Capítulo 9
Como se produz um resultado científico e o que isto tem a ver com a COVID-19?p.70-76
10 de abril de 2020
Lavínia Schwantes e Ana de Medeiros Arnt
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Revisão: Érica Mariosa Moreira Carneiro
Edição e arte: Carolina Frandsen P. Costa
Vocês já tiveram a impressão de que a ciência é uma bagunça esquisita? Uma hora lemos que o café faz mal, noutro momento, o café salva nossos corações… O chocolate então? Passa de vilão para herói ano sim, ano não… tudo isso faz com que a ciência, os resultados e conhecimentos científicos muitas vezes sejam desacreditados.
Semana epidemiológica #12
Média móvel de novos casos no Brasil, na ocasião de publicação deste texto
96 óbitos registrados no dia (1.237 ao todo)
Em tempos de pandemia da COVID-19, causado pelo SARS-CoV-2 (também conhecido como “coronavírus”), isso pode ser mais difícil de entender ainda! A cada dia são inúmeros artigos publicados, em velocidades que para quem está fora deste universo pode se perder e/ou se confundir facilmente.
No texto de hoje, gostaríamos de falar um pouco sobre o processo de produção de conhecimento acadêmico-científico e sua validação. A ideia é mostrar que a ciência pode parecer sim contraditória, mas é outro o processo que a move… E para isto, vamos falar um pouco da nossa pesquisa (que aparentemente se relaciona muito pouco com a COVID-19, mas ao mesmo tempo, tem tudo a ver com isso!).
Somos cientistas diferentes! Não usamos jalecos brancos, nem luvas ou máscaras, nem ficamos dentro de laboratórios de pesquisa cheio de estantes com vidrarias e maquinários. Produzimos alguns resultados científicos diferentes daqueles que estes cenários procuram nos mostrar. Nosso “laboratório”, muito frequentemente, é uma sala comum com uma mesa e cadeiras, nosso uniforme pode ser qualquer roupa e nossos maquinários são muitos livros e um computador simples, cujo maior barulho é o das teclas sendo digitadas. Mas como assim? Existem jeitos diferentes de fazer ciência e produzir resultado científico?
Sim! Existem. Costumeiramente, se explica a ciência como uma série de etapas estanques: pergunta, hipótese, experimentos, resultados e conclusões. Essa série, muitas vezes, é conhecida como o método científico (embora ele seja muito mais do que apenas estas etapas). Mas as coisas não são tão simples e lineares assim…
No nosso caso, pesquisamos a própria ciência: como ela é produzida, em que espaços e que sujeitos a produzem e como ela chega na sociedade, por exemplo. E este campo de pesquisa que atuamos nos ajuda a entender que os resultados científicos (os impactos ambientais, o estudo de doenças como a COVID-19 e a H1N1, os alimentos mais ou menos saudáveis, as formas de ensinar melhor conteúdos de ciência etc.) são feitos com base em muitos pontos em comum. E, por isso mesmo, os resultados científicos são temporais, fruto de um contexto e, por isso, variáveis e mutáveis.
Mas que pontos em comum seriam estes?
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Observem que todas essas etapas são relacionadas umas às outras, são interdependentes; e, portanto, um resultado para ser considerado científico deve passar por todo este processo!
Quando as pesquisas científicas parecem contraditórias, muitas vezes elas estão fazendo o que consideramos básico na produção de conhecimento: questionando. É a partir da análise de conhecimentos científicos passados, da observação de fenômenos, fatos, situações e, principalmente, do questionamento disto, que conseguimos avançar na ciência.
E veja: questionar não é “ter uma opinião diferente” e, por isso, discordar. Questionar nem sempre é discordar… O ato de questionar uma pesquisa (resultado, premissas, metodologias) é uma forma de testar as coerências, limites e novas possibilidades de aquele resultado, muitas vezes, seguir valendo. Também é possível acrescentar fatores que, ou não foram pensados anteriormente, ou não tínhamos condições técnicas e instrumentais para testarmos. E, claro, também podemos nos contrapor e buscar novas testagens que contradigam alguma pesquisa.
Portanto, os conhecimentos produzidos pela ciência são resultados diferentes de uma opinião qualquer baseada em alguma informação aleatória “que ouvimos falar do fulano ou do beltrano” ou que foi colocada em Twitter/Facebook ou encaminhada via Whatsapp, ou colada no painel do condomínio.
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O ato de questionar uma pesquisa (resultado, premissas, metodologias) é uma forma de testar as coerências, limites e novas possibilidades de aquele resultado, muitas vezes, seguir valendo.
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Como confiar no que lemos sobre a ciência se ela muda o tempo inteiro?
Para podermos responder esta pergunta, é fundamental perceber que a ciência não muda o tempo inteiro… O mais correto seria apenas dizer que a ciência não é algo único e linear; e que os resultados científicos podem mudar o tempo inteiro. Quando falamos “a ciência” estamos falando de coletivos de pessoas que produzem e debatem o conhecimento, buscando o consenso (o tempo inteiro)!
Além disso, muitas vezes, estes grupos estão analisando aspectos diferentes do mesmo objeto, como o coronavírus, por exemplo (mas isso é pauta para outro texto, que faremos em breve…).
O que acontece agora, de maneira mais específica é que estamos vivendo uma situação que é exceção. Uma doença nova que apareceu e nos desafia a compreendê-la muito rapidamente, pois sua transmissão – o contágio entre uma pessoa e outra e consequente o espalhamento na sociedade – se dá numa velocidade muito grande.
Estas pesquisas, que costumam se desenvolver com o passar dos anos – e um bocado de investimentos e incentivos governamentais – devem, também, tentar acompanhar as características desta doença que está tirando centenas de vidas em dias, e não em anos. Além disso, essas pesquisas buscam desenvolver estratégias de cura e contenção muito mais rapidamente do que temos condições, e estamos habituados a fazer, normalmente.
Tudo isto gera, sim, insegurança entre os cientistas. Estamos todos correndo contra o tempo buscando entender essa doença enquanto ela rapidamente nos contamina. A insegurança, no entanto, não é em relação ao conhecimento científico e sua produção. Compreendemos, assim, que não existem milagres e que a ciência se faz colaborativamente. Dialogamos com o que vem acontecendo e este diálogo que gera, sim, um pouco de ansiedade pela quantidade de informações e debates sobre tratamento, cura, modos de proteção individuais etc. Este é o modo pelo qual cientistas no mundo inteiro têm produzido conhecimento sobre a COVID-19 e o Coronavírus; e estabelecido comunicação para chegar a um consenso o mais rápido possível.
O conhecimento científico, com todos os seus questionamentos (e exatamente por causa deles!), é neste momento nossa melhor ferramenta para minimizarmos os efeitos avassaladores dessa doença.
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O que acontece agora, de maneira mais específica é que estamos vivendo uma situação que é exceção. Uma doença nova que apareceu e nos desafia a compreendê-la muito rapidamente, pois sua transmissão (…) se dá numa velocidade muito grande.
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E como eu posso ajudar?
É difícil sentir-se impotente frente a tudo isso… A primeira questão que é fundamental é: não espalhe desinformação, nem Fake News e fique em casa se possível. Só isto já é, realmente, um grande passo.
Não divulgue receitas milagrosas de cura, que não tenha um embasamento técnico-científico e tente seguir poucos canais de informação, mas confiáveis. Os canais de Divulgação Científica (como este blog e vários outros) têm buscado trabalhar as informações de maneira mais acessível possível, para que todos compreendam melhor todo este processo de pandemia que temos vivenciado…
Por fim, mas não menos importante, se tiveres condições financeiras, busque coletivos seguros de ajuda a grupos em fragilidade social (cuidado com os golpes, ajude quem você conhece SEMPRE), universidades e centros de pesquisa, por exemplo. Vem sendo dito nas redes sociais, parece clichê, e é clichê, mas é verdade: quanto mais a quarentena funcionar, menos ela parecerá necessária! ■
PARA SABER MAIS
- Latour, Bruno, and Steve Woolgar. A vida de laboratório: a produção dos fatos científicos. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 1997.
- Schwantes, Lavínia. Ciência: muito se fala, pouco se define. In: Magalhães, Joanalira Corpes, and Paula Regina Costa Ribeiro. Ensino de Ciências: outros olhares, outras possibilidades. 2014. Disponível em: http://repositorio.furg.br/handle/1/6557
- Wortmann, Maria Lúcia Castagna. A visão dos estudos culturais da ciência. ComCiência 100, 0-0, 2008 Disponível em: http://comciencia.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1519-76542008000300012&lng=pt&nrm=iso