Diário de Israel #6 De pé no chão

Para dar o tom:  “Principia”, de Emicida

Setembro tem profundo significado na tradição judaica, marcando o início de diversas celebrações e festividades. Em 2023, o Rosh Hashaná (Ano Novo Judaico) e o Yom Kippur, celebrados entre 15 e 25 de setembro, trouxeram à tona lembranças do início da minha jornada em Israel, em 2020. 

A exaustão típica do final do ano, combinada com as múltiplas confraternizações, culminou na minha primeira contaminação pela COVID-19. O período de isolamento para recuperação evocou memórias do auge da pandemia, meus primeiros momentos em Israel e o diário que permaneceu intocado por quase três anos.

Dentre os diversos feriados judaicos como Hanukkah, Lag Ba’omer, Tu Bishvat, Shavuot, Sukkot, Purim e Passover, meu favorito é o Yom Kippur. Distinto dos outros, o Yom Kippur, também conhecido como Dia da Expiação, não é uma inovação cultural dos sionistas. Ao contrário, é uma manifestação popular que se faz presente no espaço público, tocando tanto judeus quanto não-judeus.

Esse dia reflete as nuances e complexidades da sociedade israelense, contrapondo-se às visões tanto dos religiosos conservadores quanto dos seculares cosmopolitas, mas unindo a todos.

No Yom Kippur, Israel experimenta uma paralisação completa. Atividades econômicas, de transporte e de lazer são suspensas. Estabelecimentos por todo o país, desde bancos, aeroportos, lojas, bares, restaurantes, parques e museus, permanecem fechados. Até mesmo os serviços básicos, tanto estaduais quanto municipais, incluindo áreas vitais como saúde e segurança, cessam suas operações. A programação de rádio e TV é interrompida e os jornais impressos não circulam. Não há movimentação de transporte público ou automóveis particulares. Durante essa pausa, o país respira melhor, com níveis reduzidos de poluentes na atmosfera.

Na véspera do Yom Kippur, as ruas se enchem de vida. Famílias se reúnem para longas caminhadas ou bate-papos com vizinhos, escolhendo passear pelas faixas de trânsito ao invés das calçadas. É comum ver muitos trajando roupas brancas, simbolizando boas vibrações para o ano novo que se inicia. As crianças, em especial, tomam conta do espaço urbano: andam de bicicleta, patinete, patins e skate, aventurando-se por ruas, avenidas e até rodovias. É impressionante observar os pequenos, muitas vezes sem a supervisão direta de adultos, se divertindo em grupos ou até mesmo sozinhos. Por 25 horas, a cidade pertence a eles.

Para a maioria dos adultos, o Yom Kippur é um momento de jejum, de refletir sobre as transgressões do ano passado e pedir perdão. Também é a época de fazer um balanço moral, conhecido em hebraico como ‘heshbon nefesh‘, em preparação para o ano novo. Enquanto alguns veem o dia como uma pausa introspectiva, outros o acham restritivo e monótono. Além disso, para muitos, o feriado carrega as sombrias memórias da guerra de 1973, quando Israel foi atacado de surpresa por Egito e Síria exatamente no Yom Kippur daquele ano.

Para mim, o Yom Kippur oferece uma oportunidade de enxergar a cidade sob uma perspectiva renovada e de conectar-me profundamente ao lugar onde resido. Nos anos anteriores, ao final da tarde, peguei minha bicicleta e em meio às crianças explorei Rehovot e a vizinha Yavne. Este ano, para minimizar a propagação do vírus, optei por apreciar e absorver o dia através da minha janela.

As últimas postagens do diário datam de novembro de 2020, “O pião entrou na roda” e “Laranja madura na beira da estrada”. O tempo voa. Desde então, a quantidade e a velocidade das experiências e vivências em Israel deixaram os pensamentos embaralhados demais para serem escritos. 

Enfrentei temores inesperados, como o medo de bombas, abelhas e aeroportos, e consegui superar outros, como a hesitação de me mostrar em fotos e vídeos. Assimilei novas formas de organização do trabalho de pesquisa em equipe, dominei técnicas e protocolos. Tive o prazer de guiar jovens rumo à ciência. Percorri Israel de ponta a ponta e tive o privilégio de conhecer notáveis pesquisadores brasileiros, que hoje constituem minha rede de suporte aqui. 

Ainda há muito a se compartilhar!

Leia mais:

Hizky Shoham (2013) Yom Kippur and Jewish public culture in Israel. Journal of Israeli History, 32:2, 175-196, DOI: 10.1080/13531042.2013.822732

Camila Pinto da Cunha, engenheira agrônoma, jornalista científica e pesquisadora de pós-doutorado no Instituto Weizmann de Ciências, escreve sobre vivências pessoais e experiências científicas em Israel.

Crédito imagem: DALL*E
Revisão de texto: ChatGPT

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *