Você enganaria seu Personal Trainer? // parte 2

Em setembro do ano passado eu estava refletindo sobre como seria meu trabalho no IFRJ, entre outras questões, a maneira como avaliaria meus estudantes. O fruto destes pensamentos me levou à decisão de não utilizar provas em sala de aula por motivos dos quais explicitei no texto anterior “Você enganaria seu Personal Trainer?”.

Agora abro este post para tratar um pouco de como foi essa experiência 🙂

Comecei criando um site para a disciplina (um site mesmo, não um moodle ou um classroom), onde apresentaria informações e tudo mais que meus alunos precisariam para acompanhar o curso, como data de entrega das atividades, resumo das aulas, pds, links… Também decidi avaliá-los mediante a entrega de listas de exercícios semanais, cada uma com cerca de 20 perguntas bastante simples e seus gabaritos/resoluções no final do documento, estas questões refletiriam os principais tópicos que eu esperava discutir na aula daquela semana e valeria 2/3 da nota. A ideia era, quem assistir a aula com atenção, fará a lista com bastante facilidade.

Para a disciplina de Estatística pro Ensino Médio que ministrei, além das listas, escolhi uma série de textos deste blog relacionados à probabilidade, estatística ou metodologia de pesquisa, e deixei listados como leituras semanais, para que eles escolhessem um e escrevessem uma resenha de até uma página sobre o texto lido, valendo 1/3 da nota. Depois eu lia estas resenhas depois para entender como algumas discussões deste blog eram compreendidas pelos meus estudantes.

Já para as disciplinas de matemática pro Ensino Médio e de Pré-Cálculo que assumi, além das listas, criei um conjunto de demonstrações por justaposição utilizando aquela dinâmica de arrastar e soltar bloquinhos (disponíveis agora na plataforma LiveWorkSheets: liveworksheets.com/user/integravel)

As demonstrações sempre tinham alguma relação (as vezes baixa) com o conteúdo tratado naquela semana.

Assim, estas três formas de avaliação (listas, resenhas e demonstrações) eram classificadas como entregues ou não entregues, independente do acerto, pois a intenção era que eles tentassem resolver com suas próprias habilidades, sem o receio de cometerem erros no processo. Desestimulando que copiassem as respostas, ou compartilhassem a combinação correta das peças para que seus colegas pudessem também obter um desempenho excelente. Somado a isso, as listas estavam juntas dos seus gabaritos e as demonstrações poderiam ser testadas antes do envio até que se descobrisse a combinação correta. A intenção com isto era estimular hábitos e atitudes que eu considero positivas para o estudo, e dispor de oportunidades para que todos pudessem aprender os conteúdos das aulas.

Minha ideia era simples, vencê-los pelo cansaço! Sabia que os alunos muito dedicados fariam tudo o que fosse passado, para alcançar a nota máxima, enquanto os pouco dedicados se contentariam em entregar o mínimo para passar.

Mas ok… isso era o planejado, e como foi?

Então… a reação inicial dos meus alunos parecia a mesma, todos demonstravam um certo espanto misturado com alegria, relacionado a não passarem por outra bateria de provas em sala de aula. Eu tentei em todas as turmas, explicar as razões pelas quais aderia a esta forma de avaliação e justificar que os principais interessados na dedicação em estudar, eram eles mesmos.

Talvez o ponto mais interessante desta experiência é como que estes conteúdos vinham a somar nas aulas. Desde perguntas sobre posts de blogs, pedindo por exemplo para explicar melhor a matemática por trás de alguns resultados, ou questões referentes a como demonstrar ou a lógica envolvida em alguma demonstração, e principalmente, a discussão sobre a resolução das listas.

Dou destaque para as listas, pois elas vinham a tona nas aulas, pois os estudantes que realmente tentavam resolvê-las de forma honesta, traziam questões e dúvidas, perguntas e questionamentos sobre resultados diferentes do gabarito. As vezes por erro de digitação ou de cálculo da minha parte, mas era algo que acontecia na semana seguinte, sempre muito recente no contexto. A lista era entregue com a intenção de fecharmos os tópicos da última aula e darmos início a novos tópicos, mas nesta ocasião também tínhamos questionamentos e pedidos de revisão frutos deste trabalho contínuo.

Após encerrar o semestre eu tinha claro quem eram os alunos muito dedicados e os pouco dedicados. A entrega das listas nos períodos estipulados era um indicativo claro disso, outro aspecto também era o volume da lista e as rasuras da lista. Os alunos pouco dedicados que simplesmente copiavam o gabarito (às vezes na própria sala enquanto eu dava a aula), entregavam listas com as respostas escritas diretamente na folha à caneta, e com todas marcadas como corretas (a autocorreção era tarefa do estudante). Já os estudantes muito dedicados, ou entregavam listas enormes cheias de cálculos, rasuras, e correções, ou entregavam versões passadas à limpo, com capa e palavras escritas usando várias cores de canetas ou lápis de cor.

Este semestre que assumi, foi bastante singular, pois tive de 4 a 5 semanas de trabalho com meus alunos, e após a 2a ou 3a semana, um recesso de 15 dias devido ao Natal e Ano Novo, de modo que ao final do semestre quando precisei fechar as notas decidi considerar aqueles com notas inferiorres à média e que persistiram em acompanhar as aulas, como aprovados com a nota mínima para seguirem seus cursos. Essa não foi uma decisão simples, nem sem dúvidas, mas depois de considerar e reconsiderar várias vezes meus estudantes, e que eles ficaram cerca de 45 dias sem aulas de Matemática e Estatística, e que estas aulas não foram repostas, concluí que houve uma parcela de culpa da instituição e neste caso os estudantes não deveriam ser a parte prejudicada nesta decisão. Ainda mais, que nenhum estudante era formando daquele ano, ou seja, permaneceriam no Instituto por mais semestres, e mesmo que fossem aprovados agora, sem a dedicação e o empenho adequados, viriam a sofrer consequências negativas nas demais disciplinas dos próximos semestres.

Contudo, uma coisa foi curiosa nesta experiência, um aluno em particular pediu para ser avaliado com uma prova escrita. Ele não entregou nenhuma das atividades durante o semestre embora estivesse presente nas aulas, logo entendi que era justo respeitar a escolha do estudante em ser avaliado pelo procedimento mais usual, e desenvolvi uma prova com 40 questões, todas elas tiradas das listas de exercícios, e valendo cada uma 0.5. A ideia era não ter tempo hábil em 1h30 de prova para resolver as 40 questões, mas isto fazia parte da proposta, já que a pontuação máxima obtida na prova era 20, e bastava tirar 6 para ser aprovado. Assim, seria possível que o estudante focasse entre as 40, as que ele mais tinha certeza de como resolver, e não viesse a ser prejudicado por alguma questão aleatória que não lembra/entende como resolver. Ao final, o estudante conseguiu responder corretamente mais do que 20 questões, sendo avaliado com a nota 10 no sistema referente à recuperação realizada.

Esse final me fez perceber que alguns estudantes realmente preferem ser avaliados com provas. Talvez por se destacarem naquele conteúdo, confiam nas suas habilidades e acham mais conveniente mostrá-las em um intervalo curto de tempo e sob condições restritas, do que realizar atividades regulares em períodos semanais durante o semestre.

Mas nossa história não termina aqui!

Temos no planejamento e na experiência do semestre seguinte, outras novidades te esperando na sequência deste post!


Como referenciar este conteúdo em formato ABNT (baseado na norma NBR 6023/2018):

SILVA, Marcos Henrique de Paula Dias da. Você enganaria seu Personal Trainer? // parte 2. In: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS. Zero – Blog de Ciência da UnicampVolume 9. Ed. 1. 1º semestre de 2023. Campinas, 24 maio 2023. Disponível em: https://www.blogs.unicamp.br/zero/4901. Acesso em: <data-de-hoje>.

4 thoughts on “Você enganaria seu Personal Trainer? // parte 2

    • 27 de maio de 2023 em 17:24
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      Boa tarde "Leitor de Mangá" 🙂
      Não sei se essa indireta foi pra mim, mas vamos lá... acho que a leitura de mangá é um hábito bem saudável, e que pode se aliar bem ao estudo. Do tipo, exige um esforço maior para ler mangá do que simplesmente assistir um anime, o mangá não se avança sozinho qdo vc esta com sono, então é um bom controlador de tempo. Outra coisa é que pelo menos pra mim, o estudo rende mais quando intercalo as atividades prazerosas com aquelas que demandam concentração... tipo, estudo 40 minutos, leio um capítulo... estudo mais 40 minutos, leio outro capítulo... e sigo assim, tanto que muitos posts deste blog e do M³ são baseados em animes e mangás, pq eles trazem uma fonte boa de inspiração tbm. Então de forma geral, acho q ler mangá é uma boa prática paralela ao estudo, desde q................................... realizada com moderação 🙂

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  • 28 de maio de 2023 em 19:33
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    Em relação aos alunos pouco dedicados, como você os enxerga? Acredita que há alguma forma de aumentar o percentual de alunos dedicados?

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    • 28 de maio de 2023 em 23:06
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      Boa noite Guilherme, acho que os alunos pouco dedicados não enxergam o papel do estudo como algo que venha a somar em suas vidas, e sim como um obstáculo que os impedem de fazerem outras atividades mais prazerosas.
      Sobre como aumentar o percentual, acredito que seja possível, mas como fazer isso é a questão... nesse semestre atual (q vou contar na sequencia desse post) tentei aumentar o número de atividades semanais valendo nota, e deixar algumas de suas entregas, de forma publica mas preservando o anonimato. Pensei que exigindo mais coisas, mesmo que o minimo fosse feito, isso ja seria mais do que eles faziam antes. E tbm q o fato de seus colegas poderem ver seu trabalho, colocasse uma cobrança maior em enviar algo de qualidade... enfim, são spoiler do proximo post dessa sequencia UwU

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