Quarentenados: cientistas na pandemia

Em meio à pandemia, três jovens aspirantes a cientistas da Unicamp contam como fazer ciência, sobreviver e viver durante a quarentena

 

A chegada de uma nova doença infecciosa causada pelo novo coronavírus e seu rápido espalhamento pelo mundo impõem a busca de soluções pela ciência. No momento em que a sociedade mais precisa da ciência, ela reage em meio ao crescente ataque ao conhecimento científico (o anticientificismo), às universidades públicas e aos cortes de recursos para pesquisa. 

Neste cenário, cientistas de todo o mundo buscam incansavelmente por vacinas e medicamentos eficientes contra o SARS-CoV-2 e analisam modelos matemáticos e métodos de conduta social que ajudem os gestores públicos a conter o contágio. Contudo, não são os únicos, a ciência não parou. Cientistas de todas as áreas experimentaram mudanças em seu trabalho e em sua vida.

Três cientistas ligados ao Laboratório de Genômica e bioEnergia (LGE) da Unicamp, em diferentes etapas de formação, dão seus depoimentos sobre os efeitos da quebra abrupta de rotina e a reorganização de suas vidas em meio a esse marco histórico. A pandemia e o isolamento social impõem diferentes níveis de dificuldades para estes jovens cientistas. Muitos trabalhos são práticos e dependem da infraestrutura do laboratório e do contato com pesquisadores mais experientes e orientadores. É sob essa supervisão que eles aprendem e crescem como cientistas. 

Luan Beschtold é apaixonado por ciências e com 19 anos já experimentou ser cientista. Ele completou o estágio do ensino técnico em Biotecnologia no LGE e se prepara para o vestibular. Jennifer não perde tempo e aproveita a graduação, participando de diversos projetos. Graduanda em Ciências Biológicas, ela faz iniciação científica. Já Fellipe é um cientista maduro com doutorado. Engenheiro Químico de formação, continua sua pesquisa no pós-doutorado. Os três concederam entrevistas por e-mail e aplicativo de mensagens contando a panaceia para seus projetos de vida após o COVID-19.  

Jennifer Wellen

Jennifer Wellen, 21 anos, estuda Ciências Biológicas na Unicamp e já está no final de sua graduação. Antes do estabelecimento da quarentena, ela estava animada escrevendo seu projeto de iniciação científica e acompanhando experimentos em andamento no Laboratório de Estudos da Dor e Inflamação no Instituto de Biologia.

A influência de alterações na dieta sobre comportamentos depressivos é o foco da pesquisa, que usa o camundongo como modelo para os testes, oferecendo a eles uma dieta rica em açúcar e gordura. Técnicas para o estudo de dor e depressão, como o teste de Von Frey, para quantificar a dor que o animal está sentindo, e o teste de interação social são aplicados para detectar o desenvolvimento de comportamentos depressivos.

Esse fluxo de trabalho, contudo, foi modificado. Os experimentos laboratoriais tiveram de ser interrompidos, dando mais espaço para análises feitas no computador. Através de um software livre Jennifer analisa os vídeos dos camundongos para o teste de interação social.

Com a queda de seu notebook durante a quarentena, com a tela virada para baixo, Jennifer teve problemas para continuar realizando as análises. Por sorte, ela conseguiu salvar os arquivos do projeto, mas precisou continuar seus estudos com um notebook fornecido pela coordenação do Instituto de Biologia.

“A comunicação fica muito falha à distância. O aprendizado é bem mais teórico do que seria um projeto bem experimental. Isso deixa tudo meio falho. Eu sinto que estou aprendendo muito menos e quando depende das pessoas para aprender está sendo muito demorado”, contou. As interações com cientistas mais experientes, os experimentos e todo o aprendizado no laboratório enriqueciam a pesquisa de Jennifer, que lamenta estar aprendendo menos e mais lentamente.

Jennifer, de Indaiatuba, está morando em uma República com seu namorado e outros três moradores. Ela teve de ficar em Barão Geraldo por conta de seus estudos e pesquisas e considera que voltar para a casa de seus pais agora seria quebrar a quarentena e trazer riscos desnecessários à sua família.

Mesmo com a saudade, Jennifer está feliz. A relação com seu namorado está muito mais próxima. O apoio e companheirismo nesses tempos cresceram. Os dois caminham cerca de 5 Km nas tardes com Greg, o cachorro da república, e depois se exercitam em casa. Fora de casa e durante as caminhadas, ambos usam máscaras e mantêm um distanciamento adequado de outras pessoas.

A arte e a cultura têm se mostrado refúgios não só para os cientistas, mas para todos nós que enfrentamos esses momentos difíceis. Devorar novas séries, filmes, músicas e animes são fontes de diversão para a estudante. “Nessa quarentena está até difícil indicar série e filme, porque eu virei uma otaku. Assisto muitos animes e eu terminei uns cinco.” Ela também conta que o lançamento do álbum Future Nostalgia da cantora Dua Lipa salvou a sua quarentena, com destaque para a música Break my Heart.

Felipe Mello

Fellipe Mello, 29, graduado em Engenharia Química e doutorando em Bioenergia, todos na Unicamp, está em seu primeiro ano do pós-doutorado. Logo que Fellipe terminou de montar um plasmídeo, a Unicamp decretou o fim das atividades não essenciais. “Eu precisava editar um gene de uma levedura minha, na verdade fazer o nocaute, que é deletar o gene do genoma de uma linhagem, substituindo esse gene por outro. E, daí, para isso, eu preciso de um plasmídeo, o CRISPR. CRISPR é aquela metodologia de edição genética.” Montar um plasmídeo é um processo complicado, ele conta, que leva mais de um mês para ser finalizado. Felizmente, Fellipe conseguiu terminar a tempo essa etapa do trabalho, evitando perdas ao seu projeto.

As idas ao laboratório e os trabalhos de bancada diminuíram. Embora Fellipe vá algumas vezes por semana lá para viabilizar o uso do robô de pipetagem, pelo qual ele é responsável, a maior parte do trabalho ele faz em casa. Mesmo distante, ele está em contato diário com seus alunos, discutindo projetos e os ajudando com análises de dados. A maioria dos alunos ainda trabalha no laboratório seguindo um esquema de rodízio para respeitar o distanciamento social. “Estamos trabalhando normalmente. A gente está em contato diário. A gente sempre conversa. Eu estou sempre ajudando elas [orientadas], principalmente a analisar dados. Muitas vídeo chamadas! Além das reuniões do laboratório convencionais, eu tenho feito bastante reuniões com as minhas alunas.”

Além de orientar seus alunos à distância, Fellipe está focado em escrever um novo projeto, se lançando em uma nova etapa de seu trabalho. O objetivo é desenvolver um biosensor baseado na levedura Saccharomyces cerevisiae capaz de detectar o vírus da COVID-19. Gonçalo Pereira, coordenador do laboratório, e a mestranda Carla Maneira também estão envolvidos na proposta, que já foi aprovada pela Inova para ser patenteada. Os três desenvolveram o projeto no início da quarentena, o submeteram recentemente à FAPESP e agora aguardam o resultado para financiamento. Em pouco tempo Fellipe conseguiu avançar em seus estudos, indo além de suas expectativas.

“Eu achei que não conseguiria trabalhar em casa porque meu trabalho era puramente experimental e de bancada, mas tem sido bem produtivo e estou conseguindo fazer bastante coisa.” Apesar de apegado à rotina e gostar das atividades presenciais no laboratório, o pós-doutorando está feliz com a rotina imposta pela quarentena.

O que mantém Fellipe animado é a atividade física. Antes da quarentena, ele praticava triátlon, crossfit, corrida e ciclismo. Hoje, com a compra de alguns equipamentos, ele  treina em casa e se mantém saudável. Para Fellipe, os esportes, principalmente os individuais, oferecem uma forma de se conectar consigo mesmo.

Fellipe, assim como Jennifer, também está isolado em casa com seu namorado e três outros amigos, longe da família. “Está todo mundo junto, o que ajuda bastante o processo. Ficar sozinho eu acho mais complicado.”

Os avós de Fellipe foram fazer o isolamento junto com seus pais em Resende, no interior do Rio de Janeiro, para facilitar os cuidados. Fellipe sente falta da família, mas não arrisca visitá-los.

Luan Beschtold

Luan Beschtold, 19, terminou o Ensino Médio em 2019 e agora seu foco principal é o estudo para o vestibular. Sua meta é cursar Engenharia Química na Unicamp. Ele também pensa na possibilidade de fazer Ciências Biológicas ou Farmácia como segunda opção.

No ano passado, Luan fez estágio no Laboratório de Genômica e bioEnergia da Unicamp como parte do curso técnico em Biotecnologia. Apesar do estágio encerrado, Luan fez muitas amizades, que o ajudaram nos estudos para o vestibular. Ele conta que recebeu uma grande quantidade de livros para pré-vestibular do pessoal do laboratório e está se guiando por eles. Quando ele não entende algum conteúdo, procura por videoaulas na internet.

Luan organiza uma rotina de estudos semanal no Excel, com a separação de matérias em períodos. “Eu estou estudando de segunda a sábado, das 8h às 18h com intervalo de 10 minutos a cada 50 minutos de estudo”. Durante a noite, ele descansa e aproveita para aperfeiçoar suas habilidades na guitarra, treinando novas músicas.

Luan está em isolamento em sua casa com a família e afirma que, durante a quarentena, somente seu padrasto costuma sair para a compra de produtos. “Me sinto um pouco preocupado em relação com o que pode vir pela frente. Para me distrair de todo esse caos estou treinando novas músicas na guitarra e assistindo animes”, comenta.

Atividades físicas são uma forma importante de manter o corpo e a mente saudáveis. Luan lamenta que agora sua rotina de esportes e exercícios se tornou muito limitada, mas tenta se adaptar às circunstâncias da quarentena. “Eu recentemente comecei um treinamento em casa e às vezes ando de bicicleta no meu bairro.”

Caminhando juntos

Os três cientistas estão lidando com momentos de ansiedade. Além da preocupação com amigos e familiares, há um grande sentimento de incerteza em relação ao futuro. O estabelecimento de uma rotina leve, que dê espaço para o lazer e atividades físicas é essencial para a manutenção da saúde mental. Estamos vivendo períodos de mudanças e é normal levar tempo para adaptar-se. Para que os cientistas continuem fazendo ciência é necessário que o bem-estar esteja em primeiro lugar nas preocupações.

A arte e a cultura também foram citadas pelos cientistas como refúgios para o enfrentamento desse momento difícil. E você? Como está lidando com a quarentena? Tem dicas de livros, músicas, filmes ou séries? Conta pra gente nos comentários!

Jennifer, Fellipe e Luan indicam:

Angélica Franceschini , comunicadora social – midialogia pela Unicamp, participou do programa Mídia Ciência da Fapesp no Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo (Labjor/Unicamp). Hoje faz mestrado em multimeios na Unicamp.

Continue lendo:

Ato ou efeito de limpar

Simples hábitos de higiene pessoal como lavar as mãos e tomar banho são críticos para frear o contágio de doenças. Sabão e banheiro surgiram em momentos diferentes da história e juntos institucionalizaram a cultura da limpeza. Hoje, a ordem é limpar, limpar e limpar.

Epidemias e pandemias causadas por vírus são hoje o grande desafio da saúde mundial. Nos últimos 20 anos, vimos o terror gerado por SARS-CoV (2003), H1N1 (2009), MERS (2012), Ebola (2014) e, mais recente, SARS-CoV-2 (2019). Apesar da maior abrangência e acesso a coleta de lixo, água tratada, sistemas de esgotamento sanitário e saúde pública, a vida contemporânea, principalmente nas grandes cidades, impõe desafios para a contenção dessas doenças altamente infecciosas, transmitidas por contato entre pessoas ou com objetos contaminados.

O controle e a prevenção estão na vacinação, nos tratamentos antivirais (fármacos que inibem a replicação viral) e na higiene pessoal. Entre as alternativas, a higiene pessoal se destaca por ser a mais econômica, além de reduzir a disseminação de uma gama de outros agentes microbianos causadores de doenças, muito além dos vírus. Por higiene pessoal entende-se principalmente o hábito de lavar as mãos com água e sabão (ou álcool gel com teor de 70% em casos muito específicos, como na ausência de pia ou sabão).

Palli Thordarson, professor de química da Universidade de New South Wales na Austrália, viralizou ao postar no seu Twitter que o ordinário sabão é tão bom quanto, senão melhor, que o álcool em gel. As mensagens de Thordarson chegaram antes da Organização Mundial da Saúde declarar a pandemia de COVID-19 em 11 de março de 2020. Mesmo assim, não foram suficientes para evitar que farmácias e supermercados tivessem seus estoques de álcool em gel esgotados.

Na última thread postada, Thordarson comenta sobre os dois produtos. O cientista acredita que comprar álcool em gel faz parte do imaginário coletivo que lavar as mãos é algo simples demais para combater uma pandemia. Apesar do sabão ser associado à suavidade e beleza, ignorar seu poder destrutivo é ignorar seu maior trunfo. 

 

Sabão: o aliado químico

Padrões de higiene pessoal e ambiental, bem como a introdução do banheiro como um cômodo essencial a qualquer construção, são muito recentes. Em meados de 1800, Florence Nightingale, fundadora da enfermagem moderna, estatística e divulgadora de ciência, já promovia a lavagem das mãos. No entanto, o primeiro guia endossando esse hábito para profissionais da saúde apareceu bem mais tarde, publicado pelo Centro de Controle de Doenças e Prevenção (CDC), principal instituto de saúde pública dos Estados Unidos, em 1975. 

A partir daí, o uso do sabão passa a ser o ato individual mais importante da vida em sociedade. Além de remover sujeira, o sabão previne infecções de pele, limpa ferimentos e interrompe o ciclo de transmissão de doenças quando feito por todos. 

A produção desse ingrediente crítico é bem simples e depende de uma reação química chamada saponificação, em que a mistura de gordura (o termo técnico é ácido graxo, geralmente de origem vegetal, como óleo de coco, palma e de oliva, ou animal, como sebo bovino e gordura de porco) e uma base (hidróxido de sódio ou potássio) resulta em sabão, ou melhor um sal de ácido graxo.

O sal de ácido graxo é uma estrutura híbrida com propriedades interessantes. A molécula lembra um alfinete-de-cabeça: de um lado, a cabeça hidrofílica (ama água) e de outro, a haste hidrofóbica (odeia água). A interação entre moléculas de água é maior na interface ar-água. Nessa região a água parece formar uma película elástica (propriedade conhecida como tensão superficial da água). Quanto dissolvido em água, as “hastes” do sabão fogem da água e se organizam para fora do meio líquido, separando e enfraquecendo as interações entre as moléculas de água nesta região. Quebrar a tensão superficial da água, ajuda o sabão a formar micelas (estruturas arredondadas); quando as cabeças dos alfinetes se alinham, voltadas para o exterior aquoso, e as hastes se protegem da água, no interior das micelas.

tensão superficial da água

O sabão é capaz de permeabilizar algumas células e desestabilizar membranas lipídicas. As “hastes”, com afinidade por óleos e gorduras, aprisionam sujeiras e pedaços de alguns agentes patogênicos dentro das micelas, ao mesmo tempo que permanecem dissolvidos na água, facilitando a remoção quando feito o enxágue. Apesar do álcool em gel 70% também afetar as membranas de microrganismos, sozinho é incapaz de remover os detritos da pele.

A origem do sabão é desconhecida. Diferente de artefatos arqueológicos que recontam a história de civilizações antigas, seus costumes e modos de vida, o sabão de fácil decomposição não deixou vestígios. Segundo a lenda romana, o Monte Sapo, um provável local de sacrifícios animais, é o ponto de origem. Chuvas fortes após os cerimoniais levavam gordura animal e cinzas para dentro do Rio Tibre. A mistura das duas substâncias gerava espuma e logo as mulheres perceberam que as roupas ficavam mais limpas quando lavadas nessas águas.

Os egípcios também produziam sabão, provavelmente usando óleo de gergelim, linhaça ou mamona, ao invés de gordura animal, em combinação com uma substância alcalina, como carbonato de sódio ou potássio (a soda), obtida das cinzas de plantas halófitas. Essas plantas suculentas vivem em regiões marítimas ou costeiras; por isso, acumulam grande quantidade de sal em seus tecidos. Até a Idade Moderna, plantas halófitas seriam usadas como fonte de soda e o sabão considerado um item de luxo. 

plantas halófitas

Banheiro: o aliado físico

Imagine um dia que já amanhece quente. No trajeto para o trabalho, gotas de suor brotam do seu rosto. Depois de uma manhã cheia, você segue a pé com o sol à pino e o céu azul livre de nuvens até um restaurante próximo para almoçar e volta para o refúgio do escritório com ar condicionado. O dia passa concentrado em várias tarefas, reuniões… Na volta para casa, o calor emana do concreto e do escapamento dos carros parados no trânsito. O suor pinga. Você chega em casa e qual o maior desejo? Imagino, um banho!

A espuma branca do sabão descendo pelo ralo, o cheiro frutado do shampoo e o ar de discoteca retrô, com o vapor d’água condensando nos azulejos, espelho e box, faz do banheiro um lugar festivo. O banho diário é um hábito que purifica e renova. Porém, na história da humanidade nem sempre foi assim.

Na Roma e Grécia Antigas, os banhos públicos eram espaços de socialização e embelezamento. A preferência era por esfoliação do corpo, usando argila, cinzas ou areia, seguida de aplicação de óleo vegetal. Já na Idade Média, os cristãos viam os banhos como hábitos decadentes e obscenos. Segundo Santo Jerônimo, o banho, principalmente em água quente, era pecado. Santo Benedito, fundador da ordem Beneditina, permitia banhos corporais completos apenas em datas festivas do calendário cristão. A sujeira e o mau odor eram celebrados e tolerados à base de incensos.

Do Oriente Média ao Japão, os padrões de limpeza eram outros. Para os muçulmanos, por exemplo, o banho diário era um ritual endossado pelo profeta Maomé. Os banhos turcos, extensões das tradições greco-romanas, eram comuns, assim como o uso do sabão, que foi provavelmente re-introduzido na Europa como item de higiene pessoal por mouros praticantes do Islão. 

A limpeza é metade da fé

Profeta Maomé

Com o passar do tempo, as águas ganharam status terapêutico no Ocidente e o turismo médico para regiões de águas termais explode. A alegria dos banhos é redescoberta. No entanto, somente com a popularização dos banheiros é que os hábitos de higiene pessoal tiveram ampla e irrestrita adoção.

A união da pia, do vaso sanitário e do chuveiro em um mesmo cômodo é uma revolução arquitetônica do final do século XIX e início do século XX e ocorreu independentemente do aparecimento de água encanada e do esgoto. As peças foram colocadas juntas para simplificar e baratear a construção do encanamento. No início, a inovação era restrita às camadas sociais mais abastadas e somente quando atingiu as massas modificou hábitos e a cultura, incluindo a percepção de status social, as ideias sobre conveniência, a forma de fazer o trabalho doméstico e os padrões de limpeza e higiene pessoal, por exemplo.

No início do século XIX, sanitaristas, acreditando erroneamente que miasmas (cheiro ruim de putrefação) causavam doenças, criaram movimentos para drenar pântanos, implementar a coleta de lixo e instalar sistemas de esgoto. As medidas reduziram os miasmas e mais do que isso, evitavam a disseminação de insetos e roedores, vetores de doenças. Quando aliada à higiene pessoal, a reforma sanitária aumentou significativamente a saúde da população, reduzindo a mortalidade infantil e aumentando a expectativa de vida. O controle da sujeira passou a ser visto como um valor da sociedade e também um direito cívico.

Nos séculos anteriores, tomar banhos uma vez por semana quando muito era mais que suficiente. Transportar, aquecer e descartar a água era trabalhoso. No entanto, a partir do século XIX, tomar banho com mais frequência era sinal de status social. Limpeza virou marca de superioridade. Os banhos se tornaram mais populares com a aceitação religiosa e a recomendação médica. Com o passar do tempo, a classe média também adotou os banhos como rotina e a construção dos banheiros se tornou imprescindível.

Os hábitos de higiene pessoal mudaram significativamente no ocidente a partir de 1910. A ditadura da limpeza foi finalmente instaurada! Hoje sabão e banheiro são os aliados mais eficazes que a humanidade tem para conter a pandemia atual do COVID-19 e o avanço de agentes patogênicos que ainda estão por vir. 

Bibliografia

AIELLO, A. E.; LARSON, E. L.; SEDLAK, R. Hidden heroes of the health revolution. Sanitation and personal hygiene. Am. J. Infect. Control., v. 36, p. S128-S151, 2008. 

CURTIS, V. A. A natural history of hygiene. Can. J. Infect. Dis. Med. Microbiol., v. 18, n. 1, p. 11-14, 2007.

LARSON, E. Hygiene of the skin: when is clean too clean? Emerg. Infect. Dis., v. 7, n. 2, p. 225-230, 2001.

KONKOL, K. L.; RASMUSSEN, S. C. An ancient cleanser: soap production and use in antiquity. In: Chemical Technology in Antiquity. North Dakota: ACS Symposium Series, 2015, cap. 9, p. 245-266.

CENTERS FOR DISEASE CONTROL AND PREVENTION. Guideline for hand hygiene in health-care settings: Recommendations of the healthcare infection control practices advisory committee and the HICPAC/SHEA/APIC/IDSA Hand Hygiene Task Force. MMWR, v. 51, n. RR- 16, 2002. Disponível em: rr5116.pdf. Acesso em: 26 de março de 2020.

Agradecimento à Graciele Almeida de Oliveira do Blogs de Ciência da Unicamp pela revisão do texto e sugestões.

Crédito imagem de capa: Burst por Pexels.


Texto publicado originalmente em 26 de março de 2020