderno, tirou uma foto do pontífice. De volta a Dublin, ele estudaria Teologia e Filosofia entre 1911 e 1916. Em Abril de 1912, recebeu outro grande presente do tio: uma passagem para a viagem inaugural do Titanic.

O jovem reverendo só sobreviveu porque não fez o percurso completo. Instalado na cabine A37, na primeira classe, Francis Browne embarcou em Southampton e desceu em Queenstown (atual Cobh), Irlanda, com uma escala em Cherbourg, França. A parada irlandesa seria a última da travessia transatlântica.

Embora tenha ficado pouco tempo a bordo, Browne tirou dezenas de fotos entre os dias 10 e 11 de Abril: o ginásio, o salão de jantar da primeira classe, sua cabine, passageiros nos deques e as últimas imagens feitas tanto de membros da tripulação, como o capitão Edward J. Smith, quanto de diversos passageiros desconhecidos da terceira classe.

Durante o jantar, o reverendo fez amizade com um casal de milionários americanos que ficaram encantados com sua companhia. Eles ofereceram-se para pagar a viagem completa de ida e volta, mas o jovem religioso não recebeu autorização de seu superior pelo telégrafo. A resposta foi curta e grossa: GET OFF THAT SHIP – PROVINCIAL.

Obediente, Browne desceu e voltou às suas aulas teológicas em Dublin mas não demorou a perceber que suas fotos tiradas casualmente agora tinham valor histórico e jornalístico: o Titanic, quem diria, havia afundado. Esperto, ele negociou a venda das fotos (mas não dos negativos) para diversos jornais e agências de notícias. Suas imagens ganharam o mundo em questão de dias. Além disso, ele foi recompensado pela Kodak com um suprimento vitalício de filmes.

Com os estudos acidentados pela eclosão da I Guerra Mundial, Browne só seria ordenado padre em 31 de Julho de 1915. Entre 1916 e 1920 ele serviu como capelão da Guarda Irlandesa na Europa. Foi ferido cinco vezes e condecorado — mesmo assim, achou tempo para tirar centenas de fotos. Após a guerra, reuniria as imagens num álbum de circulação restrita aos seus colegas militares.

Nos anos 1920, retorna a Dublin, onde assume uma igreja, mas não fica muito tempo na capital irlandesa. Sua saúde começa a ficar frágil e ele busca refúgio em climas mais quentes. Passa um longo período na Austrália, onde também registra centenas de fotos, tanto de lugares quanto de pessoas como imigrantes e religiosos irlandeses. Browne tirou ainda mais fotos na longa viagem de volta à Irlanda, repleta de escalas em portos exóticos, como Ceilão, Áden, Suez, Salônica, Nápoles, Toulon, Gibraltar, Algeciras e Lisboa.
De volta ao solo irlandês, ele assumiria a Igreja de São Francisco Xavier (Dublin) e atuaria como uma espécie de missionário interno, visitando e pregando nas comunidades jesuítas de toda a Irlanda. Como essa obra religiosa ocupava apenas o período noturno e os finais de semana, o Reverendo Browne gostava de passar o tempo fotografando tudo o que encontrava em suas andanças. Estima-se que ele tenha registrado mais de 42 mil imagens ao longo da vida.

Falecido aos 80 anos, em 1960, Francis Browne havia guardado a maior parte de seu material fotográfico num grande baú de metal. Essa arca só seria descoberta 25 anos após a sua morte, em meio aos arquivos jesuítas. Desde então, suas fotos já preencheram 25 volumes e vêm sendo digitalizadas nos últimos anos (infelizmente, parece que ainda não há um repositório digital único para sua grande coleção fotográfica). A vida e obra desse padre-fotógrafo ainda renderam uma biografia, um documentário e um selo postal em 2012, na época do centenário do Titanic.
É muita sorte para um menino que perdeu os pais tão cedo.