Empate por repetição de forma compulsória
No xadrez convencional existe uma regra que determina o empate quando ambos os jogadores repetem suas mesmas ações uma certa quantidade de vezes. Pois entende-se que a situação entrou em uma espécie de looping, e não haverá avanços dali.
Estes empates geralmente ocorrem em dois contextos diferentes:
- Ambos os jogadores escolhem não alterar suas jogadas.
- Um dos jogadores obriga o outro a repetir suas jogadas.
A primeira situação é comum quando mudar a jogada colocará o jogador em uma cenário de desvantagem. Já a segunda situação costuma envolver um dos jogadores ao perceber que suas chances de vitória são baixas, é interessante forçar um empate, obrigando o adversário a repetir suas jogadas.
Mas eu me perguntava, seria possível um contexto no qual ambos os jogadores não conseguem escapar do looping? Ou seja, não há alternativas para nenhum dos lados, mesmo que isso viesse a colocá-los em desvantagem, de interromper aquele looping.
Por bastante tempo fiquei analisando como este cenário poderia acontecer pensando em situações de xeque, no qual ao desviar o rei da ameaça, tal movimento coloque o outro rei sob ameaça. Pelo menos essa era minha ideia, pois não imaginava outro cenário em que uma ação pudesse ser forçada sem envolver um xeque.
Depois de testar vários cenários e nenhum deles parecia funcionar, a vontade que tinha era afirmar que tal situação é impossível. Mas esse é basicamente um problema matemático, e dizer que não existe solução é complicado. Pois não basta apenas testarmos com uma quantidade de casos, precisamos realmente garantir para nenhum caso. Eu fiz algo parecido no post que explica ser impossível existir um xeque triplo no xadrez. Nesse post mostrei que devido a forma como as peças se movem, era impossível em uma jogada abrirmos mais do que dois focos de ameaça ao rei (post Xeque Impossível!).
Agora para a repetição compulsória, isto é, uma situação em que ambos os jogadores não conseguem escapar de repetirem suas ações, eu realmente não estava conseguindo pensar em uma forma de garantir que isto não é possível. Pelo menos não havia pensado em nada até ontem, quando joguei uma partida bastante peculiar.
Nela acabei fazendo uma barreira de peões, que dificultava qualquer avanço de ambas as partes sem perdermos peças para isso. Foi um jogo peculiar pois apesar de eu estar em desvantagem por pontos, entramos em um cenário de resistência e preservação. Ninguém estava disposto a se sacrificar para quebrar a barreira, e as possibilidades de quebrá-la sem perdas eram bloqeuadas por ambos os lados.
Quando esta partida terminou, eu percebi porque eu não conseguia provar que uma situação de repetição compulsória é impossível!
Eu não consegui provar que é impossível, porque na verdade é possível!
Basta pensarmos que em ambos os lados as peças encontram-se impedidas de avançar devido a barreiras de peões. Mas há um cuidado a mais, que envolve a impossibilidade inclusive de sacrificar uma destas peças para forçar que um dos peões adversário se mova. Um cenário bem simples de ilustrar este impedimento completo, é o que apresento a seguir:
Ambos os jogadores não podem mover seus reis em nenhuma linha exceto a linha 1 e 8, também nenhum dos peões pode se mover. Como cada jogador tem seus 8 peões iniciais esta também não é um caso de “material insuficiente” (quando não há possibilidade de realizar um xeque-mate com as peças disponíveis).
Porém, não há como chegarmos em qualquer avanço nesta partida. Isto é, os reis ficarão se movendo pelas suas 8 casas continuamente, sem que isto afete o estado de nenhum dos 16 peões. Desse modo, em algum momento, as jogadas dos dois adversários se repetirá e isto os colocará num empate por repetição, no qual nenhuma das partes pode impedir 🙂
Créditos da imagem de capa à http://megapixel.click – betexion – photos for free por Pixabay
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Como referenciar este conteúdo em formato ABNT (baseado na norma NBR 6023/2018):
SILVA, Marcos Henrique de Paula Dias da. Empate por repetição de forma compulsória. In: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS. Zero – Blog de Ciência da Unicamp. Volume 8. Ed. 1. 2º semestre de 2022. Campinas, 22 nov. 2022. Disponível em: https://www.blogs.unicamp.br/zero/4793. Acesso em: <data-de-hoje>.
Olá, muito interessante a sua curiosidade sobre essa situação! Fiquei pensando e acho que encontrei uma outra opção para "repetições compulsórias de ambos os lados". Veja no link abaixo.
Tá certo que dificilmente alguém chegaria a uma posição dessas numa partida real...
https://drive.google.com/file/d/1hzrsPrkVmam83Cvndc4i8Fmq6bB4pD63/view?usp=sharing
Sou Prof. na FEM. Vocês jogam na Unicamp?
Até mais,
Ely
Boa tarde Ely, tudo bem?
Vi a sua proposta de repetição compulsória, e acredito que ela não seja compulsória para as Brancas. Isto é, as Brancas podem decidir se querem ou não um empate, veja bem:
1. bispo branco f8 move para e7, xeque!
2. rei preto move para e8.
3. bispo branco e7 move para d8
4. rei preto come bispo em d8
5. rei branco move para f8
6. bispo preto d7 move para e8
7. bispo branco h6 move para g7
8. bispo preto c8 move para d7 (liberando as casas b8 e a8 pro rei preto se mover)
Assim a sua situação embora pareça complexa a escapatória, ela tem jeito caso as Brancas decidam perder seu bispo (o q tem uma série de outros fatores envolvidos, como por exempplo os peões brancos estão mais avançados que os pretos).
A ideia de uma repetição compulsória estaria vinculada a não existência de escolhas para nenhum dos lados escapar do empate. No caso do paredão de peões vemos isso, ambos os reis não podem fazer nada para avançar, nenhum dos peões pode avançar ou nenhuma peça pode ser dada para ataque e destravar a situação... naquelas casas que restam, os reis ficarão se movendo até que uma hora suas movimentações se repitam e seja decretado empate.
Realmente eu não sei se há grupos de xadrez na Unicamp, acredito que sim mas não conheço-os, jogo sempre online no chess.com (se quiser me add, meu nickname é E-manuelly)
Atualmente estou quase desligada da Unicamp, mas o blog seguirá comigo :3
De todo modo, agradeço seu comentário, ele enriquece a postagem.
Att. Emanuelly
Olá Emanuelly,
Você tem razão. Depois que eu mandei o comentário, eu vi que tinha essa opção de "sacrificar o bispo", então deixou de ser compulsório... Mas na sua solução, se eu entendi direito, também não me pareceu exatamente compulsório, pois os reis podem ficar andando para um lado ou outro naquela linha, por exemplo podem escolher ir pra direita ou pra esquerda, e assim não existe apenas um movimento a escolher. Um amigo meu, enxadrista ranqueado, ficou de me passar um livro sobre isso (Empates). Quando tiver notícias te aviso. Vou te marcar no chess.com, também tenho uma conta. Até mais, Ely
Boa tarde Ely,
no caso que eu apresentei é compulsório sim, vamos pensar na pior das hipóteses que o rei se movimenta igual a uma torre, isto é, escolhe qualquer casa para ocupar e para piorar, q ele pode escolher permanecer na mesma casa. Este um cenário que aumentará muito as opções de movimento dos reis, mas se eu mostrar que há uma quantidade finita de opções, logo quando o jogo se estender por um número suficientemente alto de jogadas, ele entrará em repetição. Como o cenário real tem menos jogadas possíveis, então se o cenário com mais opções entrar em repetição, o cenário mais simples tbm entrará.
Pra um rei ficar na coluna 1, o outro rei tem 8 opções, pra um rei ficar na coluna 2, o outro rei tem tbm outras 8 opções... Ou seja, temos um total de 8⁸ jogadas diferentes, isto é 16.777.216 jogadas. Logo, na pior das hipóteses, a jogada número 16.777.217 necessariamente terá que ser repetida. No cenário real serão bem menos jogadas. Entendeu o raciocínio?
Também estou curiosa para este livro de empates, se tiver em pdf e puder me mandar, meu e-mail é anotheremanuellyemail@gmail.com
Abraços :3
Att. Emanuelly
Cara, achei muito interessante esse artigo! A proposta elaborada pela Emanuelly ficou bem maneira, bastante intrigante!
Também gostei demais da posição elaborada por Ely, embora não tenha, afinal, a mesma compulsoriedade. Por sinal, coloquei a posição no programa ChessX e ativei a análise com o Stockfish 16. Depois de seguir os movimentos iniciais sugeridos pela Emanuelly, fui acrescentando os lances gerados pelo programa (para ambos os lados), que, depois de algum tempo, encontrou mate em 15 para as brancas! Não aprofundei muito a análise, mas possivelmente é uma posição que pode levar as brancas à vitória...
Além de ter gostado muito de ambas as propostas, também gostei muito do debate de vocês, incluindo a explicação final da Emanuelly. Pelo que ela colocou, a posição provavelmente resultaria na regra dos 50 movimentos, afinal, acho que ninguém aguentaria jogar 16 mega posições!
Parabéns a ambos!
E, claro, vou divulgar esse artigo em meu canal de Telegram, Xadrez para Mortais. Também estou no chess.com.
Valeu!
Eu tava dando uma olhada na posição original, acho que repete mesmo, antes dos 50 movimentos... Mas não aprofundei muito.
Valeu!
Não se repete antes de 50 movimentos não. Para facilitar, suponha que o rei preto queira empatar por repetição e o rei branco não.
O rei branco se move:
direita 7, esquerda 6,
direita 6, esquerda 5,
direita 5, esquerda 4,
direita 4, esquerda 3,
direita 3, esquerda 2,
direita 2, esquerda 1,
direita 1, esquerda 6,
direita 2, esquerda 5,
... e dai as combinações seguem, isso se supormos que o rei preto esteja imitando branco para forçar a repetição
Oi Binho, então vamos lá, eu sou a autora do post (o nome que aparece no final da postagem é o nome que uso em publicações acadêmicas). A primeira posição que apresentei, realmente era avançável sem empate 🙂
A respeito da regra dos 50 movimentos, acho que ela não se aplicaria, pois em nenhum dos lados temos apenas um Rei.
A questão em uma partida com tempo, seria ver quem não esgota seu tempo primeiro, pois realmente, o máximo de movimentos possíveis não seria alcançável em um tempo comum de jogo.
Pode divulgar sim, fique a vontade, e a propósito, meu user no chess.com é E-manuelly