Um socão em Urano

'Cataclysmic' collision shaped Uranus' evolution
Parece a imagem térmica de um ovo quebrando, mas é Urano levando um socão nos primórdios do Sistema Solar.

Uma colisão cataclísmica estaria por trás das esquisitices de sétimo planeta do Sistema Solar. No futuro, outras batidas transformariam algumas luas em novos anéis.

Ele é grande, azulado, gélido e rola em vez de girar. Situado entre Saturno e Netuno, Urano é definitivamente um mundo esquisito. Sua atmosfera é a mais fria do Sistema Solar, com médias de 216 graus negativos e ventos fortíssimos. Cercado por um tênue anel, o planeta tem luas relativamente pequenas e muito próximas entre si. Qual seria a causa de todas essas características?

Uma trombada gigantesca nos primórdios do Sistema Solar tem sido proposta como essa causa. Há cerca de 4 bilhões de anos, segundo a teoria, Urano teria sido atingido por um proto-planeta feito de gelo e rochas. Comprovar essa hipótese parece algo quase impossível, já que um planeta gasoso como Urano não pode ter crateras de impacto. Ainda que houvesse uma superfície, a essa altura os indícios da batida colossal já estariam muito esmaecidos pela erosão do solo provocada por milênios de ventanias medonhas.

Mesmo assim, uma equipe internacional liderada por astrônomos da Universidade Durham (Reino Unido) resolveu investigar os motivos que levaram Urano a ter um eixo de rotação quase perpendicular em relação aos demais planetas. Para testar a hipótese da colisão, os cientistas realizaram uma série de simulações computacionais em alta resolução.

Após trabalhar em mais de 50 cenários com diferentes parâmetros de impacto, a equipe coordenada pelo cosmologista Jacob Kegerreis chegou à conclusão de que “o resultado mais provável é que o jovem Urano teria se envolvido numa colisão cataclísmica com um objeto com o dobro da massa da Terra — ou até maior”. Essa colisão cataclísmica foi um impacto duplo. O primeiro choque, mais superficial, colocou o proto-planeta em uma nova rota de colisão. A batida final foi tão intensa que alterou a inclinação do eixo de rotação do planeta. Acompanhe as primeiras 72 h do impacto na simulação do vídeo a seguir:

Uma colisão dessas não seria capaz de reduzir bastante a cobertura atmosférica do planeta? Segundo as simulações de Kegerreis et. al., a resposta é não. Apesar de duplo, o impacto foi profundo o bastante para entortar o eixo de rotação mas superficial demais para dispersar a atmosfera. Naquela altura, Urano já era um gigante gasoso e deve ter perdido bem pouco material.

Além de tombar o planeta, esse evento teve consequências dentro e fora de Urano. A parte mais pesada do material proto-planetário teria afundado, formando uma fina camada isolante ao redor do calor emanado pelo núcleo de Urano. Com o calor preso dentro do planeta, a atmosfera resfriou-se de maneira extrema. Os destroços mais leves seguiram uma trajetória oposta e passaram a orbitar ao redor de Urano, formando suas pequenas luas e talvez seu discreto anel.

'Cataclysmic' collision shaped Uranus' evolution
Esta imagem composta obtida em 2004 no Observatório Keck mostra os dois hemisférios de Urano. Não é a imagem ou os aneis que parecem tortos: é o planeta que tem um eixo de rotação com quase 90 graus de inclinação. [Imagem: Lawrence Sromovsky, University of Wisconsin-Madison/W.W. Keck Observatory]

Kegerreis e seus colegas acabam de publicar suas descobertas em artigo no Astrophysical Journal. Mas essa não é a única pesquisa recente envolvendo Urano e suas colisões. Com base em observações realizadas pela Voyager entre 1977 e 2002, Robert Chancia, Matthew Hedman (ambos da Universidade de Idaho) e Richard French (Wellesley College), sugerem que o planeta torto pode ter mais colisões no futuro. Ao estudar um dos anéis do planeta, esse trio de pesquisadores americanos descobriu uma deformação gravitacional causada por Cressida, uma das luas de Urano.

Verificando a influência de Cressida sobre os satélites mais próximos, Chancia et. al. perceberam que essa lua está em rota de colisão com Desdêmona. Atualmente, a distância entre as órbitas de Cressida e Desdêmona é de apenas 900 km. Segundo o artigo pré-publicado em agosto passado na plataforma arXiv, essas duas luas devem colidir — mas são tão lentas, leves e porosas que isso só deve acontecer dentro de 1 milhão de anos. Esse futuro impacto não será o único: Cupido e Belinda também poderão trombar em algum momento. Com essas batidas, Urano poderia perder até quatro luas — em compensação, ganharia um ou dois anéis.

Referências

Robert O. Chancia, Matthew M. Hedman, Richard G. French. Weighing Uranus’ moon Cressida with the η ring [Pesando Cressida, lua de Urano, com o anel η]. arXiv.org > astro-ph > arXiv:1708.07566

Kegerreis et. al. Consequences of Giant Impacts on Early Uranus for Rotation, Internal Structure, Debris, and Atmospheric Erosion [Consequências de impactos gigantes no Urano jovem para a rotação, estrutura interna, destroços e erosão atmosférica]. The Astrophysical Journal, Volume 861, Number 1, 2 de julho de 2018.  DOI: 10.3847/1538-4357/aac725

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