Capítulo 31

Como a percepção do risco afeta nosso comportamento na pandemia?

p. 222-228

Para além do vírus e do organismo: Pandemia, Meio Ambiente e Sociedade

 

3 de março de 2021
Marco Antônio Coelho Bortoleto

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Revisão: José Felipe Teixeira da Silva Santos
Edição: Ana de Medeiros Arnt
Arte: Carolina Frandsen P. Costa

O risco representa um elemento da vida, uma ameaça, um impulsionador, uma razão para pensá-la. Da filosofia clássica à ciência moderna, o risco vem sendo objeto de inúmeras reflexões. E, algumas situações acabam ampliando nossa atenção sobre o risco, como vem sendo o caso do atual período da pandemia causada por COVID-19.

Semana epidemiológica #109

Média móvel de novos casos no Brasil, na ocasião de publicação deste texto

1.848 óbitos registrados no dia (259.576 ao todo)

Viver com a iminência do risco

Como vemos cotidianamente, podemos analisar o risco nas suas mais variadas dimensões (econômica, reconhecimento social, saúde, êxito profissional, etc) [1]. Nos interessa aqui, tratar do risco à integridade/manutenção do estado de bem estar e da própria vida. Uma conversa que perpassa, portanto, a noção de segurança, de prevenção, controle e mitigação do risco, que em conjunto compõem um sub-campo denominado gestão do risco.

“Nascer é uma possibilidade.
Viver é um risco.
Envelhecer é um privilégio”

(Mário Quintana)

Sociologia do risco

Nesse ainda efervescente contexto pandêmico, a sociologia do risco emerge como uma possibilidade [2]. Mais ainda, a noção de percepção do risco tão relevante para essa área do conhecimento, pode ajudar a melhor entender o modo individual (cada um de nós) e coletivo (grupos sociais) com que as pessoas vivem a ameaça viral e como constroem e reconstroem seu enfrentamento.

De entrada, vemos polarizações semelhantes àquelas já encontradas nas posições políticas, mostrando algumas pessoas/grupos despreocupadas (ao menos discursivamente), outras atentas e buscando atender às medidas de contenção/prevenção e, por fim, outras oscilando entre um lado ou outro. Assim, discursos e comportamentos refletem desde a percepção de uma gripezinha até mesmo a hipertrofia do medo com crises de pânico e depressão. Um problema de saúde pública, como poucos que já vivemos. Eis a razão que explicaria porquê tantos profissionais e veículos de comunicação têm abordado o fato!

Um olhar atento à complexidade do risco pode revelar o que está nas entrelinhas do reconhecimento e o trato do risco. A análise dos múltiplos indicadores (objetivos e subjetivos) faz-se necessária e, como temos visto, pode variar muito entre profissionais (especialistas) e também entre a população em geral. Aliás, opinar é importante, ao revelar o grau de liberdade e de existência numa sociedade democrática, contudo, eleva o grau de risco uma vez que proliferam todos os tipos de análises, criando, com frequência, um estado de confusão ainda maior.

Logo, quer seja utilizando ferramentas estatísticas, métodos de prospecção probabilísticos, ou mesmo, opiniões fundadas em preceitos religiosos e de sentido comum, o que observamos é um sem fim de comportamentos reforçando ou criticando/negando o risco da pandemia. Enganam-se aqueles que acham que somente os “leigos” erram, ou que os especialistas sempre acertam. Há muito risco – explicado pela epidemiologia dos acidentes – no ambiente doméstico, na condução de veículos por vias próximas e conhecidas, na conduta do trabalhador experiente. E, certamente há muito ainda que aperfeiçoar nos modelos e algoritmos que utilizamos para predizer a dinâmica de um fenômeno tão complexo quanto essa pandemia. Tal como todos vimos acontecer ao longo de décadas com os dispositivos utilizados para previsão meteorológica, por exemplo.

Percebendo o risco – estamos diante de um dilema

É precisamente, a percepção do risco que nos ajuda a refletir em como, entre outras coisas, alguns pesquisadores e profissionais da saúde – que se enquadram na categoria de especialistas – seguem negando a pandemia, sua amplitude, bem como alguns ou todos os mecanismos preventivos adotados pelas autoridades. Ou, também, como amigos, pessoas próximas e familiares divergem tanto um dos outros nesse tema. Esse dilema nos apresentou mais uma crise, que já tinha sido notada no campo da política-eleitoral recentemente.

Assim, a negação ou a minimização do risco pode converter-se num comportamento de risco: ou seja, em condutas que podem ampliar o risco já elevado e, suas consequências. Pior, ainda que eu queira ser esperançoso, muitas vezes, a tentativa de esconder ou infra valorizar o risco representa uma estratégia que visa redirecionar a atenção para outras dimensões da vida individual ou social (econômica, política, ética, laboral, afetiva, …). o referido comportamento de ignorar e/ou minimizar o risco já foi amplamente observado – no campo da sociologia – quando um conjunto de pessoas experienciaram o estado de guerra por um tempo prolongado, ou quando enfrentam uma pandemia, como a do vírus HIV. Temos, então, mais um indicador que contribui para entender o que temos visto Brasil afora, após um ano de pandemia.

Cabe relembrar que não é uma novidade a proliferação de frases de efeito, para combater o risco, como, por exemplo: “precisamos viver”, “abram tudo”, “apenas alguns vão morrer”, “é melhor enfrentar o vírus de peito aberto do que fugir dele”, “essa doença é para os fracos”, …  Estas frases apresentam um discurso forte, repetido e maquiado por argumentos supostamente válidos, pode assumir o controle do comportamento de algumas pessoas e, algumas vezes, das massas.

“Existe o risco que você não pode jamais correr, e existe o risco que você não pode deixar de correr”

 (Peter Drucker)

Em poucas palavras, notamos que a percepção do risco – como construção subjetiva – pode variar significativamente, considerando o quão distante estamos do problema (ou imaginamos estar), quais informações temos sobre os riscos, quanto temos a perder (…) a opinião de uma pessoa, pode, quando reverberada nos meios e com a força adequada, tornar-se uma percepção coletiva.

Em poucas palavras, notamos que a percepção do risco – como construção subjetiva – pode variar significativamente, considerando o quão distante estamos do problema (o imaginamos estar), quais informações temos sobre os riscos, quanto temos a perder, entre outros aspectos. Com efeito, a opinião de uma pessoa, pode, quando reverberada nos meios e com a força adequada, tornar-se uma percepção coletiva. Por isso, o poder conferido às autoridades e, de certa forma tod@s @s internautas das redes e dos apps, representam, na atualidade, um poderoso mediador dessas percepções. Por conseguinte, relevantes indicadores para a sociologia do risco.

 

Controlar o risco – mais que uma opção, uma necessidade

A mesma sociologia do risco indica que, a observação dos fatos (acidentes, epidemias, lesões, …) e dos comportamentos, constituem uma boa metodologia para o controle do risco. Aprendemos, pois, que a busca por mecanismos redundantes de verificação (medir a temperatura, testagem em massa, …). Possuir uma “cópia de segurança”, solicitar uma segunda opinião no diagnóstico, verificar a informação em outra fonte, exigir um segundo laudo pericial, utilizar outra ferramenta/algoritmo para os cálculos, são alguns dos mecanismos de redundância empregados em distintas áreas. Deixar de realizar essas operações, como usar outro amigo do mesmo grupo do whatsapp pode, pelo contrário, promover a confirmação de um diagnóstico equivocado.

Por isso, a instauração de um olhar complexo incluindo variáveis biológicas/genéticas, psicológicas, afetivas, econômica e sociais, são fundantes para a constituição de uma “cultura de segurança” que, mesmo incapaz de extinguir o risco pode ajudar na instauração de um controle amplo e tolerável, oferecendo condições para a normalização da vida.

Desse modo, os protocolos sanitários (uso de EPI, verificação constante dos avanços farmacológicos e procedimentais, emprego amplo da vacinação,…) são empregados como modelos a serem seguidos. Isto é, são necessários para enfrentar o caos que temos observado nos discursos e nas práticas de governantes, gestores, especialistas e da comunidade em geral.

O controle do risco, por meio de mecanismos preventivos e sua consequente ampliação do estado de segurança, é apontado pela sociologia e com forte apoio das pesquisas em Saúde Pública e Economia, como uma ação mais efetiva. O tratamento, uma vez instaurado o problema (o contágio pelo vírus nesse caso), é mais oneroso, lento e exigente, ampliando os sacrifícios pessoais e institucionais.

Isso posto, mesmo não existindo uma solução simples, pragmática e rápida, apesar da urgência e gravidade da situação, fomentar os procedimentos de controle do risco representa uma missão de todos, principalmente das autoridades.

Adaptação de vetor livre de royalties obtido em rawpixel.com (ID: 2291445)

Comportamento de risco – ponderando sobre nossas decisões

Devemos entender que nossas decisões e, por consequência, nosso comportamento na esfera íntima e, especialmente, na pública, não deveria balizar-se numa conduta de risco deliberado como numa aposta [3]. Perder, quando a integridade da vida é o que se está apostando, pode representar o fim, uma tragédia para nós e/ou para muitos que convivem conosco.

Sendo assim, “apostar” no não uso da máscara em meio a tantas evidências de sua eficácia no controle (diminuição) do contágio, representa um bom exemplo de comportamento de risco. Uma clara sinalização de estarmos subestimando o risco real por razões que carecem de comprovação factual, como já mencionamos.

Esse e outros comportamentos que negam a magnitude da atual pandemia mundial, vêm construindo uma percepção turva dos riscos [4], um cenário confuso que entorpece as decisões (individuais e coletivas), ao ponto de ignorar muitas das estratégias preventivas, como o isolamento social, a higienização recorrente das mãos, entre outras [5]. Constitui-se, dessa forma, um cenário favorável para a emergência de diferentes condutas de risco [2], muitas vezes inadvertidas e que ignoram o risco e suas consequências para a vida.

O controle do risco é, com frequência, mais eficiente quando realizado com múltiplos agentes, estando ainda baseado em distintas perspectivas teórico-metodológicas. A prevenção, como estratégia, costuma ser mais barata e eficiente, do que a remediação, como já dissemos. Consequentemente, a implementação de procedimentos avaliativos e preventivos que contribuam para minimizar os riscos e aumentar o controle de segurança, torna-se um empreendimento de co-responsabilidade (individual-coletivo). Em suma, um dever de tod@s!

Em oposição, condutas temerárias, como a de publicar ou reverberar informações dúbias, fake news ou mesmo narrativas representam um ato de construção de uma percepção negacionista do risco, ampliam nossa dificuldade de afrontar a pandemia. O mesmo se aplicaria à condutas como dirigir embriagado, não utilizar EPI em trabalhos que os exijam, indicar medicação sem o devido diploma para tal, dentre tantas outras.

Vale lembrar que o risco não deve ser encarado como um aspecto negativo, como algo RUIM, mas como uma dimensão da vida que pode ajudar na sua manutenção. Reconhecendo sua natureza ambivalente [6]. Por isso, numa sociedade superprotetora parece-me ainda mais urgente, rever o processo de educação do RISCO, nem subestimando-o, nem promovendo a hipertrofia do medo.

Fica patente que a gestão do risco deve integrar todos, mostrando que somos co-responsáveis, individual e coletivamente. A busca e a difusão dos protocolos e dos comportamentos devem compor a agenda universal. Evidentemente, a gestão do risco pode e deve ser debatida considerando diferentes perspectivas (das teorias psicológicas à matemática da Teoria dos Jogos). 

PARA SABER MAIS 

  1. Collard, Luc. Le risque calculé dans le défi sportif. L’Année sociologique 52, no. 2: 351-369, 2020. Disponível em: https://doi.org/10.3917/anso.022.0351
  2. Le Breton, David. La sociologie du risque. Paris: PUF, 2016.
  3. Le Breton David. Conduites à risque. Des jeux de mort au jeu de vivre. Paris: PUF.,2017.
  4. Cohen, John, and Mark Hansel. Risk and gambling: a study of subjective probability. Longmans, Green, 1956. Disponível em: http://dx.doi.org/10.11575/PRISM/9757
  5. Breton, David Le. Ambivalences du risque. Sociologias 21: 34-48, 2019. Disponível em: https://doi.org/10.1590/15174522-93505
  6. Percepção do risco e prevenção na pandemia. 2020. Disponível em: https://cartolab.udc.es/covid19/fr/percepcion

 

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