O Vampiro que sabia demais
“Você não sabe de nada, Bruxa” – disse o Vampiro
O jogo “Lobisomem por uma noite: monstros” é uma variação do popular jogo “Lobisomem” (já tratamos desse jogo no post Cerco à última Besta de Gévaudan). Nele temos personagens com poderes específicos e ações que são realizadas na mesma ordem que apresentaremos:
- Caçador (time dos Aldeões): esconde sem olhar, uma das 3 cartas do cemitério
- Bruxa (time dos Aldeões): vê o papel de outro jogador na mesa
- Lobisomem (time dos Lobisomens): vê as cartas no cemitério
- Zumbi (sem time): esconde sua carta original e pega para si uma das cartas do cemitério, se tiver algum poder, pode usá-lo
- Vampiro (time dos Aldeões): troca sua carta por qualquer outra carta da mesa (dos jogadores ou do cemitério), se tiver algum poder, pode usá-lo.
Após as ações, inicia-se um debate para descobrir quem é o Lobisomem, há também personagens de Mortos (time dos Mortos) e Aldeões (time dos Aldeões), ambos sem poderes. A quantidade de cartas de Aldeões e Mortos varia de acordo com o número de jogadores, entre 3 e 7 (sem considerar o Narrador).
A princípio, pode parecer que a Bruxa sabe bastante, pois ela conhece a identidade de um dos jogadores na mesa e é a segunda a jogar (assim, sabe se existe um Caçador no grupo, pois estará faltando uma carta no cemitério). Mas e se eu disser que o Vampiro pode saber muito mais do que a Bruxa?
O problema na vidência da Bruxa decorre no momento em que ela joga.
- se ela viu que alguém é o Zumbi, então até amanhecer este jogador obrigatoriamente terá trocado sua identidade por uma das cartas do cemitério.
- se ela viu que alguém é o Vampiro, então até amanhecer este jogador obrigatoriamente terá trocado sua identidade por uma das cartas na mesa (seja do cemitério ou dos jogadores).
- Se ela viu um Vampiro e ao amanhecer ela está com a carta Vampiro, então sabe seguramente quem é a atual Bruxa.
- se ela viu um personagem diferente, se houver um Vampiro entre os jogadores (ou um Zumbi assumir o corpo de um Vampiro no cemitério), o personagem poderá ter trocado sua identidade.
Para simplificar (talvez simplificar não seja a melhor palavra para isso), organizei a partir do que a Bruxa viu da mão de um jogador, quem ele poderá ser até o amanhecer. É interessante notar que se a Bruxa viu um Caçador ou um Aldeão, ela pode ter a certeza de confiar em ambos após amanhecer, pois eles poderão no máximo terem permutados para Vampiros (também do time dos Aldeões). Por outro lado, se a Bruxa viu um Lobisomem, não é possível ter certeza de que ele continuará sendo um Lobisomem ao amanhecer (pode ser que seja um Vampiro). E a pior das situações envolve ela ver um Zumbi ou um Vampiro, pois nesse caso, terá a certeza de que até amanhecer eles já não serão quem ela viu (salvo a exceção dela ver um Vampiro e ela mesma amanhecer como Vampiro, neste caso, saberá que o antigo Vampiro agora é a atual Bruxa, que é do time dos Aldeões, logo, pode confiar).
Enquanto a Bruxa apenas vê o que o outro jogador tem nas mãos, o Vampiro troca sua carta por uma carta da mesa (pode ser do cemitério ou a carta de outro jogador). Assim, se o Vampiro trocou a carta com algum dos jogadores da mesa, saberá exatamente o que o jogador tinha e o que ele tem agora (que será a carta do Vampiro).
Na hipótese de ter trocado a carta com alguém que tinha a Bruxa, o antigo Vampiro poderá usar seu poder para ver a identidade de um outro jogador (pois a antiga Bruxa ele já sabe que será o atual Vampiro). Para simplificar como essa informação se modifica, organizo no esquema abaixo o que sucede os eventos da ação do Vampiro.
Para determinarmos o quanto de certeza a Bruxa tem, precisaremos definir algumas condições de jogo. Digamos que somos em 7 jogadores sem considerar o Narrador, nesse caso temos 1 Caçador, 1 Bruxa, 2 Lobisomens, 1 Zumbi, 1 Vampiro, 2 Mortos e 2 Aldeões. Dessas 10 cartas, 7 são distribuídas aos jogadores e 3 ficam no meio da mesa (cemitério).
A Bruxa então acorda, vê que as 3 cartas estão no cemitério e vê um Lobisomem na mão de um dos jogadores, então volta a dormir. Na manhã seguinte as 3 cartas continuam no cemitério e ela continua sendo a Bruxa. Então ela pensa: qual a probabilidade do jogador que ela viu, continuar sendo o Lobisomem?
O fato das 3 cartas continuarem no cemitério, indica que tanto o caçador quanto o Zumbi estão no cemitério.
A probabilidade de haver inicialmente um Vampiro entre os jogadores é de 5/6, pois temos 5 jogadores com papéis desconhecidos e 1 carta desconhecida no cemitério.
Suponha que a decisão do Vampiro foi aleatória, ou seja, trocou sua carta pela carta de qualquer jogador ou do cemitério, mas como ainda há 3 cartas no cemitério, então ele não pode ter assumido o papel de Caçador ou Zumbi, e também não assumiu o papel de Bruxa. Então a chance dele ter trocado sua carta com a carta de algum dos outros 5 jogadores é de 5/6.
Desse modo temos:
- Chance do Vampiro estar inicialmente no cemitério: 1/6
- Chance do Vampiro ter trocado de lugar com uma carta no cemitério: (5/6)*(1/6) = 5/36
- Chance do Vampiro ter trocado de lugar com um jogador diferente do que a Bruxa viu: (5/6)*(4/6) = 20/36
- Chance do Vampiro ter trocado de lugar com o jogador que a Bruxa viu: (5/6)*(1/6) = 5/36
Ou seja, ao amanhecer a Bruxa tem 86% (1 – 5/36) de certeza de que o jogador que ela viu com o papel de Lobisomem, continua sendo o Lobisomem.
Assim, enquanto a Bruxa pode achar que sabe a identidade de alguém no jogo, há uma margem de incerteza que pode colocá-la em problemas durante o debate. Algo que certamente não acontece com a informação que o Vampiro carrega, pois a identidade do jogador com o qual ele trocou se manterá ao amanhecer (ou seja, será sem sombra de dúvidas o novo Vampiro).
Como referenciar este conteúdo em formato ABNT (baseado na norma NBR 6023/2018):
SILVA, Marcos Henrique de Paula Dias da. O Vampiro que sabia demais. In: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS. Zero – Blog de Ciência da Unicamp. Volume 7. Ed. 1. 1º semestre de 2022. Campinas, 27 jun. 2022. Disponível em: https://www.blogs.unicamp.br/zero/4307/. Acesso em: <data-de-hoje>.