Um gigante desconhecido

Pesquisadores da Áustria e dos Estados Unidos descobrem um vírus enorme numa usina de tratamento de esgoto. A descoberta pode esclarecer qual é a origem desses vírus descomunais.

Eles costumam ser tão minúsculos que só foram vistos pela primeira vez nos anos 1940, em microscópio eletrônico e de raios-X. São nada mais do que um código genético com uma cobertura de proteínas e invadem qualquer célula à disposição para se replicar em ritmo tão veloz que deu origem ao termo viral. Sim, estamos falando de vírus — esses pedaços de matéria situados nos limites entre o animado e o inanimado, o vivo e o morto.

É de se pensar que os primeiros vírus observados ao microscópio fossem bem grandes, mas não foi bem assim. Os chamados vírus gigantes — tecnicamente descritos como vírus de grande DNA nucleocitoplásmatico — só foram descobertos em 2003, por uma equipe liderada pelo pesquisador francês Didier Raoult. Entre outros grupos de vírus grandalhões já descobertos estão os Pandoravirus e os Pithovirus, que vem sendo classificados como parte da ordem Megavirales.

Qual é a origem dos megavírus? Como surgiram esses grandes baixinhos? Duas hipóteses têm sido debatidas entre os virologistas. A primeira argumenta que os vírus gigantes seriam resquícios de uma célula primitiva, talvez o que sobrou de um quarto domínio da vida celular. A segunda hipótese é de que os vírus gigantes cresceram a partir de vírus menores, de maneira acumulativa.

Uma descoberta numa usina de tratamento de esgoto da Áustria parece indicar que a segunda hipótese é a que está correta. Descrito e batizado de Klosneuvirus em paper publicado na revista Science, esse microorganismo tem um código genético que parece um amálgama de vírus menores.

Imagem de microscópio eletrônico do Klosneuvirus, assim chamado por ter sido encontrado numa usina de tratamento de esgoto em Klosterneuburg, Áustria.
Imagem de microscópio eletrônico do Klosneuvirus, assim chamado por ter sido encontrado numa usina de tratamento de esgoto em Klosterneuburg, Áustria.

“Nesse cenário,” explica a Dra. Tanja Woyke em comunicado divulgado pelo Sci-News, “um vírus menor infectou diferentes hospedeiros eucarióticos e selecionou genes que codificam os componentes do mecanismo de tradução a partir de diferntes fontes por longos períodos de tempo e aquisições ocasionais.” Coordenadora do grupo que descobriu o Klosneuvirus, Woyke é chefe do Programa de Genômica Microbial do Departamento de Energia dos EUA.

Por exclusão

Não foi fácil identificar o novo vírus. Os dados extraídos da usina de tratamento de esgoto continham um genoma viral de 1,57 Mb (ou 1,57 milhão de pares de bases, uma medida do tamanho do material genético; não confundir com o megabyte [Mb] da informática), cuja espécie era desconhecida. Para determinar a identidade desse material, os cientistas verificaram e compararam quase 7000 metagenomas ambientais e encontraram só três que se aproximavam da amostra. Eram genomas de vírus gigantes, como o Indivirus (0,86 Mb), Hokovirus (1,33 Mb) e Catovirus (1,53 Mb).

A princípio o conjunto de genes “celulares” do Klosneuvirus parecia ter vindo de uma única fonte mas análises mais detalhadas revelaram que esses genes vieram de diferentes organismos infectados e foram incorporados ao genoma do vírus em diferentes estágios de sua evolução.

O maquinário genético do Klosneuvirus parece bem sofisticado para um vírus. Seu genoma contém enzimas de aminoacil-RNAt (o RNA de transporte), com afinidade para 19 dos 20 aminoácidos existentes. Também foram encontrados mais de 20 RNAt além de diversas enzimas modificadoras de RNAt e fatores de tradução. É uma descoberta sem precedentes entre os vírus — mesmo entre os gigantes, que costumam ter códigos genéticos mais robustos.

Ainda não se sabe ao certo como se dá a infecção por Klosneuvirus nem os organismos que ele ataca. Estima-se que seus hospedeiros sejam protistas, nos quais talvez tenham um grande impacto. Por enquanto o maior impacto do Klosneuvirus está sendo no estudo da evolução dos microorganismos virais. Como são mais parecidos com células do que qualquer outro vírus, os Klosneuvirus podem representar um estágio de transição entre o nível de vida molecular, mais antigo, e a vida celular, mais sofisticada e mais recente.

Referência

rb2_large_gray25Frederik Schulz et al. 2017. Giant viruses with an expanded complement of translation system components [Vírus gigantes com complementos expandidos de componentes de sistemas de tradução]. Science 07 Apr 2017: Vol. 356, Issue 6333, pp. 82-85 DOI: 10.1126/science.aal4657

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