Confundido com o inventor italiano do rádio — Guglielmo —, Gaudenzio atuou na França e na Bélgica como produtor de nus artísticos e colaborador de ninguém menos que Auguste Rodin
Nascido em 1842 em Comologne, na zona francófona da Suíça, Gaudenzio Marconi era filho de uma família italiana que não tinha relação com Guglielmo Marconi [1874-1937], inventor da telegrafia sem fio. Como muitos pioneiros da fotografia, foi artista plástico antes de fotografar. Por volta de 1862, estabelece-se em Paris, onde abre um estúdio artístico.
A carreira de pintor não foi muito longe, mas Marconi logo percebeu que a fotografia poderia ser útil à profissão no lugar dos modelos vivos usados pelos pintores. Não se sabe quando começou a fotografar nem quem o treinou, mas Marconi logo transformou o estúdio de pintura em oficina fotográfica e passou a produzir nus nos formatos de daguerreótipo e albúmen.
Na época, os nudes tinham duas finalidades. A primeira e mais óbvia era como imagem de cunho erótico ou mesmo pornográfico. Inicialmente feitas para coleções privadas, as fotos de nus desse tipo logo foram censuradas e passaram a circular clandestinamente. Paralelamente, ocorria o segundo tipo de nu, feito para fins científicos e usados em publicações de medicina, etnografia, antropologia ou, mais frequentemente, como substituto mais barato aos modelos que posavam pelados.
Os nus produzidos por Marconi eram do gênero acadêmico e publicados na forma de catálogos vendidos para artistas, ilustradores, pintores e professores de escolas de belas-artes. Marconi também atuou como distribuidor, revendendo nudes de outros autores. No entanto, Gaudenzio não teve tanto cuidado no registro de suas imagens e das que revendia, o que tem gerado problemas de atribuição de autoria. Muitas de suas fotos não-assinadas, por exemplo, costumam ser atribuídas ao austríaco Herman Heid, que tinha um estúdio semelhante em Viena.
Mesmo assim, algumas características da produção de Marconi se destacam: num mercado dominado por nus femininos, ele apostava em modelos masculinos. Suas composições, feitas quase sempre diante de fundos neutros ou escassamente decorados, ressaltam as qualidades plásticas dos corpos. Seu estilo tem um quê de Michelangelo e passa longe de poses sensuais. Além de agradar os acadêmicos, essa qualidade das obras de Marconi devem ter ajudado a evitar problemas com a polícia.
Em exposições rápidas, as imagens de Marconi podiam capturar corpos em posições tensas, que dificilmente poderiam ser mantidas durante várias horas pelos modelos vivos. Era um bom negócio tanto para os modelos quanto para os artistas. Assim, não foi surpresa quando Marconi começou a receber encomendas de escolas de belas-artes no fim dos anos 1860.
Seu sucesso na França foi interrompido pela Guerra Franco-Prussiana em 1870, que obrigou-o a se exilar na Bélgica. Após 1870, Marconi aparece nos registros comerciais de Bruxelas como artista, pintor e fotógrafo. Foi durante esse período de exílio que Marconi começou a colaborar com o escultor Auguste Rodin [1840-1917]. A colaboração mais importante entre ambos foi um par de retratos do soldado August Neyt — um dos poucos modelos que teve o nome registrado —, encomendada por Rodin e usada na criação da escultura L’Âge d’airain (A Idade do Bronze). Quando terminou a escultura em 1877, Rodin chamou Marconi novamente, dessa vez para registrar a obra já pronta.
Além de preservados nos catálogos produzidos e em diversas coleções privadas, os trabalhos de Marconi podem ser encontrados como depósito legal na Biblioteca Nacional da França. O WikiCommons também conta com quase meia centena de nudes de Marconi. Apesar de sua importância para a comunidade artística, sua morte passou batida: Gaudenzio Marconi faleceu em 1885, aos 43 anos, de causas desconhecidas.