Capítulo 24
Antibiótico contra vírus? O curioso caso da azitromicina contra a COVID-19p.168-172
9 de julho de 2020
Samir de Deus Elian Andrade
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Revisão: Paula Penedo Pontes de Carvalho
Edição: Maurílio Bonora Junior e Ana de Medeiros Arnt
Arte: Carolina Frandsen P. Costa
Diversas combinações de medicamentos estão compondo o chamado “Kit COVID-19”. Presença quase constante no “Kit COVID-19”, um antimicrobiano utilizado para infecções bacterianas chama atenção: a azitromicina… O que ela está fazendo ali? Existe alguma base científica para essa indicação? Quais seriam as possíveis consequências do seu uso?
Semana epidemiológica #28
Média móvel de novos casos no Brasil, na ocasião de publicação deste texto
1.222 óbitos registrados no dia (69.348 ao todo)
A azitromicina é um
Nota dos Editores:
Não confundir antimicrobianos com antibióticos. Os primeiros atuam contra microrganismos em geral (tais como bactérias, fungos, vírus, protozoários), já os segundos atuam especificamente contra bactérias.
A gravidade e a mortalidade de infecções virais do sistema respiratório (e aqui a gente também está falando da COVID-19) são associadas a uma resposta inflamatória excessiva caracterizada por uma produção exagerada de citocinas (você pode ter ouvido por aí sobre a tal “
Nota do Autor:
Citocinas são moléculas sinalizadoras produzidas por diversas células do sistema imune. Elas atuam modulando nossa resposta imunológica, podendo ser citocinas pró-inflamatórias ou anti-inflamatórias. Na tempestade de citocinas, há uma liberação excessiva das citocinas pró-inflamatórias que resultam no recrutamento de muitas células inflamatórias. O resultado disso são danos ao tecido local.
De onde surgiu a ideia de usar um antibacteriano no tratamento de uma infecção viral causada pelo SARS-CoV-2?
Antes de tudo, já tínhamos evidências in vitro (que fique bem claro!) de que a azitromicina pode prevenir a replicação de vírus como o influenzavírus humano H1N1 e o zikavírus. Agora, novos estudos, também in vitro, demonstraram que a azitromicina aumenta o pH das células hospedeiras, o que pode dificultar os processos de entrada, replicação e dispersão do SARS-CoV-2. Além disso, esse antimicrobiano poderia reduzir os níveis da enzima furina das células hospedeiras, o que poderia dificultar o processo de entrada do vírus na célula.
Ok… mas e em relação à imunologia… será que temos alguma hipótese para sustentar o uso da azitromicina?
Os macrolídeos (a azitromicina pertence a esta classe. Falei ali em cima, lembra?) têm demonstrado efeitos imunomodulatórios e anti-inflamatórios ao atenuarem a produção de citocinas pró-inflamatórias e promoverem a produção de anticorpos (imunoglobulinas). E isso poderia ajudar na redução das complicações decorrentes do estado pró-inflamatório induzido pela infecção pelo SARS-Cov-2.
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Muitas evidências… in vitro. Mas elas são o bastante para que a azitromicina seja liberada como profilaxia ou como tratamento para indivíduos contaminados?
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Muitas evidências…
in vitro. Mas elas são o bastante para que a azitromicina seja liberada como profilaxia ou como tratamento para indivíduos contaminados? Se você tem acompanhado a evolução do uso da cloroquina/hidroxicloroquina deve saber que não é bem assim… É muito importante avaliarmos a eficácia do medicamentoin vivo e de forma controlada no contexto da pandemia.
E, neste contexto, é de grande relevância considerarmos também os efeitos colaterais do seu uso: distúrbios gastrintestinais, aumento do intervalo QT (observado em eletrocardiograma, indicando alterações cardíacas), problemas para pacientes com alterações hepáticas e renais.
Nota do Autor:
Os experimentos in vitro são aqueles realizados nas primeiras etapas de um estudo, sem a participação de seres vivos. Geralmente são utilizadas células cultivadas em laboratório ou mesmo órgãos de animais abatidos (p.ex.: córneas de bovinos obtidas de abatedouros). Em etapas mais avançadas, quando se tem evidências da segurança da substância, os experimentos são realizados com seres vivos. Em um primeiro momento, geralmente utiliza-se invertebrados, peixes ou roedores, para, num momento posterior, utilizarem-se humanos. Os ensaios in vitro e in vivo com animais não-humanos são chamados de estudos pré-clínicos. Ensaios com seres humanos são os ensaios clínicos. Antes de serem iniciados, os ensaios com animais vertebrados devem ser aprovados pela CEUA (Comissão de Ética no Uso de Animais) e os ensaios clínicos devem ser aprovados pelo CEP (Comitê de Ética em Pesquisa).
E, neste contexto, é de grande relevância considerarmos também os efeitos colaterais do seu uso: distúrbios gastrintestinais, aumento do intervalo QT (observado em eletrocardiograma, indicando alterações cardíacas), problemas para pacientes com alterações hepáticas e renais.
Nota dos Editores:
Atualmente, já se demonstrou que a Azitromicina não gera qualquer melhora do estado de pacientes com COVID-19, seja num contexto hospitalar (casos mais graves) ou num contexto de suspeita de COVID-19 (uso preventivo). O único cenário em que o uso da azitromicina na COVID-19 se mostra vantajoso é quando ocorre uma infecção secundária por um patógeno suscetível a azitromicina.
Referências:
– Abani, Obbina, Ali Abbas, Fatima Abbas, Mustafa Abbas, Sadia Abbasi, Hakam Abbass, Alfie Abbott et al. “Tocilizumab in patients admitted to hospital with COVID-19 (RECOVERY): a randomised, controlled, open-label, platform trial.” The Lancet 397, no. 10285, 1637-1645, 2021. Disponível em: 10.1016/S0140-6736(21)00676-0.
– Butler, Christopher C., Jienchi Dorward, Ly-Mee Yu, Oghenekome Gbinigie, Gail Hayward, Benjamin R. Saville, Oliver Van Hecke et al. “Azithromycin for community treatment of suspected COVID-19 in people at increased risk of an adverse clinical course in the UK (PRINCIPLE): a randomised, controlled, open-label, adaptive platform trial.” The Lancet 397, no. 10279, 1063-1074, 2021. Disponível em: 10.1016/S0140-6736(21)00461-X.
Concluindo…
Nota dos Editores:
Atualmente já existem alguns medicamentos aprovados para COVID-19, entre eles antivirais e anticorpos monoclonais. Contudo, tais fármacos são de difícil acesso, caros e usados principalmente em casos mais graves e em ambiente hospitalar.
Todos queremos um medicamento eficaz contra o SARS-CoV-2, mas que seja identificado pela medicina baseada em evidências! ■
Nota dos Editores:
Utilizando-se de estudos de meta-análise, o que já se viu referente ao uso combinado da Azitromicina foi que quando usada junto da Hidroxicloroquina, há um aumento da taxa de mortalidade dos pacientes, comparado com o uso solitário de ambos. Entretanto, o uso sozinho das duas drogas não levou a uma melhora do quadro dos pacientes.
Referência:
– Fiolet, Thibault, Anthony Guihur, Mathieu Edouard Rebeaud, Matthieu Mulot, Nathan Peiffer-Smadja, and Yahya Mahamat-Saleh. “Effect of hydroxychloroquine with or without azithromycin on the mortality of coronavirus disease 2019 (COVID-19) patients: a systematic review and meta-analysis.” Clinical microbiology and infection 27, no. 1, 19-27, 2021. Disponível em: 10.1016/j.cmi.2020.08.022
PARA SABER MAIS
- Choudhary, Renuka, and Anil K. Sharma. Potential use of hydroxychloroquine, ivermectin and azithromycin drugs in fighting COVID-19: trends, scope and relevance. New microbes and new infections 35, 100684, 2020. Disponível em: https://doi.org/10.1016/j.nmni.2020.100684
- Gbinigie, Kome, and Kerstin Frie. Should azithromycin be used to treat COVID-19? A rapid review. BJGP open 4, no. 2, 2020. Disponível em: https://doi.org/10.3399/bjgpopen20X101094
- Pani, Arianna, Marinella Lauriola, Alessandra Romandini, and Francesco Scaglione. Macrolides and viral infections: focus on azithromycin in COVID-19 pathology. International journal of antimicrobial agents 56, no. 2, 106053, 2020. Disponível em: https://doi.org/10.1016/j.ijantimicag.2020.106053