Quando o inimigo vira um aliado

Publicado por Paulo em

Vocês sabem qual a melhor forma de combater um inimigo?

Conhecendo-o!

Pois é…como diz aquele velho ditado “mantenha os amigos próximos e os inimigos mais próximos ainda”. Afinal, conhecer o inimigo ajuda a planejar todas as estratégias para combatê-lo, não é mesmo? Um mestre nessa arte é o nosso Tyrion Lannister de Game of Thrones, ele sabe como é importante estudar as pessoas, e na ciência não é diferente!

Inimigos microscópicos

Foi preciso conhecer afundo a biologia de bactérias, fungos e vírus para que pudéssemos desenvolver tratamentos eficientes contra as doenças causadas por esses microrganismos. O fascinante da ciência é que, nessa de conhecer a fundo o inimigo, descobertas incríveis são feitas, o que nos levam a enxergar e explorar o inimigo de outras formas. Assim foi com os vírus, por exemplo.

Em um post anterior, nós mostramos que os vírus, além de causarem doenças em animais (incluindo nós, humanos), também causam doenças em plantas, gerando grandes prejuízos para a agricultura. No entanto, assim como nós, as plantas também possuem mecanismos de defesa contra infecções virais, o principal deles é conhecido como mecanismo de RNA de interferência (RNAi), uma técnica que também já foi explicada aqui.

Mas como funciona esse mecanismo de defesa

Bom, a planta é infectada por um vírus. O vírus, ao se multiplicar nas células vegetais,  produz, naturalmente, uma molécula composta por duas fitas de RNA (dsRNA). A planta reconhece esse dsRNA como uma molécula estranha e usa uma enzima de defesa (chamada Dicer) para quebrar o dsRNA em vários pedaços menores (conhecidos como “pequenos RNAs”). Uma das fitas desses pequenos RNAs forma um complexo de defesa com outras enzimas produzidas pela planta. Agora, a planta tem uma arma extremamente poderosa (pequenos RNAs + enzimas), que funciona como um míssil teleguiado, capaz de reconhecer o genoma do mesmo vírus e destruí-lo (silenciá-lo), impedindo o vírus de se proliferar e causar doença. Muito legal, né!?

Agora, pensem comigo: se o genoma do vírus é degradado por um complexo de defesa guiado por pequenos RNAs que vieram do próprio vírus, então podemos dizer que: “é o que tem ali no genoma do vírus que vai definir o que será silenciado”, certo?

Montagem de mísseis

Pois é…foi aí que a ciência brilhou novamente! Os cientistas passaram então a inserir outras ‘coisas’ no genoma dos vírus e verificaram que, quando o vírus infectava determinadas plantas, essas outras ‘coisas’ também eram silenciadas. Ou seja, nós conseguimos fazer as plantas montarem diferentes “mísseis”.

Cientistas do mundo inteiro passaram então a fazer experimentos de silenciamento utilizando vírus (o que a gente chama de VIGS, virus-inducedgene silencing, em português: silenciamento gênico induzido por vírus) como intuito de silenciar genes da própria planta e, desta forma, estudar a função deles.

Sabe o que aconteceu depois disso? Foram descobertos os genes envolvidos em funções celulares básicas das plantas, genes envolvidos na comunicação de uma célula com a outra, genes envolvidos nas vias metabólicas, no desenvolvimento da planta, na interação entre a planta e diferentes patógenos,na proteção contra alguns estresses, como a falta de água, e…não parou por aí. O mecanismo de silenciamento gênico utilizando vírus foi, e ainda é, utilizado para silenciar genes de outros patógenos como bactérias e fungos, que também causam doenças nas plantas, assim como genes dos insetos transmissores desses patógenos.

Acho que deu pra perceber que, definitivamente, os vírus passaram a ser grandes aliados da ciência. É claro que nada é tão simples quanto parece. Vírus geralmente tem hospedeiros muito específicos (conseguem, por exemplo, infectar somente um certo grupo de plantas). Outros vírus, por exemplo, são extremamente difíceis de se manipular no laboratório. E é por isso que existem diversos grupos de pesquisas espalhados pelo mundo na busca por novos vírus a serem utilizados no silenciamento gênico.

Nós somos um deles! Na luta para encontrar vírus a serem utilizados no controle da Diaphorina citri, um inseto que transmite a bactéria causadora de uma doença que tem devastado pomares de laranja em diferentes regiões do mundo. Em breve,falaremos um pouco a mais sobre este trabalho. Fiquem atentos!

Esse texto foi escrito pela Dra. Emilyn, que atualmente faz seu pós doutorado em Davis/Califórnia e estuda vírus de insetos e plantas. Quem ficou interessado pode buscar mais informações nesse artigo científico do qual ela faz parte.

Lattes e Link para o artigo

Editado por Paulo Camargo

Categorias: Sem categoria

Paulo

Biólogo, mestre em microbiologia, tentando largar o vicio em seriados para poder completar o doutorado em biologia molecular.

0 comentário

Deixe um comentário

Avatar placeholder

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *