Capítulo 41

Não é um número

p.289-303

Notas finais

 

11 de março de 2021
Ana de Medeiros Arnt, Graciele Almeida de Oliveira, Érica Mariosa Moreira Carneiro, Jaqueline Nichi, José Felipe Teixeira da Silva Santos, Maurílio Bonora Junior e Carolina Frandsen P. da Costa.

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Arte: Carolina Frandsen P. da Costa.

trezentos e sessenta e quatro. 
duas mil trezentas e quarenta e nove.
duzentos e setenta mil seiscentos e cinquenta e seis.
nove milhões oitocentos e noventa e seis mil setecentas e vinte e sete.
dois milhões, trezentos e quatorze mil e cinquenta e nove.

 

#nãoéumnúmero

*hashtag do Memorial Inumeráveis

Semana epidemiológica #110

Média móvel de novos casos no Brasil, na ocasião de publicação deste texto

2.195 óbitos registrados no dia (273.335 ao todo)

Estes são os dados relacionados à COVID-19 de ontem. 10 de março. Um dia antes do anúncio oficial da OMS de que vivíamos uma pandemia. Neste dia, vivenciamos 2.349 óbitos oficiais de COVID-19 no Brasil – o pior número desde o início da crise sanitária. No total, 270.656 óbitos “acumulados”. Aplicamos apenas 9.896.727 doses de vacinas, CoronaVac ou Astrazeneca.

Vidas protegidas, vidas salvas, vidas perdidas. 270.656 pessoas.

Vocês ainda se chocam? Se solidarizam? Se importam?

270.656 brasileiros, em 213 milhões. Cerca de 0,13% da população. Parece tão pouco quando mudamos o jeito de apresentar os dados, não?

Quem tomou as duas doses das vacinas respira mais aliviado junto a 2.314.059 pessoas. Elas representam 1,01% das pessoas protegidas contra COVID-19. Ou seja, apresentam uma chance muito ínfima de se contaminar e, se contaminadas, chances próximas de zero de apresentarem quadros severos de COVID-19.

Sim, a Ciência salva vidas. Mas a ciência que salva vidas é a mesma que precisa receber investimentos que serão usados tanto na formação de pessoas em graduação, pós-graduação e pesquisadores, quanto em laboratórios, compra de insumos, financiamento de recursos para a realização de pesquisa e formulação de produtos em tempos de crise (como o que vivemos agora).

A ciência não se fecha em si mesma.

Salva-se vida disponibilizando estes conhecimentos, produtos e informação, à população. E nesse processo, políticas públicas voltadas à ciência e sua gestão efetiva são primordiais. Isso significa que, especialmente em tempos de crise, a negociação deve ser rápida, eficiente e de forma a priorizar vidas.

Não há pausa para respirar – temos brasileiros sem oxigênio em hospitais. Não deveria existir pausa para debater o país de origem da vacina. Importa a validação científica, segurança dos dados, a compra de insumos, a estruturação de transferências de tecnologias e fabricação das vacinas. Não há tempo para ofertar tratamentos ineficazes e/ou perigosos, ludibriando pessoas vulneráveis a um discurso de medo.

A cada pausa para conjecturar se deve-se ou não comprar e fabricar vacinas, pessoas morrem. A cada pausa para conjecturar se deve fechar ou não as ruas com severidade, pessoas morrem. A cada pausa entre slides de coletivas, anunciando novas cores no painel dos estados, pessoas morrem.  A cada hesitação àquilo que a Ciência já avaliou, testou e validou, pessoas morrem.

Ao final deste dia, no nosso país, após um ano do anúncio oficial decretando uma pandemia pela Organização Mundial da Saúde, provavelmente perderemos mais do que 2 mil pessoas, amigos, parentes, pessoas que são queridas por outras e, acima de tudo, brasileiros.

Ainda que vacinando, seguimos morrendo – não por que as vacinas não funcionam. Mas por vacinarmos lentamente demais.

Saber é ferramenta para usarmos na sociedade, em nossa vida cotidiana. É base para pensarmos e agirmos frente às problemáticas do mundo. 

Por agirmos demasiadamente caóticos…

A ciência, em parceria com a divulgação científica, tem o potencial de salvar vidas e vêm lutando para que todos compreendam vários aspectos relacionados à pandemia. Como isto acontece em sua relevância mais mundana. Mas só conhecer não basta. São necessárias ações amplas que incluam o Estado com políticas públicas eficazes e a nós mesmos. Saber é ferramenta para usarmos na sociedade, em nossa vida cotidiana. É base para pensarmos e agirmos frente às problemáticas do mundo. 

 

A ciência nos dá respostas, a divulgação científica torna o conhecimento acessível a todos. Juntas, têm o potencial de salvar vidas. No entanto, só a prática rotineira e aplicada, de políticas coerentes, assertivas e cientificamente embasadas, em todos os setores da sociedade, especialmente na gestão de políticas públicas, possibilita transformar o conhecimento em “vidas não perdidas”, todos os dias.

E nós, do Blogs de Ciência da Unicamp, estudamos todos os dias, analisamos dados, todos os dias, contamos vidas e mortes, todos os dias, sentimos cada uma delas, todos os dias, e em luto e em luta, seguimos e seguiremos – tal como o prometido desde o início de tudo isto – com e por todos os que seguem aqui e todos os que partiram deixando familiares, amigos, colegas, companheiros: 

juntos.

 ■

Nota dos editores: Este texto foi publicado ao completar um ano de pandemia de COVID-19, de acordo com a data anunciada pela OMS. A data de 11 de março de 2021 foi eleita como a última data de textos para este livro, exatamente por estarmos organizando um giro de divulgação científica sobre a COVID-19 no Blogs Unicamp, isto é, um ano inteiro sob a égide desta crise sanitária, no mundo. Ainda enfrentaríamos o pior momento da pandemia, com o colapso do sistema hospitalar no país inteiro. Já tínhamos enfrentado o colapso, por duas vezes, em Manaus, sendo que a segunda vez por falta de oxigênio nos hospitais. Caso que nunca, jamais, em momento algum, devemos esquecer na história do nosso país: brasileiros morreram sem ar por negligência logística de governantes, em uma crise sanitária por doença respiratória.

Glossário de termos chave

Definições de termos-chave que ocorrem nesta publicação: anticorpo; assintomático; contágio; fibrose; imunidade de rebanho; imunização; imunização cruzada; infecção; período ou fase de incubação, infecciosa e pré-sintomática; proteína ACE2; proteína Spike; sintomático; trombose; variantes.

Não é um número

trezentos e sessenta e quatro. 
duas mil trezentas e quarenta e nove.
duzentos e setenta mil seiscentos e cinquenta e seis.
nove milhões oitocentos e noventa e seis mil setecentas e vinte e sete.
dois milhões, trezentos e quatorze mil e cinquenta e nove.

 

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*hashtag do Memorial Inumeráveis

Um ano sem encontrar o tratamento de COVID-19

Um ano atrás a OMS declarou que a COVID-19 passou ao status de pandemia. Desde então, cientistas ao redor do mundo estão em busca de um tratamento específico para essa doença, sem muito sucesso até o momento.