Ex-rival de Lênin no movimento bolchevique, a turbulenta vida de Alexander Bogdanov acabou enquanto ele buscava nada menos que a imortalidade via transfusão sanguínea.
Por Romeo Vitelli em Providentia. Tradução de Renato Pincelli.
No dia 7 de abril de 1928, o Dr. Alexander Aleksandrovitch Bogdanov realizou aquele que seria seu último experimento. Reconhecido por suas pesquisas sobre prolongamento da vida por meio de transfusões sanguíneas, Bogdanov havia relatado resultados positivos das 11 primeiras transfusões a que se submeteu. Independente dos motivos que o levaram à 12ª. experiência, o voluntário cujo sangue Bogdanov decidiu usar portava uma forma de tuberculose e a consequência seria fatal. Não se sabe se a morte do médico russo decorreu de um erro de identificação tipológica ou por uma infecção, mas ele continuou fazendo observações detalhadas sob sua condição até falecer, duas semanas depois do procedimento.
Muito antes de começar seus experimentos com sangue, Alexander Bogdanov já era famoso (ou infame, dependendo pra quem você pergunta) na Rússia. Nascido em 1873 e batizado Alexander Malinovsky, ele era um estudante de medicina quando seu ativismo político anti-czrista lhe rendeu um exílio de cinco anos. Durante o exílio, ele conheceu e se casou com Natalya Bigdanova Korsak e assumiria o pseudônimo de Bogdanov como escritor político (uma ocupação nem um pouco segura para um anti-czarista). Após o afastamento forçado, ele retomaria os estudos de medicina mas não abriria mão do ativismo. Assim, mesmo depois de formado, a polícia czrista ficaria de Bogdanov até prendê-lo e mandá-lo para o exílio de novo.
Não é surpresa que ele tenha se juntado aos bolcheviques em 1903, tornando-se logo uma figura influente no movimento — além de ser um dos principais intelectuais do grupo, ele se tornaria o principal rival de Vladimir Lênin pela liderança. Depois de ser expulso do partido por Lênin, em 1909, Bogdanov foi se exilar na Itália mas retornaria à Rússia durante a I Guerra Mundial para ajudar a tratar dos soldados feridos. Em 1917, a Revolução Russa o colocaria em maus lençóis, pois Lênin ainda o via como um rival político. Bogdanov não teve participação direta na Revolução e tornou-se um crítico de primeira hora de algumas políticas bolcheviques. Mesmo sabendo que o antigo rival, Lênin, estava no poder, ele não se intimidava.
Além de seus escritos políticos, Alexander Bogdanov tornou-se um dos pioneiros da nascente ficção científica soviética e também propôs uma nova disciplina científica: a tectologia, basicamente um campo precursor da teoria de sistemas. Bogdanov propunha que as ciências físicas, biológicas e sociais poderiam ser melhor entendidas em termos de princípios universais de organização. Ele também sugeriu um “princípio empírico-monístico” para descrever como a observação permitia a obtenção de conclusões essenciais sobre como a natureza, a matéria física e o comportamento poderiam ser integrados num sistema maior. Muitas dessas mesmas ideias seria desenvolvidas independentemente por Norbert Wiener [1894-1964, considerado o pai da Cibernética] e Ludwig von Bertlanffy [1901-1972] em suas próprias teorias científicas.
De certo modo, Bogdanov era ainda mais ambicioso. Seu sistema tectológico seria uma maneira de compreender tudo: arte, música, literatura, política, biologia, etc. Em outras palavras, todo o espectro da experiência humana. Nos três volumes de Tectologia: Ciência da Organização Universal, ele delineou o caráter organizador do universo como percebido pelos humanos —e ainda incluiu algumas críticas de determinadas práticas comunistas. Foram divagações políticas assim que levaram Bogdanov a ser alvo do governo bolchevique, mesmo que sua influência há muito tivesse se desvanecido. Com base em seus escritos mais inflamados, Bogdanov seria detido em 1923, passando cinco semanas preso. Sua ficha continuaria mantida em sigilo por muito tempo após sua morte.
Com suas asinhas políticas cortadas, Bogdanov voltou sua ambição para a área da pesquisa médica. É aqui que entram seus experimentos sanguíneos. Depois que Karl Landsteiner [1868-1943] identificou os tipos sanguíneos em 1900, a transfusão de sangue passou a ser vista como uma ferramenta útil na salvação de vidas humanas em muitos países. Na Rússia, porém, os médicos relutavam em adotar a nova prática. Ao trabalhar como cirurgião durante a I Guerra, Bogdanov percebeu que os médicos aliados usavam várias técnicas inovadoras para salvar seus pacientes.
Embora não estivesse em posição de introduzir a transfusão em seus próprios pacientes, ele ficou impressionado com seu potencial. Por isso, Bogdanov incorporaria a ideia de transfusões de sangue regulares em A Estrela Vermelha, sua novela de ficção científica ambientada num Marte utópico. Naquela época, as transfusões ainda eram arriscadas (entre outras coisas porque o fator Rh só seria descoberto nos anos 1930), mas Bogdanov ficou tão impressionado que passou a propor que a vida seria radicalmente alongada por meio de transfusões de sangue humano dos mais jovens para os mais velhos. Partindo de sua própria teoria tectológica, ele pregava o estabelecimento de um sistema comunista de troca mútua de sangue, pelo bem de todos os soviéticos.
O estágio experimental proposto era bastante simples: Bogdanov e um de seus colaboradores (entre os quais havia sua esposa) trocariam até 700 cm³ de sangue com um voluntário mais jovem. A troca de sangue prevenia problemas de perda de volume sanguíneo. Em seguida, várias medidas seriam tiradas para ver se havia qualquer mudança. A maioria dessas medidas, porém, tendia a ser subjetiva (como se o membro mais velho sentia-se melhor ou não) mas havia algumas coisas mais objetivas como pressão do sangue, pulsação, tônus muscular, capacidade pulmonar… Os relatórios entusiásticos, redigidos por testemunhas mais ou menos imparciais, descreviam como Bogdanov e a esposa pareciam cinco ou dez anos mais novos depois de algumas transfusões seguidas.
Bogdanov e seus colaboradores (ou entusiastas) nunca publicaram seus resultados, mas isso não importou para os políticos interessados em seu trabalho. Um deles era Leonid Krasin [1870-1926, tornou-se célebre por propor o Mausoléu de Lênin e tentar preservar o corpo do antigo líder criogenicamente]. Velho amigo de Bogdanov e nomeado Comissário do Povo para o Comércio Externo, Krasin decidiu tratar sua anemia com as transfusões sanguíneas do médico russo. A seu favor, podemos dizer que Bogdanov relutou em tratá-lo, sugerindo a Krasin que fosse buscar médicos mais especializados e experientes em Londres. Depois de consultar seus próprios livros sobre transfusão sanguínea, Bogdanov decidiu ir adiante, aplicando um tratamento aparentemente bem-sucedido em Krasin. A recuperação do comissário o levaria a ser nomeado embaixador na Grã-Bretanha em 1926 e daria um gás na reputação de médico milagroso entre os bolcheviques no poder. [Curiosamente, Krasin morreria alguns meses depois em Londres. No entanto, isso não parece ter afetado a imagem de Bogdanov]