É tudo culpa da evolução

Publicado por Descascando a ciência em

Provavelmente em algum momento da sua vida você já reparou que, em certas populações de indivíduos de uma mesma espécie, há uma grande variabilidade e que em outras, os indivíduos são bem parecidos. Mas porque isso acontece? E se eu te falar que tudo isso é culpa da EVOLUÇÃO?

Para você entender melhor será preciso te inserir no mundo da genética de populações, que é a área que tenta entender as mudanças genéticas causadas por forças evolutivas que ocorreram ou que estão ocorrendo em populações de uma mesma espécie. Complicou? Então vamos descomplicar!

Quando dizemos “mudanças genéticas” estamos nos referindo as mudanças na frequência e distribuição dos alelos de um gene. É isso que nos permite saber quais alelos estão mais presentes na população X ou na população Y. E é essa diferença na frequência dos alelos dos genes em uma determinada população que define o que chamamos de VARIABILIDADE GENÉTICA.

Alelos são as formas diferentes de um mesmo gene.

cromossomos homólogos

Todo gene tem duas cópias (alelos), uma que vem do pai e outra que vem da mãe.

Variabilidade genética

A variabilidade genética é tudo na vida de qualquer população! Isso porque a capacidade de um indivíduo de reproduzir e se adaptar a diferentes ambientes está diretamente ligada com a variabilidade genética.

Vamos exemplificar: há milhares de anos existiam girafas com pescoços longos e girafas com pescoços curtos. As girafas com pescoços longos tinham o alelo A, já as de pescoço curto tinham o alelo a. Durantes os períodos de seca, somente algumas árvores mais altas mantinham suas folhas verdes e comestíveis, ou seja, somente as girafas com o alelo A (seleção naturalde pescoço longo) conseguiam alcançar o alimento e, portanto, sobreviver e acasalar. Resumindo, a variabilidade genética (alelos A e a) presente nas populações de girafas fez com que aquelas com pescoços longos tivessem certas vantagens (adaptação ao ambiente) ao longo desses milhares de anos, ao ponto de manter a espécie evoluindo até os dias atuais e as girafas de pescoço curto desapareceram!

Essa “força” que age sobre os indivíduos, eliminando aqueles que não conseguem se adaptar ao ambiente chama SELEÇÃO NATURAL, e com certeza você já ouviu falar sobre ela. A seleção natural é o fator mais importante para a evolução dos seres vivos.

#A SELEÇÃO NATURAL NÃO PERDOA NINGUÉM

Mas então onde se aplica toda essa teoria? Essa teoria pode ser aplicada para entender o potencial evolucionário e a estruturação genética de toda e qualquer população, e isso inclui desde populações virais e bacterianas até nós, reles seres humanos. Mas falando em populações bacterianas, tem uma que se encaixa perfeitamente neste contexto: as populações de Xylella fastidiosa (ver post “Uma sacada de gênio”). No Brasil, essa bactéria é conhecida principalmente por infectar laranjeiras, cafeeiros, ameixeiras e, agora recentemente também foram encontradas plantas de oliveiras doentes em Minas Gerais. Mas não pára por aí não. Essa bactéria tem um potencial evolutivo tão grande, que hoje são conhecidas mais de 100 espécies de plantas hospedeiras para Xylella em três diferentes continentes. Imagina a capacidade de adaptação dessa bactéria!

Trabalho de mestrado

E tentando entender um pouco dessa capacidade adaptativa, durante meu mestrado focamos em populações de Xylella que infectam plantas de café e laranja. Isso porque no Estado de São Paulo muitos laranjais e cafezais são cultivadas lado a lado e ambos são hospedeiras de Xylella. E ai veio a pergunta: a bactéria que infecta café é a mesma que infecta laranja ou vice e versa? Para responder essa pergunta, eu e o pesquisador Dr. Helvécio Della Coletta Filho percorremos quatro regiões do Estado de São Paulo coletando ramos de plantas doentes. Desses ramos infectados, nós conseguimos isolar quatro populações de Xylella vindas de plantas infectadas de café e duas populações de laranjeiras. E utilizando algumas técnicas moleculares, nós identificamos os alelos presente em cada população e fizemos diversas análises que podem ser explicadas em outros posts.

colônias da bactéria xylella E o que aprendemos? Bom…provavelmente Xylella está infectando cafeeiros há muito mais tempo que laranjeiras. Isso porque a diversidade genética encontrada nas populações de café é muito maior que nas populações de laranja. Nós também vimos que, de um modo geral, cada população possui conjuntos específicos de alelos. Ou seja, cada população está se adaptando em uma região. Isso indica que, mesmo Xylella sendo transmitida por um inseto (a cigarrinha), este não tem a capacidade de voar e transmitir a bactéria por longas distâncias.

E por fim, para provar que populações de Xylella que infectam café não conseguem infectar laranjeiras e vice versa, nós inoculamos plantas de laranja com Xylella isolada de café, e plantas de café, com Xylella isolada de laranja. Sabe qual foi a resposta? Que as populações se adaptaram tão bem em seus hospedeiros (laranja e café) que não conseguem infectar o outro. Cada uma dessas populações possuem conjuntos de alelos específicos a cada hospedeiro e, portanto, indicam ser duas populações distintas.

Se você gostou do tema, dá uma olhada nesse artigo e nesse outro aqui abaixo e entenda um pouquinho mais como funciona tudo isso! Ou entre em contato com a gente!

Escrito por Carolina Sardinha Francisco

Editado por Laís Moreira Granato


Descascando a ciência

O objetivo do Descascando é deixar conteúdos sobre o mundo agrícola e a ciência mais fáceis de serem entendidos. Queremos facilitar o "cientifiquês", para que todos tenham acesso à informação.

0 comentário

Deixe um comentário

Avatar placeholder

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *