A ciência pelos olhos da Profa. Dra. Maria Alice Garcia

Publicado por Marina Barreto Felisbino em

Hoje temos a alegria de apresentar as escolhas e visões da Profa. Maria Alice Garcia, cuja carreira se confunde com a entrada e difusão da área de Agroecologia no Instituto de Biologia da Unicamp.

Ela fez parte da primeira turma de Ciências Biológicas da Unicamp, formando-se em 1974. Doutora em Ecologia pela Unicamp em 1988 e Livre docente em 1999. Foi professora convidada da Universidade da California, Berkeley, 1990/91 e 2000/2001 e da Universidad de la Republica – Uruguai – 1998.

Maria Alice em...

Maria Alice em 1995

Maria Alice foi formadora de inúmeros estudantes em Iniciação Científica, Mestrado e Doutorado. Coordenou disciplinas de Ecologia Básica, Introdução à Ecologia, Agroecologia, Ecologia de Plantas Invasoras. Foi organizadora de diversos simpósios e workshops, incluindo o primeiro workshop sobre Agroecologia e Desenvolvimento Rural Sustentável no Brasil.

Coordenou ainda o Acordo Capes/Fipse em Agroecologia para intercambio de estudantes Unicamp/ UNFSanta Catarina/UCBerkeley/ UNebraska – 2000-2005. Essa experiência permitiu transcender vários limites do ensino disciplinar, fomentando a convivência e a troca de experiência de docentes e estudantes de culturas e realidades diferentes, mas interessados em aprender e utilizar os conhecimentos de ecologia para analisar criticamente as implicações e repensar o modelo agropecuário atual.

Aposentada pela Unicamp em 2005, atualmente reside e atua em artes plásticas, como escultora e pintora na California.

Abaixo reproduzo, na íntegra, as respostas a perguntas sobre escolhas, inspirações, dificuldades e o sentido da ciência.

1. Cientista – era isso que você queria ser quando crescesse?

“Eu nasci em Penápolis, uma cidade a noroeste do Estado de São Paulo. Até a minha adolescência, o lazer preferido da minha família era a pescaria nos inúmeros rios dos arredores, inclusive o Rio Tietê.

Na região os rios eram limpíssimos, piscosos e parte de uma paisagem maravilhosa. O Tietê, em especial, com saltos e lindas cachoeiras, sobre um leito de pedras, ao redor de matas de galeria. Hoje uma represa engoliu essa paisagem. Os campos cerrados, hoje substituídos por extensos canaviais, eram locais de nossas expedições para apreciarmos os cantos das aves e nos deslumbrarmos com os eventuais encontros com tatus, cobras, veados e tamanduás além de coletarmos guabirobas, mangabas, e outras frutas silvestres que nos deliciavam. Assim, a escolha da biologia, como área de estudo, surgiu com naturalidade.”

2. Algum cientista ou descoberta científica a inspirou na escolha dessa carreira?

“A biologia engloba uma ampla diversidade de áreas de pesquisa, mas creio que o meu interesse por ecologia de plantas e animais já se delineava durante o secundário.

O papel de minhas professoras de biologia foi bastante importante. Tanto em Penápolis, como em São Paulo, para onde nos mudamos quando eu cursava o segundo ano colegial. Em especial a professara de biologia em São Paulo me introduziu ao gosto pela experimentação e me incentivou a participar da primeira Feira Nacional de Ciências, no Rio de janeiro.

Acredito que, para a maioria dos pesquisadores, a qualidade dos seus professores nessa fase é essencial. Essas professoras são bons exemplos da alta qualidade dos docentes de escolas publicas na época. Talvez a minha geração represente a última que conseguiu usufruir da boa qualidade do ensino público em níveis básico e secundário.

Fico bastante triste em assistir o sucateamento das escolas públicas em nosso pais, um processo que se iniciou com o regime militar e continua a se expandir, ameaçando também as universidades públicas, como a Unicamp. Mais do que nunca, é importante continuar a luta pelo ensino público de qualidade em todos os níveis.

A escolha da área mais especifica, de Controle Biológico e Ecologia de Insetos e Plantas Invasoras ocorreu quando já na Universidade, quando meu interesse em ciência se voltou para busca de conhecimentos que pudessem orientar formas de manejo de pragas ecologicamente sustentável e menos dependente de agrotóxicos. Foi importantes nessa escolha o estágio em ecologia aplicada, sob orientação Prof. Mohamed Habib que, futuramente foi meu orientador de tese.”

3. Você já enfrentou alguma dificuldade enquanto cientista por ser mulher?

“O preconceito contra a mulher não é diferente de outros preconceitos, quanto às suas bases, que são a ignorância e o oportunismo. Há exemplos da manifestação desse tipo de preconceito em diferentes setores da sociedade, mas a academia tende a congregar pessoas melhor informadas e menos preconceituosas. Pessoalmente, nunca senti este preconceito. Tive a felicidade de trabalhar ao lado de muitos colegas homens e mulheres maravilhosos e tenho apenas boas lembranças do quanto conseguimos produzir juntos em ensino e pesquisa tanto no Brasil como no exterior.”

4. Descreva, em poucas palavras, a ciência pelas olhos da Profa. Maria Alice

“De acordo com o filósofo Alain Badiou a Ciência, juntamente com as Artes, Política e o Amor são as atividades que caracterizam as nossas necessidades como seres humanos; com o que eu estou plenamente de acordo. Considero que as demais necessidades, tais como de alimento para crescimento físico e manutenção e de abrigo das intempéries, são necessidades da nossa animalidade.

Evidenciamos que ao longo da nossa historia, o exercício das Atividades Humanas, especialmente as ciências, além de nos enriquecer com os conhecimentos, tem o potencial de reduzir ao mínimo necessário o nosso tempo de vida dedicado a nossa animalidade. No entanto, apesar de todo conhecimento e riquezas acumulados através do trabalho de inúmeras gerações e diferentes civilizações, paradoxalmente, grande parte da população humana hoje se consome em atividades cujo fim é suprir a sua necessidade animal de alimentar-se e abrigar-se, permanecendo escravos da sua animalidade. É importante nos perguntarmos o porquê.

Ao mesmo tempo, parte da aplicação do conhecimento cientifico e tecnológico tem se desviado da finalidade de desenvolvimento e enriquecimento da nossa humanidade. Na área biológica, temos como exemplos a produção de armas biológicas e a poluição genética causada por organismos geneticamente modificados, especialmente problemática nos centros de origem de muitas espécies cultivadas, das quais dependemos.

Não podemos negar grandes avanços da ciência que trouxeram benefícios especialmente na área de saúde, mas são muitas as evidencias dos impactos negativos do uso da ciência no modelo atual da nossa sociedade orientada para a dominação dos recursos, o mercado e consumo; tanto sobre a natureza como sobre os seres humanos.

Devemos nos perguntar: Por que tanto desperdício de vidas e potenciais humanos? Quanto mais ciência, arte e participação política responsável se poderia produzir com a participação de todos? Quão mais amorosa e construtiva, ao invés de bélica e destrutiva, seria uma sociedade mais humanista?

Devemos nos lembrar que um Darwin, um Einstein ou uma Marie Curie não surgem num vácuo, mas sim num contexto de conhecimentos da sociedade de uma época. Quão mais rica seria a nossa civilização com toda nossa energia e capacidades intelectuais voltadas para uma sociedade de paz e desenvolvimento humano?

Acredito que a chave para mudança é um sistema de educação pública e de qualidade, como o da Finlândia, modelo de melhor sistema educativo do mundo, onde a cooperação e responsabilidades coletivas são enfatizadas. Penso que, ao invés de guerra nas estrelas, devemos idealizar e trabalhar para uma sociedade futura com mais amor e onde a dedicação à ciência, às artes, e à atividade política possam representar a maior parte do tempo de vida de cada ser humano. Sim, esta sociedade é possível, se nela acreditarmos.”

Agradeço à Profa. Maria Alice pela generosidade em conceder essa entrevista e, especialmente, pelas belas reflexões finais.


Marina Barreto Felisbino

Bióloga formada pela Unicamp em 2010 e doutora na área de Biologia Celular e Estrutural em 2016. Atualmente trabalho na Universidade do Colorado em Denver-USA, onde desenvolvo pesquisa de pós-doutorado. Apaixonada pela ciência, assim como pelo alcance das mulheres à equidade. Com o desejo que todos vejam a ciência pelos olhos delas.

3 comentários

André Garcia · 4 de agosto de 2016 às 09:34

Excelente entrevista Marina! Muito feliz de ver uma pesquisadora que ajudou a construir o Instituto de Biologia da Unicamp aqui no Blog! Parabéns!

    Marina Barreto Felisbino · 4 de agosto de 2016 às 10:20

    Muito obrigada! Eu que me sinto feliz e honrada pela oportunidade de conhece-la e poder celebrar sua carreira e exemplo através do blog. Obrigada mais uma vez pela dica e pelo contato!!

Giovanna Garcia Fagundes · 20 de setembro de 2017 às 14:55

Que alegria rever minha querida amiga e mestra que deixou tantas sementes na Agroecologia. Parabéns pela entrevista!

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