Parece mentira, mas não é. A segunda edição do jornal local do Rio de Janeiro de hoje (12/05), transmitido pela Rede Globo, passou para o público, com todas as letras, que as pessoas em contato com as gigogas correm o risco de ter diarreia, hepatite e doenças de pele. Isso mesmo. As plantas aquáticas, e não o esgoto in natura jogado diariamente nesta lagoa, causam doenças. Solução? Retirar toneladas de gigogas das lagoas todos os dias. Desta forma, seguindo o mesmo raciocínio, posso pegar minha sunga e ir tomar um banho na lagoa após a retirada das macrófitas, sem me preocupar com as doenças. Não seria mais fácil parar de jogar esgoto na lagoa?
Para o melhor entendimento da função das macrófitas aquáticas neste ambiente hipereutrofizado, gostaria de acrescentar a este post parte de um capítulo relacionado as lagoas da cidade do Rio de Janeiro que escrevi no livro “Rio próximos 100 anos: O Aquecimento Global e a cidade”, publicado em 2008.
“A gigoga é uma espécie de macrófita aquática das mais abundantes nas lagoas [da cidade do Rio de Janeiro]. Nos últimos anos foram registrados vários eventos de super população desta espécie intimamente ligada a alta concentração dos nutrientes nitrogênio e fósforo, presentes em alta concentração nestes ecossistemas devido ao lançamento de esgoto in natura. Macrófitas aquáticas tropicais apresentam uma alta capacidade de absorção de nitrogênio e fósforo da água (Brahma D et al. , 1991), sendo as macrófitas aquáticas flutuantes, como a gigoga, as que apresentam as maiores taxas de absorção, devido ao fato de absorverem estes nutrientes diretamente da coluna d’água através de suas raízes. Um hectare de gigogas pode absorver o equivalente a média diária de produção de esgoto de 800 pessoas (Rogers e Davis, 1972).
Desta forma, as gigogas atuam como um “filtro natural” de esgoto em ecossistemas aquáticos, sendo até recomendadas para o controle do processo de eutrofização em uma lagoa no norte do Estado do Rio de Janeiro devido a sua alta capacidade de absorção de nutrientes (Petrucio e Esteves, 2000). As gigogas apresentam uma tolerância de apenas 2,5 ‰ a concentração de sal na água (Haller et al., 1974) enquanto a salinidade da água do mar é cerca de 35 ‰. Ou seja, um pequeno aumento na salinidade pode resultar em uma grande diminuição da biomassa deste vegetal. A ausência deste “filtro natural” de esgoto associada grande aporte extra de nutrientes causado pela morte das gigogas poderá causar um aumento repentino na concentração de nitrogênio e fósforo, o que pode ter um resultado drástico para estes ecossistemas. Eventos de afloramentos de algas tóxicas podem se tornar ainda mais freqüentes nos próximos anos, devido a este grande aporte de nutrientes.”
Gigoga, jacinto aquático ou aguapé (Eichhornia crassipes). Crédito: hsivonen
Existem trabalhos sérios de manejo de macrófitas aquáticas. Elas podem retirar ativamente nutrientes do ambiente aquático e serem removidas antes de morrerem. A biomassa rica em nutrientes pode ser utilizada como adubo em áreas de entorno possivelmente desmatadas. Além disso, vários projetos de ETE verdes (estações de tratamento verde) utilizam as macrófitas para depuração de águas poluídas, servindo perfeitamente para menores demandas. Este já é o terceiro vídeo que eu comento no blog sobre furadas de jornalistas. Tenho a impressão de que poderia fazer isso o dia inteiro e não faltaria pauta para novos posts.
Aprenda com os jornalistas como NÃO ensinar Seleção natural para os seus alunos e como NÃO fazer divulgação científica em rede nacional.
Parabéns pelos esclarecimentos....Grande abraço!
Olá Felipe,
Concordo com o seu ponto, mas ainda acho que é um erro clássico e que passa uma ideia ruim paras as pessoas sobre esta macrófita.
Em relação ao papel das macrófitas flutuantes existem muitos artigos na literatura da utilização delas em ETE-verdes. É só fazer uma busca no google acadêmico que você deve encontrar vários.
Abraços e obrigado pela visita.
Cara, achei uma reportagem na revista Enfoque, escrita por Maria T. S. Bastos e Wanderley R. Bastos, sobre Gigogas e achei bem interessante. Segu o link:
http://www.revistaenfoque.com.br/index.php?edicao=58&materia=428
Tudo bem que a jornalista se colocou mal, mas é verdade o fato de existir o risco de contágio de pessoas em contato com gigogas em águs poluídas. Não são as plantas que transmitem algo mas como estão em águas poluídas acabam por carrear uma séria de fungos e patógenos que botam em risco seres humanos que entrem em contato com elas. Então, acho que a jornalista foi um pouco infeliz em sua colocação, porém, não foi te toda incorreta.
Alguém teria trablhos ou bibliografias sobre o manejo de Aguapés e sua capacidade de despoluir (sem contar o artigo já citado da ABES)?
abraço,
Felipe
Luiz,
Parabéns pela observação do equivoquo do Telejornal.
Sempre citam os efeitos sem se preocupar com as causas.
ABRAÇO
ROBERTO
Olá Rafael,
O termo espécie invasora é um pouco relativo. Normalmente é utilizado para caracterizar espécies introduzidas em ecossistemas onde elas não existem naturalmente. No caso da gigoga, ela é nativa da América Tropical, então não é considerada espécie invasora em nossas lagoas. Mas devido ao ser valor ornamental, ela foi introduzida em vários países de clima quente e é considerada como espécie invasora nestas regiões.
Quanto ao post, não sei se passei para você a impressão de que a ocorrência em grande abundância de gigogas é algo natural, o que não é verdade. Essa macrófita aquática além de se reproduzir de forma muito rápida apresenta raízes que absorvem nutrientes diretamente da coluna d´água. Desta forma, ela pode ser considerada um indicativo de que o ambiente está sendo impactado por excesso de nutrientes (no caso esgoto doméstico).
As gigogas são um indicativo que o ambiente está degradado, não são responsáveis por esta degradação. Além disso ainda são responsáveis pelo acúmulo em biomassa de uma grande parte destes nutrientes, funcionando como um filtro. É claro que se toda esta biomassa que cresceu de forma descontrolada morrer, a degradação da matéria orgânica pode piorar ainda mais a qualidade ambiental das lagoas. Nesta situação que entra o manejo das macrófitas, para aproveitar o seu lado positivo e evitar o problema da degradação desta biomassa.
Esse aguapés não são uma espécies invasora em alguns lugares? Vi trabalhos de manejo deles na África.
Ótima ideia Rafael.
Eu também gostarai que tivéssemos algo parecido para resenhas de livros. Algo que identificasse o post.
Boa Luiz,
Observátório científico da imprensa!!!
Temos que fazer um selo\tag pra isso no ScienceBlogs.
Abraço