Capítulo 29

P.1 e a CoronaVac: é verdade que não precisa mais vacinar? (Spoiler, precisa sim!)

p. 214-221

Vacinas: da produção às políticas públicas

 

5 de março de 2021
Ana de Medeiros Arnt, Marcelo Alves da Silva Mori,
Alessandro dos Santos Farias e José Luiz Proença Modena

_______

Revisão: José Felipe Teixeira da Silva Santos
Edição: Maurílio Bonora Junior
Arte: Carolina Frandsen P. Costa

Vocês devem ter escutado falar da nova linhagem P.1 de SARS-CoV-2 e como ela é fracamente neutralizada por anticorpos gerados durante infecções prévias ou vacinações. Talvez tenha recebido notícias junto de mensagens como “sinto muito para quem se vacinou” ou “não adianta mais se vacinar”. Será mesmo? Bom, desta vez, viemos falar sobre este estudo que está sendo muito veiculado na mídia e, mais do que isto, vamos apontar os cuidados necessários com estas mensagens que estão chegando para vocês (lá ao final do texto!).

Semana epidemiológica #109

Média móvel de novos casos no Brasil, na ocasião de publicação deste texto

1.714 óbitos registrados no dia (263.098 ao todo)

Nota dos Editores:

Atualmente conhecida como Variante Gama.

Mas antes, um spoiler:

“Então chegou o dia da minha vacina,

eu devo desencanar e nem ir?”

Não! Não é isto que estamos dizendo – e já temos bastantes desinformações alarmistas a este respeito rondando e alardeando contra esta vacina! Mas calma! Os resultados precisam ser interpretados com cautela. Isto dito pelos próprios pesquisadores deste estudo! Inicialmente, em função de os anticorpos neutralizantes serem apenas um dos componentes do sistema imunológico!

E quem somos nós na fila do pão para falar deste artigo?

Bom, a divulgadora científica oficial do Grupo de Pesquisa EMRC e (tcharãm) os pesquisadores do EMRC que participaram do artigo (hehehe). Acho que a gente consegue falar um tantinho sobre isto sim (seja para acalmar os ânimos, seja para explicar o estudo melhor)! Vem com a gente!

Nota dos Editores:

EMRC é uma sigla para o Grupo de Pesquisa em Medicina Experimental (em inglês Experimental Medicine Research Cluster), um grupo de cientistas formado por professores e pesquisadores do Instituto de Biologia da Unicamp.

A COVID-19, o Brasil e a ciência

O Brasil é o segundo país mais afetado pela epidemia de COVID-19, logo atrás dos EUA, em quantidade de casos e números de óbitos. Isto considerando que não fazemos a quantidade de testes e rastreio suficiente para termos dados precisos! Ultrapassamos, no dia de hoje (05 de março de 2021), a marca de 260 mil mortos. Esperamos, ainda e ansiosamente, por medidas duras para contenção do vírus, tanto quanto pela vacinação em massa. Medidas que só podem ser feitas e implementadas pelas instâncias governamentais – sejam municipais, estaduais ou federal.

Enquanto isso, a ciência não para e segue buscando compreender melhor o vírus, sua evolução, desenvolvimento e as relações entre as novas variantes e as vacinas disponíveis à população no mundo.

 

A CoronaVac e a P.1

Em estudo conduzido por 10 instituições brasileiras, Unicamp, USP e CNPEM entre elas, e em colaboração internacional com instituições como Universidade de Oxford, foram obtidos resultados ainda preliminares, mas importantes sobre a capacidade de anticorpos gerados por indivíduos recuperados da COVID-19 ou indivíduos vacinados com a CoronaVac (Sinovac) de neutralizar, ou seja, inativar a nova variante P.1 de SARS-CoV-2.

A P.1 é a variante que surgiu no Brasil no final de 2020 em Manaus e foi debatida em jornais e veículos de notícias nacionais e internacionais que já apontam sua presença em todas as regiões brasileiras e em vários outros países.

O estudo ainda está em fase de preprint. No entanto, ressalta-se sua relevância em função da vacina CoronaVac ser uma das vacinas mais presentes em solo brasileiro. O estudo investiga anticorpos presentes no plasma na fase de convalescência em pessoas infectadas previamente. Os resultados indicam que estes anticorpos possuem capacidade neutralizante reduzida para a nova linhagem P.1. Isto comparando-se com resultados obtidos com uma linhagem circulante nos primeiros meses de epidemia do Brasil. O resultado foi obtido em plasma coletado cerca de 2 a 3 meses após a COVID-19.

Nota dos Editores:

Atualmente, o estudo já foi revisado por pares e publicado em uma revista científica.

Escrevemos um post específico no Especial COVID-19, sobre a versão final do artigo, com o título de: Anticorpos neutralizantes e a variante P.1 Gamma. Consulte estes textos na seção Para Saber Mais.

O que vem chamando a atenção neste estudo, no entanto, é o resultado a partir dos plasmas coletados 5 meses após vacinação com duas doses da CoronaVac. No caso, os resultados ainda preliminares demonstraram uma pequena quantidade de anticorpos neutralizantes frente aos vírus isolados de SARS-CoV-2 da linhagem P.1, assim como da linhagem B, circulante no Brasil no início da pandemia. Este resultado sugere que pessoas previamente infectadas ou vacinadas podem ser infectadas com o vírus da linhagem P.1 circulante no Brasil.

Nota dos Editores:

Atualmente já se sabe que isso realmente acontece, e já foi visto também para outras variantes mais novas como a variante Delta. Em ambos os casos, o que se viu foi que apesar da redução na quantidade de anticorpos neutralizantes, a proteção gerada pelas vacinas ainda é boa, principalmente no referente a casos graves.

Primeiro, vale destacar que a queda de anticorpos neutralizantes alguns meses após a vacinação é um fenômeno conhecido e relatado desde os estudos clínicos da fase II da CoronaVac. Além disso, é fundamental destacar que pesquisas indicam queda de anticorpos neutralizantes meses após a infecção por coronavírus. As reinfecções, embora preocupem, não são em uma quantidade “gigantesca”. Isto é, não são compatíveis com a queda dos anticorpos em nosso corpo. O que indica que há mais elementos de nosso sistema imune que estão funcionando. Tudo isto são indicadores de apenas UM fator relacionado à resposta imune.

(reprise do spoiler) Então chegou o dia da minha vacina, eu devo desencanar e nem ir?

(pelamor não é isso) Não! Não é isto que estamos dizendo – e já temos bastantes desinformações alarmistas a este respeito rondando e alardeando contra esta vacina! Calma!

Os resultados precisam ser interpretados com cautela. Isto dito pelos próprios pesquisadores deste estudo! Inicialmente em função de os anticorpos neutralizantes serem apenas um dos componentes do sistema imunológico!

É importante destacar que o sistema imune celular é fundamental para a eliminação de infecções virais – muito embora sempre ressaltemos o papel dos anticorpos e estes sejam popularmente mais conhecidos (embora definitivamente não os únicos envolvidos na defesa de nosso corpo nas infecções).

Como assim?

Ora, outros elementos como o sistema imune celular pode proteger as pessoas inclusive contra as formas mais graves da doença! E estes elementos não foram avaliados neste estudo!

É importante destacar que o sistema imune celular é fundamental para a eliminação de infecções virais – muito embora sempre ressaltemos o papel dos anticorpos e estes sejam popularmente mais conhecidos (embora definitivamente não os únicos envolvidos na defesa de nosso corpo nas infecções).

O sistema imune é “um mundo à parte” nas ciências biológicas e de saúde. E tem, sim, um grau de complexidade para conseguirmos esmiuçar estes resultados e informações todas as vezes que precisamos falar disso!!!

Claro que em momentos como este, entendemos a apreensão de todos. Mas ressaltamos: não podemos nos deixar levar por tudo o que chega nos famigerados grupos de Whatsapp e grupos de outras redes sociais. Muita calma sempre ao compartilhar estes conteúdos.

Assim, ressaltamos enfaticamente, que esta vacina analisada neste estudo apresentou uma eficácia elevada na proteção contra formas clínicas graves da COVID-19 e estes resultados seguem válidos e, portanto, VACINAR-SE SEGUE SENDO A RECOMENDAÇÃO!

Por fim, destacamos que, dentre outras características relacionadas a este estudo, o nosso “N amostral”, ou seja, o número de indivíduos analisados, é PEQUENO. Além disso, outras vacinas precisam ser avaliadas contra a P.1 – bem como outras variantes já em circulação e que provavelmente surgirão.

Há necessidade de desenvolver estudos mais amplos e abrangentes, com um N amostral maior, que visem avaliar outros aspectos da resposta imunológica. Bem como realizar estudos similares com pessoas que receberam outras vacinas, frente às novas variantes de SARS-CoV-2 no Brasil.

Tá, mas se o estudo é incipiente, qual o motivo de publicarem?

Se estivéssemos em um bar, descontraídos numa sexta, essa seria a hora que daríamos um tapa na mesa e diríamos: “mas aí é que tá!!

Bom, mas estamos cumprindo as normas de distanciamento social e estamos falando sério sobre o artigo sobre a P.1 e a CoronaVac com uma mensagem fundamental.

Aqui está o paradoxo de trabalhar com ciência… em primeiro lugar, não estamos aqui para publicar só o que nos agrada e guardar a sete chaves os resultados que não gostamos.

Este resultado é relevante e pode ser considerado assim para outros cientistas que também trabalham com pesquisas similares. Inclusive, outros estudos pelo mundo, com outras formulações vacinais, têm demonstrado resultados muitos semelhantes ao nosso estudo. Isto é, temos testado todas as vacinas para as variantes, para exatamente ver o que estamos cobrindo, como estamos cobrindo a doença e os cuidados que ainda precisamos ter.

Relevante não para nos gerar pânico – mas por nos fazer entender alguns aspectos da doença, da vacina e seus efeitos. Relevante, também, pois nos indica os cuidados que devemos seguir tendo – e de maneira URGENTE – para conter o vírus!

A vacina é fundamental e ainda é nossa maior aposta!

Mas precisamos seguir medidas que estão sendo regulamentadas e indicadas como seguras e eficazes desde o início da pandemia: usar máscaras (preferencialmente PFF2 ou N95), manter as medidas de higiene do ambiente e, primordialmente, distanciamento social, mesmo em indivíduos vacinados!

Estas medidas são simples, eficazes e precisam seguir sendo defendidas com empenho de todos – e cobrança para serem efetivadas, pelo poder público!

Assim, lembramos também que novas variantes surgem exatamente pelo vírus seguir circulando descontroladamente e estas medidas ajudam na contenção do vírus. Além disso, aliado às vacinas (especialmente se conseguirmos aumentar a quantidade de vacinas aplicadas mais rapidamente), teremos cada vez menos vírus circulando e consequentemente menos pessoas infectadas: e esta é nossa prioridade!

Uma nota sobre preprints

A outra questão sobre publicar este artigo em preprint é que ele tem um “endereço” certo – que são cientistas, como já falamos. “Ah! Quer dizer que não cientistas não podem ler agora?” Não é isso. Nossa ênfase segue: lembrar que os resultados precisam ser lidos com cautela, sem aligeiramentos e ansiedades, especialmente em momentos como este. Por isso nos artigos existem ressalvas, existe também palavras como “resultados SUGEREM”. E isto indica que não são 100% conclusivos, mas apontam caminhos a serem pensados, analisados e, eventualmente, replicados em N amostrais maiores!

Ainda é fundamental apontar, neste sentido, que as principais revistas têm recomendado fortemente (ou até obrigam) a inserção de dados relacionados à COVID-19 em preprint. A ideia atual é disseminar o conhecimento rapidamente justamente para que ele seja submetido à escrutínio científico público o mais rápido possível. Isso permite algumas questões:

  • maior transparência do processo científico;
  • ajuda a guiar os cientistas na busca do conhecimento, pois nenhuma pesquisa é pautada por apenas um estudo, mas conjuntos de observações independentes;
  • proporciona que outros grupos que estejam pesquisando dados similares , possam reforçar, revisar ou repetir partes dos experimentos para já apontar inconsistências ou coerências dos estudos.

Em tempos de pandemia, os preprints servem para cientistas acessarem estudos o mais rápido possível, para gerar mais respostas viáveis de compreensão da doença e solucionar problemáticas possíveis. O preprint é uma ferramenta da ciência para cientistas. E isto não quer dizer que não cientistas não podem ter acesso, mas quer dizer que é um tipo de leitura diferente que precisa ser feita, antes de decisões e publicações apressadas!

Ah, então os resultados não devem ser levados em consideração?

Hehehe não! Calma. O que estamos dizendo é:  não existe 8 ou 80. Estes resultados são preliminares – indicam que precisamos analisar mais, “repetir a dose de análises”, compreender melhor o que está acontecendo. Assim, NADA DISSO invalida resultados anteriores.

É falaciosa, portanto, qualquer notícia que diga que “não adianta nada ter tomado vacina”. Seguimos indicando a vacina como fundamental para este momento.

Dessa forma, ressaltamos que existem mais de um sistema de proteção que são estimulados pelas vacinas. Entretanto, mais do que tudo isso, seguimos afirmando que MESMO ANTES DESTES RESULTADOS já existia o indicativo CONSTANTE de “precisamos seguir isolados e com distanciamento social, uso de máscaras e sem aglomeração até atingirmos a vacinação em massa!”

Estes resultados não mudaram esta perspectiva e indicação de medidas! Seguimos fortemente recomendando a mesma coisa desde os primórdios da pandemia!

Portanto, se cuidem, cuidem dos seus, não aglomerem, usem máscara, saiam de casa APENAS PARA O ESSENCIAL E INEVITÁVEL. Seguimos, com este estudo, endossando a vacina e dizendo a todos: vacinem-se assim que a data de vocês chegar! 

PARA SABER MAIS 

  • Amorim, Mariene; Arnt, Ana de Medeiros; Mori, Marcelo; Farias, Alessandro e José Luiz Proença-Modena. Anticorpos neutralizantes e a variante P.1 Gamma. Especial COVID-19, Blogs de Ciência da Unicamp, 2021. Disponível em: https://www.blogs.unicamp.br/covid-19/anticorpos-neutralizantes-e-a-variante-p-1-gamma/
  • Souza, William M., Mariene R. Amorim, Renata Sesti-Costa, Lais D. Coimbra, Natalia S. Brunetti, Daniel A. Toledo-Teixeira, Gabriela F. de Souza et al. Neutralisation of SARS-CoV-2 lineage P. 1 by antibodies elicited through natural SARS-CoV-2 infection or vaccination with an inactivated SARS-CoV-2 vaccine: an immunological study. The Lancet Microbe, Disponível em: https://doi.org/10.1016/S2666-5247(21)00129-4

P.1 e a CoronaVac: é verdade que não precisa mais vacinar? (Spoiler, precisa sim!)

Pesquisas de opinião têm demonstrado uma queda no número de pessoas dispostas a aderir a uma vacina contra a COVID-19, quando esta for aprovada.  Assim, questionamos, haveria uma deliberada intenção de agendar o debate em torno da obrigatoriedade da vacina? Isto feito utilizando o Padrão da Fragmentação e da Inversão e também fabricando um consenso, induzindo à hesitação vacinal?

Sobre Vacinas, método científico e transparência na ciência

Dia 11 de agosto, pela manhã, mais uma notícia: a vacina Sputnik vai chegar em outubro! O presidente Putin informou que a fase de testes de eficácia já iniciou (o que seria a fase 3 de testes clínicos da vacina). Segundo a OMS, no registro consta que esta vacina ainda está na fase 1 (que testa a segurança da vacina). Vacinação em massa, em outubro? Tal afirmação surpreendeu parte da comunidade científica.

Vacina, Estado e Liberdade: a manipulação do debate

Pesquisas de opinião têm demonstrado uma queda no número de pessoas dispostas a aderir a uma vacina contra a COVID-19, quando esta for aprovada.  Assim, questionamos, haveria uma deliberada intenção de agendar o debate em torno da obrigatoriedade da vacina? Isto feito utilizando o Padrão da Fragmentação e da Inversão e também fabricando um consenso, induzindo à hesitação vacinal?

Vacinas: de onde vêm e para onde vão

Recentemente temos ouvido falar muito sobre todas as pesquisas que têm sido realizadas para se descobrir uma vacina contra a COVID-19: Inglaterra, China, Rússia, todos estão correndo para ser o primeiro país a ter uma vacina aprovada para uso humano e que seja realmente eficiente em gerar uma imunidade em nós. Mas como que realmente funciona uma vacina e por que – em geral – demora-se tanto para desenvolver uma?

Vacinas: uma ação de Saúde Pública

Vacinas são ferramentas importantes no combate a doenças e devem ser pensadas para o bem público. Elas já enfrentam o desafio da desinformação, às fake news, e capitalizar esse momento de vacinação contra a COVID-19 é colocar mais um obstáculo para sua implementação.