Capítulo 19
Casos assintomáticos e a transmissão da COVID-19p.137-142
10 de julho de 2020
Maurílio Bonora Junior
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Revisão: Paula Penedo Pontes de Carvalho
Edição: Maurílio Bonora Junior, Ana de Medeiros Arnt
Arte: Carolina Frandsen P. Costa
Os casos assintomáticos são um grande problema quando falamos em combater a pandemia do novo coronavírus, que já infectou mais de 20 milhões e matou quase 600 mil pessoas no Brasil. Aquelas pessoas que têm sido chamadas de “assintomáticas” são um complicador a mais, pois elas são as transmissoras silenciosas do vírus. Mesmo sem qualquer sintoma, ainda são capazes de transmiti-lo.
Semana epidemiológica #28
Média móvel de novos casos no Brasil, na ocasião de publicação deste texto
835 óbitos registrados no dia (73.030 ao todo)
Um paciente assintomático é aquele que tem resultado positivo em testes de RT-qPCR para o SARS-CoV-2, mas sem demonstrar qualquer sintoma ou anormalidade em exames de imagens. Ou seja, uma pessoa que foi infectada pelo vírus, mas não ficou doente. Na maioria das vezes, por causa da falta de sintomas e pouca consciência de como se prevenir, essas pessoas não procuram ajuda médica e acabam sem nem saber que estão infectadas, contribuindo assim para a rápida disseminação do vírus entre a população.
Mas assintomáticos realmente transmitem a doença?
Nota dos Editores:
Na época, esse foi um dos primeiros artigos que havia analisado os casos assintomáticos a fundo. Atualmente, a infecção e transmissão de casos assintomáticos já está bem mais caracterizada, com estudos bem maiores.
Os cientistas viram que o tempo médio em que pacientes assintomáticos podem disseminar o vírus é de 19 dias, enquanto pacientes com a forma leve da doença têm esse período reduzido para 14 dias. Mas calma… O estudo deixa claro que ser capaz de disseminar o vírus não quer dizer que ele pode infectar eficientemente outra pessoa. Então, o que significa esse resultado? Primeiramente, quer dizer que são necessários mais estudos para compreender a capacidade de infecção do vírus nestas condições, pois a simples detecção do material genético do vírus não quer dizer que ele está realmente presente no trato respiratório do organismo.
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Um paciente assintomático é aquele que tem resultado positivo em testes de RT-qPCR para o SARS-CoV-2, mas sem demonstrar qualquer sintoma ou anormalidade em exames de imagens.
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E os anticorpos?
Além disso, outra conclusão da pesquisa foi em relação à quantidade de anticorpos IgG e IgM de pacientes com sintomas leves e pacientes assintomáticos. Em um primeiro contato com um patógeno, nós produzimos somente IgM. Já em um segundo contato ou em um primeiro contato mais demorado e prolongado (como é o caso da infecção pelo SARS-CoV-2), nós passamos a produzir mais IgG do que IgM, sendo esse anticorpo IgG muito mais eficiente no combate ao vírus.
Focando agora nos resultados dessa pesquisa, os autores viram que durante a fase aguda da infecção (aquela em que podemos sentir os sintomas e contaminar outras pessoas), os pacientes sintomáticos possuem mais IgG do que pacientes assintomáticos. Já na fase convalescente (aquela que ocorre após o fim da infecção e que você não pode mais infectar alguém), os níveis de anticorpos e principalmente de IgG diminuem mais nos pacientes assintomáticos do que em pacientes com sintomas leves. Mas o que todos esses termos complicados significam, afinal?
Em outras palavras, tudo isso significa que a duração da imunidade contra o SARS-CoV-2 pode ser menor do que para outros coronavírus. Exemplificando um pouco melhor: a imunidade contra outros coronavírus como o SARS-CoV-1 (causador do surto de SARS na China em 2003) e o MERS-CoV (causador do surto de MERS no Oriente Médio em 2012) dura por aproximadamente um ano [1, 2], com alguns artigos dizendo que níveis de IgG se mantêm por até dois anos para a SARS [3, 4], enquanto para a MERS a resposta por anticorpos pode durar até 34 meses [5]. Contudo, como visto no artigo, os níveis de anticorpos neutralizantes para o SARS-CoV-2 já começam a baixar entre 2 e 3 meses após o fim da infecção, uma ideia que também está sendo proposta por vários outros estudos [6, 7].
Nossa, o que isso pode significar para nós? Quer dizer que eu posso pegar COVID-19 de novo?
Calma! Não é bem assim. Como foi dito no texto sobre anticorpos, após uma infecção nós criamos células de memória que, entre outras coisas, passam a produzir anticorpos continuamente e que ajudam a combater de forma mais rápida e eficiente uma próxima infecção. Então a princípio, se você possui anticorpos contra o SARS-CoV-2 e se contaminar novamente,
Nota dos Editores:
Já se sabe que quem teve COVID-19 tem chances de ser reinfectado, e que vacinados podem se infectar. Nos dois casos há chance de desenvolver a forma grave da doença, ou vir a óbito. Especialmente considerando a exposição a diferentes variantes, como a Delta.
Contudo, não conhecemos ainda a duração dessa imunidade, assim não sabemos se essa doença funciona como a gripe comum (que todo ano nos infectamos ou tomamos a vacina) ou outra doença que uma vez que nos infectamos não pegamos mais (como a catapora). E é justamente por causa dessas dúvidas, quanto a duração da imunidade contra o SARS-CoV-2, que precisamos considerar melhor sobre os
Nota dos Editores:
Os passaportes de imunidade têm sido debatidos, recentemente, em função da vacinação. Há uma ampla discussão acerca de sua necessidade e obrigatoriedade, levando-se em conta que a vacinação tem maior possibilidade de combater à COVID-19 com uma cobertura vacinal maior. O passaporte, neste sentido, garantiria uma pressão social maior para que a vacina fosse adotada por aqueles que apresentam resistência à vacina, não obrigando-a a tomar, todavia.
Por causa de todas essas dúvidas, caso a duração da imunidade do SARS-CoV-2 seja realmente de
Nota dos Editores:
Seguimos sem saber a duração exata da imunidade gerada tanto pela infecção natural quanto pela vacinação. Quanto às vacinas, foi visto uma redução dos anticorpos após alguns meses, e tem-se discutido doses de reforço. Estudos estão sendo feitos para se analisar a resposta imune celular: o que se sabe é que, aparentemente, apesar dos anticorpos se reduzirem em quantidade (o que já era esperado), as células de defesa continuam vigilantes. Por sua vez, o aparecimento de novas variantes tem sido um desafio, já que a possível proteção causada por infecções naturais não se aplica dependendo das diferenças genéticas entre estas “cepas”, o que permite reinfecções, muitas vezes fatais.
Mas, novamente, para respondermos essas dúvidas precisamos de mais pesquisas e testes, para realmente saber a duração da imunidade contra o vírus e a eficácia dos anticorpos gerados em casos assintomáticos e leves. Enquanto isso, o isolamento social (mesmo nos casos de pessoas já infectadas e recuperadas) continua sendo estritamente necessário! Não só nos protegemos como também protegemos todas as pessoas que estão em volta. ■
PARA SABER MAIS
- Cao, Wu-Chun, Wei Liu, Pan-He Zhang, Fang Zhang, and Jan H. Richardus. “Disappearance of antibodies to SARS-associated coronavirus after recovery.” New England Journal of Medicine 357, no. 11, 1162-1163, 2007. Disponível em: https://www.nejm.org/doi/full/10.1056/NEJMc070348
- Choe, Pyoeng Gyun, R. A. P. M. Perera, Wan Beom Park, Kyoung-Ho Song, Ji Hwan Bang, Eu Suk Kim, Hong Bin Kim et al. “MERS-CoV antibody responses 1 year after symptom onset, South Korea, 2015.” Emerging infectious diseases 23, no. 7, 2017: 1079. Disponível em: https://dx.doi.org/10.3201%2Feid2307.170310
- Guo, Xiaoqin, Zhongmin Guo, Chaohui Duan, Zeliang Chen, Guoling Wang, Yi Lu, Mengfeng Li, and Jiahai Lu. “Long-term persistence of IgG antibodies in SARS-CoV infected healthcare workers.” MedRxiv, 2020. Disponível em: https://doi.org/10.1101/2020.02.12.20021386
- Wu, Li-Ping, Nai-Chang Wang, Yi-Hua Chang, Xiang-Yi Tian, Dan-Yu Na, Li-Yuan Zhang, Lei Zheng, Tao Lan, Lin-Fa Wang, and Guo-Dong Liang. “Duration of antibody responses after severe acute respiratory syndrome.” Emerging infectious diseases 13, no. 10: 1562, 2007. Disponível em: https://dx.doi.org/10.3201%2Feid1310.070576
- Payne, Daniel C., Ibrahim Iblan, Brian Rha, Sultan Alqasrawi, Aktham Haddadin, Mohannad Al Nsour, Tarek Alsanouri et al. “Persistence of antibodies against Middle East respiratory syndrome coronavirus.” Emerging infectious diseases 22, no. 10: 1824, 2016. Disponível em: https://dx.doi.org/10.3201%2Feid2210.160706
- Wang, Xiaoli, Xianghua Guo, Qianqian Xin, Yang Pan, Yaling Hu, Jing Li, Yanhui Chu, Yingmei Feng, and Quanyi Wang. “Neutralizing antibodies responses to SARS-CoV-2 in COVID-19 inpatients and convalescent patients.” Clinical Infectious Diseases, 2020. Disponível em: https://doi.org/10.1093/cid/ciaa721
- Kissler, Stephen M., Christine Tedijanto, Edward Goldstein, Yonatan H. Grad, and Marc Lipsitch. “Projecting the transmission dynamics of SARS-CoV-2 through the postpandemic period.” Science 368, no. 6493, 860-868, 2020. Disponível em: https://doi.org/10.1126/science.abb5793
- Veja Saúde. Entrevista: o passaporte da imunidade do coronavírus é uma ideia perigosa. 2020. Disponível em: https://saude.abril.com.br/medicina/passaporte-da-imunidade-do-coronavirus-ideia-perigosa/
- Veja Saúde. Faz sentido pensar em um passaporte de imunidade para COVID-19? 2020. Disponível em: https://saude.abril.com.br/blog/com-a-palavra/faz-sentido-pensar-em-um-passaporte-de-imunidade-para-COVID-19/
Outros materiais:
- Artigo Original: Long, Quan-Xin, Xiao-Jun Tang, Qiu-Lin Shi, Qin Li, Hai-Jun Deng, Jun Yuan, Jie-Li Hu et al. “Clinical and immunological assessment of asymptomatic SARS-CoV-2 infections.” Nature medicine 26, no. 8, 1200-1204, 2020. Disponível em: https://doi.org/10.1038/s41591-020-0965-6
- Bonora Junior, Maurílio. O que são anticorpos. Especial COVID-19. Blogs de Ciência da Unicamp, 2020. Disponível em: https://www.blogs.unicamp.br/COVID-19/o-que-sao-anticorpos/
- Bonora Junior, Maurílio. Cenários pós-pandemia. Especial COVID-19. Blogs de Ciência da Unicamp, 2020. Disponível em: https://www.blogs.unicamp.br/COVID-19/cenarios-pos-pandemia/
- Gao, Zhiru, Yinghui Xu, Chao Sun, Xu Wang, Ye Guo, Shi Qiu, and Kewei Ma. “A systematic review of asymptomatic infections with COVID-19.” Journal of Microbiology, Immunology and Infection 54, no. 1, 12-16, 2021. Disponível em: https://doi.org/10.1016/j.jmii.2020.05.001