Celebrando Marie Tharp – A mulher que mapeou o fundo do oceano
Não é raro encontrarmos elementos comuns na vida de mulheres cientistas ao longo da história, sendo os principais deles o esquecimento e desvalorização do trabalho arduamente realizado por elas. Foi em meio a esse panorama que a história de Marie Tharp chegou aos meus ouvidos. Quem me falou sobre ela não lembrava seu nome, mas sim que ela era secretária de um pesquisador na década de 50 e chegou a uma grande descoberta científica na área de geologia por distribuir, ao longo de um mapa-múndi, dados obtidos pelo grupo de pesquisa dele.
Fiquei intrigada em descobrir quem seria esta pessoa e parti, sem maiores informações, em uma busca genérica no Google. Descobri um mundo sobre esta grande mulher que vai muito além da simples descrição dada acima, e venho, então, compartilhar meus achados com vocês aqui no blog!
Marie Tharp nasceu em 30 de julho de 1920, na cidade de Ypsilanti, em Michigan – EUA. Devido à profissão de seu pai, agrimensor para o Departamento de Agricultura dos Estados Unidos, a família viajava muito e Marie frequentou diversas escolas ao longo da infância e adolescência. Já nessa época, ela demonstrava interesse por cartografia, mas também gostava muito de leitura e literatura, tendo posteriormente cursado Língua Inglesa e Música na Universidade de Ohio, onde se formou em 1943.
Com o advento da Segunda Guerra Mundial e a ida para o combate dos homens que representavam (entre muitos outros) a mão de obra especializada, os EUA começaram a desenvolver programas de incentivo às mulheres para frequentarem cursos então considerados “masculinos”, como ciência e tecnologia. Marie obteve o Mestrado em Geologia do Petróleo na Universidade de Michigan e trabalhou por um curto período de tempo na petrolífera Stanolind, em Tulsa, Oklahoma. No entanto, achou o trabalho muito entediante e retomou os estudos, obtendo sua segunda graduação, mas dessa vez em Matemática, na Universidade de Tulsa.
Ainda em busca por um trabalho que a estimulasse, Marie mudou-se para Manhattan em 1948. Foi então contratada como assistente no Lamont Geologial Laboratory – hoje Lamont-Doherty Earth Observatory – na Universidade de Columbia, por Maurice “Doc” Ewing. Marie era encarregada de fazer redações e cálculos para os alunos do laboratório, todos homens.
Entre os alunos estava Bruce Heezen, cuja especialidade era trabalhar com dados sísmicos e topográficos do fundo do mar. Com os investimentos maciços durante a Guerra Fria para estudos que explorassem o fundo do oceano (um local para se instaurar, talvez, batalhas entre submarinos) Bruce e Tharp estabeleceram uma parceria que se estenderia para o resto de suas vidas.
O trabalho a ser realizado pela dupla consistia em uma tentativa de mapeamento do fundo oceânico. Por ser mulher, não era permitido que Marie fosse a campo fazer coleta de dados. Assim, Heezen partia por expedições em navios e mandava as informações de sondagens obtidas para Tharp, que as reunia, organizava e interpretava. Plotando os dados sobre o mapa, Marie surpreendeu-se ao perceber, ao longo de todo o Atlântico Norte, a ocorrência de cadeias de montanhas submarinas cortadas longitudinalmente por um sulco, semelhante ao Vale do Rifte existente na África. Era a descoberta da Dorsal Meso-Atlântica.
A explicação para a existência de tal formação geológica envolvia o conceito de que os continentes se movimentariam sobre a superfície da Terra, uma idéia considerada à época uma “heresia científica”. Com o surgimento de mais dados científicos, a descoberta de Tharp e Heezen foi sendo cada vez mais aceita e foi um dos suportes para que mais tarde fosse desenvolvida a teoria da Tectônica de Placas.
Tharp e Heezen concluíram o mapeamento do Atlântico Norte em 1959, do Atlântico Sul em 1961 e do Oceano Índico em 1964. Eles estabeleceram uma parceria com o pintor Austríaco Heinrich Berann em 1966, que reuniu o resultado de tantos anos de trabalho em um mapa de todo o assoalho oceânico. O mapa, ainda utilizado atualmente, foi publicado pelo Escritório de Pesquisa Naval dos EUA em 1977. Este também foi o ano de falecimento de Bruce Heezen, em decorrência de um ataque cardíaco durante uma expedição científica.
Após a morte de Heezen, Marie dedicou-se a arquivar e catalogar o trabalho que fizeram juntos, buscando fazer conexões para alcançar uma visão mais abrangente dos oceanos. Ela faleceu em 23 de agosto de 2006 aos 86 anos, em Nyack, Nova York – EUA. O reconhecimento por sua atuação científica veio apenas nas décadas mais recentes, tendo recebido em 2001 o prêmio Lamont-Doherty pelas grandes contribuições de seu trabalho à ciência.
Para finalizar, retomo parte da fala com que iniciei este texto. Infelizmente é comum encontrarmos elementos como o esquecimento e desvalorização na vida de mulheres cientistas ao longo da história, mas não podemos nos esquecer, nunca, do pioneirismo e inspiração que elas representam. Pouco a pouco vamos reforçando os traços sobre personalidades que o tempo tentou apagar. Assim, celebremos Marie Tharp!
P.S.: A biografia de Tharp foi lançada em 2012 nos Estados Unidos por Hali Felt. Infelizmente, não consegui encontrar publicação do livro no Brasil, mas a quem interessar: “Soundings: The Story of the Remarkable Woman Who Mapped the Ocean Floor”.
Glossário:
Agrimensor: Profissional que realiza a medição, mapeamento e classificação do solo. Também é responsável pela definição do limite de propriedades tanto rurais quanto urbanas
Sondagens: Gravações das reflexões dos pulsos de som (ou “pings”) gerados por sonar que possibilitavam a medição das profundidades do oceano
Vale do Rifte: Conjunto de falhas geológicas no leste da África decorrente do afastamento das placas tectônicas africana e arábica
Dorsal Meso-Atlântica: Cordilheira submersa que se estende do Oceano Atlântico ao Oceano Ártico. Localiza-se no limite das placas Norte-Americana e Euroasiática, ao norte, e das placas Sul-Americana e Africana ao Sul. Assim como no Vale do Rift, sua formação é devido ao afastamento entre as placas tectônicas. Ocorre a subida de magma pela região central, denominada rifte, e este vai sendo depositado nas laterais, resultando nas cadeias de montanhas
Tectônica de placas: Teoria desenvolvida na década de 60 e revolucionária no campo da Geologia. Baseada no princípio de que a superfície do planeta é fragmentada em placas tectônicas distintas umas das outras, que podem movimentar-se em diferentes direções, se afastando, aproximando ou deslizando entre si. Destas interações resultam os terremotos, vulcões e diversos outros fenômenos e processos geológicos
14 comentários
José · 15 de agosto de 2016 às 16:06
Muito interessante o post, parabéns!
Giovana Maria Breda Veronezi · 17 de agosto de 2016 às 10:37
Obrigada José! Fico feliz que tenha gostado, é uma história muito inspiradora!
Jeniffer · 14 de setembro de 2019 às 14:07
Nossa, que inspirador! Obrigada por esse post tão interessante! Parabéns pelo trabalho 🙂
Giovana Maria Breda Veronezi · 9 de novembro de 2019 às 00:57
Muito obrigada Jeniffer!
Daniel Martins de Sousa · 27 de agosto de 2020 às 13:55
Ótimo post, Giovana. Obrigado pelo trabalho de divulgação.
Sou aluno de doutorado no IG Unicamp e temos um podcast com alunos da graduação. É o Magmacast. No terceiro episódio, em que falamos da Tectônica de Placas, não citamos Marie Tharp. Uma ouvinte nos chamou a atenção e vamos fazer uma errata no próximo episódio. Além disso gostaria de pedir sua autorização para publicar seu texto (devidamente citado) em nossa página do Instagram (@magma_cast) como uma forma de complementar a errata que farei no podcast.
Novamente, parabéns pelo trabalho.
Giovana Maria Breda Veronezi · 20 de novembro de 2020 às 16:16
Muito obrigada, Daniel! Fico muito feliz com a iniciativa e pelo interesse de divulgação do texto. Nós temos uma página do Ciência Pelos Olhos Delas no Instagram também (@cienciapelosolhosdelasblog), vou entrar em contato com você por lá!
Rejane · 6 de fevereiro de 2021 às 23:27
Adorei o post. Fiquei sabendo sobre Marie Tharp no episódio 7 do documentários Origens: a evolução humana. Tem um pequeno trecho sobre como as descobertas dela mudaram a Ciência. Parabéns pelo blog!
Giovana Maria Breda Veronezi · 21 de julho de 2021 às 20:08
Que interessante, não conhecia esse documentário. Obrigada pela leitura e pela recomendação, Rejane!
Isabelle · 8 de outubro de 2020 às 15:55
Muito legal Giovana ! Precisava de um texto para poder estudar para minha prova . E você me ajudou.
Giovana Maria Breda Veronezi · 20 de novembro de 2020 às 16:17
Que alegria receber essa mensagem! Obrigada, Isabelle!
Lúcio Serrano · 18 de novembro de 2020 às 00:43
Obrigado!!! Sempre comento dela, mas da mesma forma como a pessoa que havia comentado contigo, infelizmente, a partir de agora ela terá nome nas minhas aulas!!! E sua participação devidamente reconhecida não como secretária apenas, mas coautora!!! Completando a reflexão sobre machismo nas ciências que sempre acompanha, por mais que minha não-pesquisa sobre o assunto acabasse reproduzindo o machismo... Novamente agradeço! e Parabéns!!!
Giovana Maria Breda Veronezi · 20 de novembro de 2020 às 16:21
Obrigada, Lúcio! Certamente o reconhecimento de sua atuação é imprescindível e muito grata em saber que este texto esteja contribuindo para isso.
Lúcio Serrano · 18 de novembro de 2020 às 00:48
tem um grupo de estudos no Câmpus do IFSP que trabalho, em Suzano, chamado mulheres na ciência, como tem o mesmo propósito que o seu, pode ser que seja legal vocês se conhecerem! se quiser, me mande um contato seu no meu email e passo para elas.
Abraços!
Giovana Maria Breda Veronezi · 20 de novembro de 2020 às 16:33
Obrigada pela sugestão, sempre muito bom conhecer mais iniciativas de divulgação científica! Temos páginas no Instagram (@cienciapelosolhosdelasblog), Facebook (@cienciapelosolhosdelas) e agora também no Twitter (@cpod_blog).