Mais uma luz para a fusão nuclear

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Imagine estar numa sala completamente escura e tentar acender uma vela com um fósforo. Não parece um grande desafio, mas troque o pavio por algo ainda menor, como uma cápsula de hidrogênio. Ainda assim, pode parecer mais moleza ao trocar o fósforo por um conjunto de poderosos raios laser. Exceto que você continua no escuro, não pode ver nem tocar o pavio e não tem como enxergar os raios laser nem o que eles iluminam porque eles são tão potentes que têm que ficar dentro de uma câmara de metal magnetizada — ou, no mínimo, te deixariam cego. É mais ou menos assim, atirando laser às cegas, que os cientistas estão tentando ativar uma reação de fusão nuclear controlada. E eles acabam de descobrir como localizar o pavio sem poder tocá-lo.

O novo passo na incessante busca pela fusão nuclear foi dado por cientistas e engenheiros da Universidade da California-San Diego (UCSD), Univ. de Rochester, Univ. de Nevada, Univ. de Osaka (Japão), Univ. de Bordeaux (França), e dos americanos Laboratório Nacional Lawrence Livermore e General Atomics. A nova técnica permite ver onde a energia é depositada num processo chamado ignição rápida, uma abordagem em estudo para detonar uma reação de fusão a partir de laser de alta intensidade.

Compressão e ignição with lasers
Como em qualquer motor de moto, a ignição é importante e acontece em dois tempos. Primeiro, a compressão: em vez de um pistão subindo por uma câmara de combustão, centenas de lêiseres comprimem o combustível. O combustível para a fusão é uma mistura de deutério e trítio armazenada numa esfera plástica, a cápsula. Logo após a cápsula ser comprimida por uma saraivada de laser, vem a centelha da vela (a do motor, não a do quarto escuro): na ignição propriamente dita, um único pulso laser superpotente aquece o combustível instantaneamente, formando uma nuvem de plasma onde pode ocorrer a fusão (como fazer esse plasma fundir de maneira contínua é outra história…).

Um grande problema é como juntar tantos raios laser potentes num alvo tão minúsculo como uma cápsula de combustível. O menor desajuste desvia toda aquela energia dos raios para qualquer outro lugar que não seja a zona mais rica em combustível da cápsula.

Para lidar com esse problema, os pesquisadores americanos desenvolveram um método que permite ver para onde vai a energia que deve acertar o alvo de combustível. O segredo está em algo bem low-tech: cobre. Mais precisamente, em uma camada de cobre dentro da cápsula de combustível. Assim, quando um laser de alta energia atravessa a cápsula comprimida, gera elétrons de alta energia. Esses elétrons pulam no cobre e ficam tão excitados que fazem o metal emitir raios-X. Essas emissões de raios-X, que podem ser facilmente detectadas, equivalem a segurar o pavio de uma vela no escuro para localizá-lo.

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Visualização de fluxo energético em ignição rápida: adicione cobre à cápsula de combustível, acione o laser e voilà! [Imagem: High Energy Density Physics Group, UC San Diego]

A analogia de estar às escuras veio não deste humilde escriba mas de um dos desenvolvedores desta técnica, Cristopher McGuffey, pesquisador-assintente da Escola de Engenharia da UCSD. Antes disso, disse McGuffey ao Phys.org, “era como se estivéssemos olhando no escuro. Agora podemos entender melhor onde a energia está sendo depositada, assim podemos investigar novos designs experimentais para aperfeiçoar a deposição de energia sobre o combustível”. O paper com os resultados experimentais foi pré-publicado on-line na edição de 11/01 da Nature Physics.

Além de descrever a técnica de visualização energética, os autores informam os primeiros resultados alcançados. Trabalhando com diferentes modelos de cápsula de combustível e configurações de laser, foi reportado um recorde de eficiência: até 7% da energia foi transferida dos lêiseres para o combustível. Pode não parecer muito, mas é quatro vezes maior que a média de experimentos anteriores de ignição rápida. Simulações estimam que essa eficiência ainda pode ser dobrada — beirando os 15% — caso o experimento seja replicado em uma escala maior.

Referência
rb2_large_gray25JARROTT, L. C. et al. Visualizing fast electron energy transport into laser-compressed high-density fast-ignition targets [Visualizando transporte rápido de elétrons de alta energia em alvos comprimidos por laser de ignição rápida] Nature Physics. doi:10.1038/nphys3614

Imagem de abertura: timsackton via Visual Hunt / CC BY-SA

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