Madelaine Venzon, pesquisadora da Empresa de Pesquisa AgropecuÔria de Minas Gerais (EPAMIG) e coordenadora do Programa Estadual de Pesquisa em Agroecologia, estuda insetos benéficos para eliminar agrotóxicos dos cultivos e reduzir a contaminação ambiental.
“Entusiasmo-me pela pesquisa que busca soluƧƵes para a agricultura baseada na natureza“
Madelaine Venzon
O que a influenciou a seguir carreira cientĆfica?
No final do curso de agronomia na Universidade Federal de Pelotas, Rio Grande do Sul, me interessei pelo estudo dos insetos, principalmente, o controle de pragas por mĆ©todos alternativos, sem uso de agrotóxicos. As notĆcias de contaminação ambiental por agrotóxicos e outros agentes quĆmicos me incomodavam na Ć©poca e continuam me incomodando hoje.
Logo após formada, trabalhei com agrĆ“noma por alguns meses em Caxias do Sul, minha terra natal. O excesso e a exclusividade do controle quĆmico como mĆ©todo de controle de pragas e doenƧas na regiĆ£o chamava a atenção e me preocupava. Um ano após formada, iniciei o mestrado na Universidade Federal de Lavras (UFLA), Minas Gerais, sob supervisĆ£o do Prof. Cesar Freire Carvalho, quem me introduziu ao mundo dos insetos predadores. Desde entĆ£o, meu interesse pelo controle biológico só aumenta.
Qual a motivação que direciona o seu trabalho?
Ser Ćŗtil e realizar pesquisas necessĆ”rias para a sociedade. Sinto uma enorme realização pessoal com o meu trabalho! Minha motivação continua a mesma do inĆcio da carreira: a busca por alternativas ao uso de agrotóxicos. A formação de recursos humanos na minha Ć”rea de estudo e as atividades de popularização da ciĆŖncia me motivam muito tambĆ©m.
Por exemplo, quando em uma atividade de intercĆ¢mbio com agricultores, vocĆŖ vĆŖ que uma simples explicação com demonstração prĆ”tica de como os insetos sĆ£o benĆ©ficos para a agricultura, transforma o olhar dessas pessoas sobre um determinado organismo. Ć motivador! Por isso, falo sempre aos meus colegas: ā Saiam do conforto dos seus laboratórios e das salas de aula de vez em quando e interajam com as pessoas, com os agricultores, os estudantes, etc. Isso dĆ” uma visĆ£o diferenciada Ć pesquisa, especialmente quando queremos realmente ser Ćŗteis!
Quais as contribuições que você fez para a ciência?
Comecei a carreira de pesquisadora na Empresa de Pesquisa AgropecuÔria de Minas Gerais (EPAMIG), na cidade de Uberaba, Minas Gerais, em 1992, logo após finalizar o mestrado. Ali fui pioneira na implantação de um projeto de controle biológico de percevejos da soja.
Depois do doutorado em controle biológico realizado na Universidade de Amsterdã na Holanda, continuei minha pesquisa na EPAMIG de Viçosa, Minas Gerais. O desafio era aplicar os conhecimentos adquiridos na agricultura familiar. Foi nessa época que iniciei meus estudos em controle biológico conservativo, com foco em estratégias para aumentar as populações de inimigos naturais nos cultivos de café e de hortaliças.
Considero importante o trabalho que faƧo que une pesquisa cientĆfica bĆ”sica e aplicada na Ć”rea de manejo agroecológico de pragas em benefĆcio, principalmente, dos pequenos agricultores. Meu trabalho Ć© feito em diferentes escalas ā laboratório, casa de vegetação e campo ā e os resultados sĆ£o publicados em periódicos indexados para a comunidade cientĆfica. No entanto, na minha opiniĆ£o, meu diferencial estĆ” nas aƧƵes de popularização da ciĆŖncia que faƧo. Tenho sempre a preocupação de comunicar meus resultados de pesquisa em linguagem fĆ”cil e acessĆvel em circulares tĆ©cnicos ou informes agropecuĆ”rios publicados pela EPAMIG.Ā
Outra contribuição Ć© a edição do livro 101 Culturas: Manual de Tecnologias AgrĆcolas, editora UFV (ed. 2, 2019), considerado o “Manual do AgrĆ“nomo” por ser uma fonte relevante sobre temas do dia a dia de agrĆ“nomos, como exigĆŖncias climĆ”ticas, Ć©pocas de plantio, cultivares disponĆveis, tratos culturais, colheita e comercialização para 101 culturas de importĆ¢ncia econĆ“mica. O livro reĆŗne 250 especialistas e Ć© fruto das pesquisas realizadas na EPAMIG e tambĆ©m em outras instituiƧƵes de pesquisa e ensino do paĆs.Ā
Quais são os maiores desafios das cientistas no Brasil?
Fazer ciĆŖncia Ć© um desafio no Brasil. O tempo para nos dedicarmos exclusivamente Ć pesquisa Ć© um dos entraves. Grande parte do tempo Ć© gasto em atividades burocrĆ”ticas e na busca por recursos para trabalhar, financeiros e logĆsticos. Sobra pouco tempo efetivo para mergulhar fundo nas pesquisas. A falta de financiamento e de infraestrutura para pesquisa, para citar alguns exemplos, sĆ£o outros gargalos, que representam sĆ©rias dificuldades.
O que mais a entusiasma na atividade de cientista?
Entusiasmo-me pela pesquisa que busca soluções para a agricultura baseada na natureza. à um trabalho sem fim, cheio de descobertas e desafios!
Algum conselho para as jovens aspirantes a cientista?
Usem bem o tempo, especialmente durante a pós-graduação. Leiam muito. HĆ” uma infinidade de fontes a serem exploradas. Visitem o campo e observem a natureza e o comportamento dos organismos. Observem como as plantas reagem ao ataque dos insetos e como os insetos se relacionam. Cumpram sempre seus compromissos de trabalho e, se possĆvel, faƧam um treinamento no exterior, pois a experiĆŖncia de vida pessoal e profissional Ć© imensa.
Sobre a cientista convidada
Madelaine Ć© engenheira agrĆ“noma formada pela Universidade Federal de Pelotas, fez mestrado em Fitossanidade (Entomologia) na Universidade Federal de Lavras (UFLA) e doutorado pela Universidade de AmsterdĆ£, Holanda. ComeƧou a carreira de pesquisadora na Empresa de Pesquisa AgropecuĆ”ria de Minas Gerais (EPAMIG) em 1992. Em 2017 recebeu o prĆŖmio de Destaque MĆ©rito CientĆfico da EPAMIG pelos trabalhos desenvolvidos em prol do controle biológico.
JĆ” escreveu mais de 100 artigos em jornais cientĆficos arbitrados, alĆ©m de 15 livros e 45 capĆtulos de livros de editoras nacionais e internacionais. Orientou mais de 120 alunos, entre iniciação cientĆfica, treinamento tĆ©cnico, trabalho de conclusĆ£o de curso, especialização, pós-graduandos (mestrandos e doutorandos) e pós-doutorandos. Atualmente Ć© professora nos cursos de Pós-Graduação em Entomologia e em Defesa SanitĆ”ria Vegetal, ambos pela Universidade Federal de ViƧosa (UFV), e coordena o Programa Estadual de Pesquisa em Agroecologia.
Inseto praga, inseto solução
Madelaine busca soluƧƵes na natureza para uma agricultura menos dependente de quĆmicos e molĆ©culas sintĆ©ticas e mais saudĆ”vel e segura para os seres humanos e demais organismos do planeta Terra. A tarefa requer o estudo dos ecossistemas e da teia de relaƧƵes entre diferentes organismos que os compƵe. Observar e contemplar a natureza faz parte do seu āfazer ciĆŖnciaā.Ā
Uma das soluƧƵes para evitar ou reduzir o uso de agrotóxicos para controlar pragas e doenƧas que causam prejuĆzos Ć s lavouras estĆ” no controle biológico conservativo, tema de estudo da cientista. O controle biológico conservativo reĆŗne prĆ”ticas de manejo que promovem e protegem populaƧƵes de organismos considerados inimigos dos organismos que se quer combater. Os chamados āinimigos naturaisā podem ser insetos, fungos, bactĆ©rias, etc. que se alimentam do organismo praga, predam seus ovos ou formas jovens, depositam seus ovos nele ou infectam-no com alguma doenƧa. As possibilidades na natureza sĆ£o inĆŗmeras.Ā
Um prĆ”tica do controle biológico conservativo Ć© o plantio na lavoura de plantas nĆ£o-cultivĆ”veis ou nĆ£o-comerciĆ”veis que sejam fonte de alimento ou que sirvam de ninhos artificiais para os inimigos naturais. Para ilustrar, o uso de gergelim ao redor de plantaƧƵes de arroz aumenta o nĆŗmero de inimigos naturais das pragas comuns Ć essa cultura e, na China (entre 900 e 1200 a.C.), ninhos da formiga-verde (Oecophylla smaragdina) eram espalhados deliberadamente pelas lavouras de citros para o controle de insetos, que danificavam folhas.Ā
Usar um organismo contra o outro Ć© ecologicamente correto e mais barato que o uso dos famigerados agrotóxicos. De acordo com um estudo recente, o uso do controle integrado de pragas com o controle biológico conservativo aumenta a produção em 5-40% e reduz o uso de quĆmicos do grupo pesticidas em 30-70%. Apesar de antigas, essas prĆ”ticas sĆ£o ainda pouco estudadas e exploradas comercialmente. O fato Ć© que os benefĆcios econĆ“micos, principalmente, para pequenos agricultores e as vantagens ecológicas e ambientais dessas prĆ”ticas poderĆ£o ser estratĆ©gicas para a produção de alimentos em um futuro incerto de crise climĆ”tica.
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Entrevista publicada originalmente em 29 abril de 2020.