Patentes Patéticas (nº. 71)

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Não importa se você estava tentando entrar no aeroporto ou na penitenciária. Ser obrigado a tirar os sapatos por questões de segurança é um ultraje! Mas em vez de atirar os próprios sapatos nos agentes de segurança, Evan B. Tromer teve um estalo que virou o Tamper resistant institutional shoe and method [Calçado institucional resistente à violação e método], qual seja:

uma sola externa clara, para desencorajar o esconderijo de contrabando em um ambiente institucional, tal como prisões ou casas de correção. O calçado institucional pode incluir uma parte superior e uma sola externa que, juntos, formam a cavidade para receber o pé do usuário. A sola externa pode ser levemente transparente, de maneira translúcida [sic]. Adicionalmente, um complemento colorido pode ser vantajosamente fixo ou disposto na cavidade sobre a superfície superior da sola externa. O complemento colorido pode incluir uma cor clara para melhor refletir a luz através da sola exterior. Diversas camadas de materiais distintos podem ser dispostas na cavidade sobre a superfície superior da sola externa. As camadas aderem às camadas adjacentes para resistir à violação [tampering]. Pelo menos uma das camadas deve incluir um material com uma força interna menor que à do adesivo, de forma que uma tentativa de violação da camada resulte na destruição visível da camada.

Ora, vejam só! Tênis com solas transparentes e revestimentos de segunda devem ser mesmo um grande passo para um mundo mais seguro! Num dos processos mais rápidos que já vimos nessa série, a patente de Mr. Troman deu entrada em 29 de outubro de 2002 e foi aprovada, sob número 6.739.074 [pdf], em 25 de maio de 2004. A paranóia pós-11 de setembro deve ter ajudado.

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22 – sola transparente; 34 – “complemento colorido” anti-contrabando; 74 – possível objeto contrabandeado, visível por contraste com o complemento 34.

Embora sejam recomendados apenas para ambientes “institucionais”, como parte do uniforme obrigatório de prisioneiros ou internos, não seria difícil tornar obrigatório o uso do Tamper resistent shoe em ambientes que exigem segurança máxima e podem ser alvos de terroristas ou contrabandistas, como aeroportos, estações de metrô e lojas que vendem crocs.

Natural de Ogden, Utah, Mr. Trommer afirma na patente que, com seu invento, objetos de “contrabando, como armas, não podem ser escondidos no interior da sola, potencialmente salvando as vidas de carcereiros e outras pessoas encarceradas.” Ainda segundo Trommer, graças às solas transparentes, o processo de revista seria mais rápido e barato: “os calçados podem ser inspecionados em busca de evidências de adulteração ou contrabando por meio da visualização da sola e pela observação através da sola externa.” Isso pode ser feito “sem a remoção do calçado dos pés da pessoa que usa os calçados” (e de onde mais, além dos pés, Mr. Trommer?). Entretanto, em casos especiais, pode ser necessário removê-los para “inspecionar tanto o interior quanto o exterior”. Tudo no olhômetro, é claro.

Mas a sola transparente de Trommer só seria realmente segura se pudesse ser visível na prática. Ou alguém acha que, em ambientes limpíssimos como casas de detenção e aeroportos, o solado transparente permaneceria seguramente límpido por mais de dois passos? Além disso, que vantagem teria um acessório que não evitaria o uso de aparelhos de raios-x e eventualmente ainda teria que deixar descalço o pobre usuário?

Outrossim, nada impede que o contrabando — especialmente de drogas ou gadgets eletrônicos como smartphones — fosse habilmente disfarçado como o “complemento colorido” do interior do solado, que nada mais é que uma confortável placa de plástico mais rígido. Pior ainda: como a sola é retrátil (e pode ser instalada separadamente), seria ainda mais fácil inserir contrabandos em seu interior. Com um material que seria facilmente violável então…

Em se tratando de solas invioláveis, há algo muito mais seguro, prático e elegante que a solução de solas translúcida de Trommer. Chamam-se sandálias de borracha (a.k.a. “havaianas”) e são comumente usadas em presídios brasileiros. Mesmo assim, isso não inibe o contrabando de armas, celulares e entorpecentes, que podem ser inseridos em outros orifícios…

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