Ele está por todos os lugares: borbulhando nas profundezas do oceano; escapando dos cupinzeiros, emanando dos pântanos, elevando-se das plantações de arroz, escapulindo dos gasodutos, evaporando dos lixões, armazenado em botijões, queimado em fogões e está sendo emitido pelas milhões de cabeças (e rabos) de gado nas fazendas de pecuária. Invisível, ele passa muitas vezes despercebido e sobe à atmosfera, onde retém muito mais calor do que o ilustre gás carbônico. Seu nome é metano.
Principal componente do gás natural e outrora conhecido como gás dos pântanos, o metano tem uma estrutura simples: um átomo de carbono cercado por quatro de hidrogênio. Sendo bem mais leve que o ar, o CH4 espalha-se facilmente pela atmosfera. Como seu primo oxigenado, o gás carbônico, ele é um gás de efeito estufa.
Dada a variedade de suas fontes — naturais e humanas —, as emissões do metano têm sido bem mais difícil de controlar. Um dos principais problemas está na criação de gado. Bois e vacas, cabras e bodes, carneiros e ovelhas emitem CH4 por meio de arrotos e flatulências. Mesmo que reduzíssemos muito o consumo de carne, tais emissões continuariam. Numa patente patética, um inventor chegou a propor que o gado carregue seus próprios coletores de metano.
Mesmo que fosse possível coletar todo o metano produzido nas fazendas, esse gás ainda seria dificilmente aproveitável como fonte de energia. O metano pode ser útil para o aquecimento de fornalhas, por exemplo, mas não presta como combustível de automóveis. O metanol (CH3OH), por outro lado, funciona muito bem como combustível. Mas produzir o álcool mais simples que existe a partir do metano não é tão fácil quanto parece: é preciso oxidar o metano da maneira certa, sem transformá-lo em CO2 e água.
Na natureza essa conversão não é difícil: alguns organismos transformam metano em metanol com auxílio da enzima metano-monooxigenase. Mas essa enzima não pode ser utilizada para produzir metanol em escala industrial. É por isso que, há décadas, os químicos procuram por uma substância capaz de catalisar a oxidação parcial do metano.
Esse catalisador pode ter sido encontrado no reino mineral, segundo pesquisadores das Universidades de Stanford (EUA) e Leuven (Bélgica). Em artigo publicado na Nature, Benjamin Snyder e seus colaboradores relatam a identificação de uma estrutura molecular promissora, encontrada em exemplares de uma classe mineral conhecida como zeólitos.
O que torna esse composto de origem mineral interessante é uma parte de sua estrutura, chamada centro de α-Fe(II), que foi descrita como “um quadrado planar contendo Fe(II) de alto spin”. Nessa estrutura, o ferro pode ser cercado por oxigênio, o que permite moderar a oxidação do metano para produzir metanol — mesmo em temperatura ambiente. Partindo do alfa-Fe(II) isolado, o caminho de reação proposto por Snyder et. al. é o seguinte:
Embora essa sub-estrutura tenha sido identificada em alguns zeólitos em 1997, só agora os pesquisadores puderam o α-Fe(II) por meio de uma técnica conhecida como espectroscopia de Mössbauer. Foi graças a esse tipo de espectroscopia — usada na química bionorgânica para detecção de centros de ferro — que os cientistas belgas e norte-americanos puderam identificar o centro monometálico de ferro. Também foram feitos experimentos por meio de dicroísmo circular magnético, outra técnica sensível à presença de ferro, e simulações computacionais da estrutura encontrada.
Apesar da boa notícia, o problema do metano ainda não está resolvido. Os zeólitos são comuns — além de catalisadores na indústria petroquímica, também estão presentes em algo tão banal quanto as caixas de areia de gatos — mas nem todos possuem essa gaiola de ferro. Falta descobrir detalhes do comportamento desse catalisador e verificar empiricamente se ele funciona em escala industrial. Caso seja confirmado, o uso do centro de α-Fe(II) vai nos permitir produzir combustível renovável a partir da atmosfera (ou mesmo dos flatos do gado) sem a necessidade de ampliar os campos de produção de cana-de-açúcar e milho.
Referência
Benjamin E. R. Snyder et. al. The active site of low-temperature methane hydroxylation in iron-containing zeolites [O sítio ativo de hidroxilação do metano em baixas temperaturas em zeólitos ferríferos]. Nature, vol. 536, 18 de agosto de 2016, pp. 317-321. DOI:10.1038/nature19059