Não se faz uma omelete sem quebrar os ovos, diz a sabedoria popular. Só que também não é preciso (literalmente) pisar em ovos para conseguir a tal omelete. É importante quebrar os ovos em determinadas situações, mas às vezes o problema é como quebrá-los. Esse é um dos problemas envolvidos na busca da fusão nuclear. Segundo um novo estudo, é mais fácil fazer uma omelete nuclear se as cascas dos ovos forem um pouco mais duras.
É uma conclusão contra-intuitiva, mas a omelete que estamos tentando fazer é bastante incomum (ao menos na Terra). A fusão nuclear é, basicamente, uma omelete de átomos. Quando dois átomos de hidrogênio são fundidos, formam-se um átomo de hélio e certa quantidade de energia (evidentemente, não se usam só dois átomos de H numa reação de fusão). Como numa omelete, não adianta simplesmente colocar esses átomos ou ovos bem juntinhos — é preciso misturar bem o conteúdo de seus núcleos. Também não basta aquecer uma frigideira, chocar os ovos um contra o outro e jogar seu conteúdo na frigideira com um pouco de queijo, leite e tempero a gosto até ficar no ponto — é preciso fazer isso sob condições muito, muito, muito precisas.
Para fazer a omelete de hidrogênio, os temperos não são necessários, mas os cientistas vão ter que usar um potente fogão de laseres e uma panela de pressão em vez de frigideira. Mais precisamente, vai ser necessário um fogão a laser com 192 bocas para uma panelinha minúscula. Obviamente, não basta acender toda essa laserada a todo gás: tudo isso precisa ser acionado simultaneamente, em pulsos com intervalos de bilionésimos de segundo, focalizados numa pequena cápsula do tamanho de uma borrachinha destas de ponta de lápis. Os cientistas chamam essa coisinha de hohlraum (alemão para “espaço oco”), mas na prática é como uma panelinha de pressão mesmo.
Dentro dessa panelinha de pressão põe-se uma cápsula ainda menor, que contém amostras de dois isótopos de hidrogênio, deutério e trítio (D-T). Essa cápsula minúscula — do tamanho de uma bolinha da ponta de uma caneta esferográfica —, com duas substâncias um pouco parecidas é como um ovo só, com gema e clara. Uma vez ligados, os laseres sincronizados devem cozinhar aquela cápsula-ovo dentro do hohlraum sob 500 terawatts de potência e 1,8 megajoules de energia — 1000 vezes mais do que os EUA consomem a qualquer momento. Assim, cria-se um “forno de raios-X” que implode a cápsula D-T sob temperaturas e pressões comparáveis às do centro do Sol. É como tentar fazer uma omelete numa panela de pressão, mas sem quebrar os ovos até a pressão certa.
A cozinha onde fica essa panela de pressão atômica e o fogão a laser de 192 bocas é o NIF, o National Ignition Facility, localizado no Lawrence Livermore National Laboratory em Livermore, California (EUA). Aberta em 2010, essa cozinha-laboratório já resolveu alguns dos problemas para conseguir a ignição — i.e., a omelete nuclear perfeita: uma reação de fusão hipercalórica, que gere mais energia do que consome pra ser frita. Os principais desses problemas são como fornecer tamanha energia para todos aqueles laseres ou como conter o plasma fundido hiperquente na câmara de fusão ou ainda como injetar mais combustível à medida que a fusão avança. Antes de tudo isso, porém, é preciso pelo menos ter os ovos.
Ainda que seja uma cozinha sofisticada, o NIF não é uma instalação perfeita. O problema está justamente nos ovos de D-T. Como um ovo de galinha qualquer, os ovos de D-T são temperamentais: as irregularidades da casca os tornam ora quebradiços demais, ora resistentes demais. Não raro, a casca como um todo tem a resistência certa para ser manipulada e cozida — exceto por um ponto fraco, capaz de desfazer o ovo inteiro. Nessas condições quase imprevisíveis, é difícil saber ao certo como quebrar um ovo para conseguir a omelete ou mesmo como manter um ovo intacto até acender o fogão. Ainda mais quando esse ovo fica dentro de uma panela de pressão minúscula.
Em artigo recém-publicado no jornal Physics of Plasmas, John Edwards (diretor-associado para confinamento inercial de fusão do NIF) e seus colaboradores discutem o problema e relatam o que estão tentando. “Em alguns testes de ignição nós medimos a dispersão dos nêutrons liberados e encontramos diferentes sinais de força em diferentes pontos ao redor da cápsula D-T”, explica Edwards. “Isso indica que a superfície da casca não é uniformemente lisa e que em alguns lugares é mais fina e mais fraca do que em outros.”
Pontos fracos na casca dos ovos são mesmo um problema comum a qualquer cozinha, mas o cientista-cuca Edwards e seus cozinheiros também encontraram casos de clara grudenta, difícil de sair da casca: “Em outros testes, o espectro de raios-X emitido indicava que o combustível D-T e a cápsula estavam se misturando muito — resultado de instabilidade hidrodinâmica —, o que pode retardar o processo de ignição”. É claro que sem clara, sem omelete.
Se a omelete parece complicada, que tal fazer um ovo cozido? Pode ser mais simples numa cozinha qualquer, mas não no NIF. “O que nós queremos fazer,” explica o chef Edwards, “é usar os raios-X para explodir a camada externa da cápsula de modo muito controlado, para que a pelota D-T seja comprimida até as condições exatas para iniciar a reação de fusão.” Isso é meio que tentar cozinhar o ovo ao mesmo tempo em que se evapora a panela ao redor dele. Talvez seja mais fácil se livrar da panela de pressão — aquela cápsula externa, do tamanho de uma borrachinha. Só que a panela ainda é necessária para cozinhar o ovo de deutério e trítio até a consistência certa.
Pisando em ovos às escuras, é claro.
Referência
M.J. Edwards et al.”Progress toward ignition on the National Ignition Facility”. Physics of Plasmas: dx.doi.org/10.1063/1.4816115
[com informações do phys.org]