Capítulo 33

Desigualdade social e tecnologia: o ensino remoto serve para quem?

p.243-248

Para além do vírus e do organismo: Pandemia, Meio Ambiente e Sociedade

 

30 de abril de 2020
Natália Martins Flores e Ana de Medeiros Arnt

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Revisão: José Felipe Teixeira da Silva Santos
Edição: Ana de Medeiros Arnt
Arte: Carolina Frandsen P. Costa

O ensino remoto emergencial foi uma das opções encontradas para contornar a falta de aulas em escolas e universidades durante a pandemia. Ainda que seja uma solução interessante para aproximar alunos e professores, o uso de plataformas virtuais e atividades escolares à distância coloca luz sobre a desigualdade de acesso a tecnologias de comunicação e informação – e pode aprofundar o abismo social da educação no Brasil. Neste capítulo, nos propusemos a apresentar um breve panorama sobre a Educação à Distância, as políticas públicas e o acesso à internet no Brasil.

Semana epidemiológica #18

Média móvel de novos casos no Brasil, na ocasião de publicação deste texto

443 óbitos registrados no dia (5.980 ao todo)

A educação à distância e as políticas públicas no Brasil.

Muito embora a educação informatizada não seja um debate novo no Brasil e no mundo – tendo sua história marcada no período após a Segunda Guerra Mundial (década de 1950) e com as possibilidades sendo maiores após o advento dos computadores pessoais (na década de 1980), o acesso aos equipamentos de informática e computação e o acesso às tecnologias de internet só recentemente tornaram-se viáveis para uma parcela grande da população. As Tecnologias Digitais de Comunicação e Informação (TDCI) aparecem neste cenário como ferramentas que são grandes promessas para a educação, no Brasil e no mundo.

A educação de um país, de modo geral, deveria seguir preceitos constitucionais e legais, pautados em políticas públicas que proporcionassem ao máximo uma igualdade de oportunidades, independente de condições socioeconômicas. Neste sentido, a educação à distância, regulamentada e estruturada a partir de políticas públicas, serviria para criar condições não apenas de trabalhar o que entendemos como conteúdo escolar (ou os conteúdos das disciplinas clássicas, digamos assim), mas também o desenvolvimento intelectual e a habilidade com diferentes estratégias e ferramentas de ensino e aprendizado.

Deste modo, o uso de equipamentos, como celular e computador, seriam mais do que apenas uma porta de acesso ao conteúdo, mas um modo de aprendizado vinculado ao manuseio do próprio equipamento de múltiplas maneiras. Tudo isto, inicia-se não apenas com a pesquisa relacionada à educação à distância, mas também (e a partir destas pesquisas) com o estudo e a implementação de políticas públicas específicas.

 De modo geral, as políticas públicas de inclusão digital na educação se pautam não apenas na existência de conteúdos acessíveis, mas também na alfabetização da população sobre as TDCIs e na infraestrutura que garanta a disponibilidade de acesso a este conteúdo.

As políticas públicas com este fim específico, no Brasil, vinham sendo discutidas e estavam previstas no Plano Nacional de Educação, e seria implementado via Programa de Inovação Educação Conectada, instituído em 2017, cujo objetivo principal era “apoiar a universalização do acesso à internet em alta velocidade e fomentar o uso pedagógico de tecnologias digitais na educação básica”. Nesta lei, argumentava-se sobre a importância de implementar políticas de acesso à internet, especialmente em populações com vulnerabilidade socioeconômica e baixo desempenho em indicadores educacionais. O Programa previa, ainda, apoio técnico e financeiro para as escolas.

Em pesquisa recente, constatou-se que em nosso país cerca de 82% das escolas privadas e 73% das escolas públicas do meio urbano possuem acesso à internet. No meio rural, este percentual cai para 42% para escolas privadas e 13% para escolas públicas. Só por este panorama breve das escolas, poderíamos questionar se existem condições e se os professores das escolas tiveram acesso às ferramentas antes deste momento que vivemos hoje.

Mas… Não estamos falando de escolas e suas condições de conexão. A Educação à Distância é diferente do que temos neste momento, pois preveria um planejamento anterior, com treinamento adequado, estrutura escolar e dos estudantes. O que temos neste momento poderia ser chamado de ensino remoto emergencial. E aí uma das questões é qual a condição desta educação mediada por tecnologias para que todos fiquem em casa enquanto durar a pandemia no Brasil?

Adaptação de vetor livre de royalties obtidos em rawpixel.com (ID: 2296185 e ID: 469887)

A educação de um país, de modo geral, deveria seguir preceitos constitucionais e legais, pautados em políticas públicas que proporcionassem ao máximo uma igualdade de oportunidades, independente de condições socioeconômicas.

O primeiro dado que precisamos lembrar é que nem todo mundo tem equipamentos que possibilitam o acesso à internet. Em 2017, segundo dados do IBGE, 43,4% dos domicílios brasileiros possuíam computadores pessoais e 13,7% tablets. O percentual de telefones móveis, neste mesmo ano, estava presente em 93,2% dos domicílios (ao menos um por residência).

Os dispositivos mais disponíveis para os brasileiros são, portanto, os telefones celulares. Em 2019, tínhamos 420 milhões de dispositivos digitais (computadores e smartphones) circulando no Brasil, o que dá 2 dispositivos por habitante. A distribuição desses dispositivos, no entanto, nem sempre é igualitária. Destrinchando estes números, a partir da pesquisa do CEDIC de 2018, percebemos que apesar de 83% dos brasileiros terem telefone celular, 16% ainda estão fora dessa realidade. Temos computadores portáteis em apenas 27% das residências, computadores de mesa em 19% e tablets em 14%.

Voltando ao IBGE, esta mesma pesquisa (que é por amostragem de domicílios) aponta que em 2017, 74,9% das residências brasileiras utilizavam internet. Este número chega a 80,1% em residências urbanas e 41% em residências rurais. Cabe ressaltar que a pesquisa do IBGE também buscou levantar os motivos pelos quais 25,1% dos domicílios brasileiros não tem (ou não tinham naquele momento) acesso à internet… As respostas variam entre: falta de interesse no serviço, valor do serviço de acesso, ninguém da residência sabe usar internet e o equipamento para acessar é muito caro, conforme gráfico abaixo (retirado na íntegra da publicação de IBGE, 2017) [1].

Elaborado a partir do original em Brasil. IBGE. PNAD – Acesso à Internet e à televisão e posse de telefone móvel celular para uso pessoal, 2017. Brasília: IBGE, 2018. Disponível em: https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv101631_informativo.pdf

Além destes pontos levantados anteriormente, outra questão se refere à qualidade da conexão, que também pode ser um entrave para que estudantes acompanhem videoaulas e conversas com a turma e professores nas plataformas virtuais.

Neste primeiro texto da série sobre Educação e ensino remoto emergencial, buscamos apresentar um pouco sobre algumas problemáticas quanto ao acesso às Tecnologias Digitais de Comunicação e Informação – enfatizando equipamentos e serviços de internet em domicílios brasileiros.

Mais do que dizer que estas estratégias não deveriam ser usadas pelas escolas, a ideia era brevemente apresentar um pouco as dificuldades de se implementar isto em tempos anteriores à pandemia (trazendo alguns dados históricos de políticas públicas brasileiras) e que são acentuados no atual cenário que vivemos.

Agora é necessário, mesmo que de forma urgente, buscar formas de não acentuar desigualdades sociais que já são históricas e profundas na sociedade, em função de políticas de acesso à informação no país. 

PARA SABER MAIS 

  1. IBGE. PNAD – Acesso à Internet e à televisão e posse de telefone móvel celular para uso pessoal, 2017. Brasília: IBGE, 2018. Disponível em: https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv101631_informativo.pdf

Outros materiais

  • Hayashi, Carmino, Fernando dos Santos Soeira, e Fernanda Rodrigues Custódio. Análise sobre as Políticas Públicas na Educação a Distância no Brasil. Research, Society and Development 9, no. 1, 2020. Disponível em: https://doi.org/10.33448/rsd-v9i1.1667
  • Moreira, Eliane Silva, Erika de Oliveira LIMA, e RO BRITO. Estudo comparado das políticas públicas educacionais de inclusão digital: Brasil e Uruguai. Revista da Faculdade de Educação (Universidade do Estado de Mato Grosso), Cáceres (MT) 32, no. 2, 1-22, 2019. Disponível em: https://doi.org/10.30681/2178-7476.2019.32.1741

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