IgNobel 2019: as pesquisas mais improváveis do ano

Baratas imantadas e fezes cúbicas dos vombates estão entre os agraciados pela 29ª edição do prêmio que faz rir e pensar

Diferente do que aconteceu no ano passado, não me atrasei muito para acompanhar a cerimônia mais irreverente da comunidade científica. Realizada na última quinta (12/09), no Teatro Sanders, Universidade Harvard, Estados Unidos da América, Planeta Terra, Sistema Solar, etc. a 29ª. primeira edição do IgNobel foi mais uma vez apresentada por Marc Abrahams, editor da Annals of Improbable Reasearch. Este ano o tema do evento — mas não necessariamente dos premiados — foram os Habits ou os maus-hábitos. Como acontece habitualmente com a palavra-chave de cada tema anual, toda vez que o termo Habit era mencionado, a plateia soltava vaias (o leitor poderá vaiar mentalmente toda vez que encontrar a palavra “hábito” neste texto).

Os maus-hábitos foram a estrela da Ópera Improvável, que fez um passeio por um museu de criaturas mal-comportadas, como o cara que coça a bunda, o que “limpa o salão”, gente que fala demais e gente que sempre diz não (a rima foi mais ou menos acidental). Por outro lado, os bons hábitos foram mantidos: as palestras 24/7, a presença de alguns laureados daquela premiação fajuta (o Nobel) e os dilúvios de aviõezinhos de papel. Caso você não tenha pulado esta introdução, merece saber quem foram os premiados deste ano, que receberam um troféu repleto de vícios.


MEDICINA

Italianos são famosos pela longevidade e a alimentação saudável — o que inclui o hábito de comer pizzas. Seria esta iguaria circular recheada de queijo derretido (e quase qualquer outra coisa) o segredo da saúde dos italianos? Pesquisadores da Itália e dos Países Baixos fizeram alguns estudos no começo dos anos 2000 e concluíram que sim, a pizza pode fazer bem à saúde e até impedir mortes — mas só se for feita na Itália! Representando o grupo ítalo-holandês, Silvano Gallus compareceu à cerimônia e fez um discurso em inglês bem macarrônico. Além de ser o primeiro a receber o prêmio este ano, Gallus também foi o primeiro a ter seu agradecimento interrompido pela Sweety Poo, a doce garotinha de 8 anos que acaba com qualquer coisa que a deixe entediada.

Referências
Silvano Gallus et. al. Does Pizza Protect Against Cancer? International Journal of Cancer, vol. 107, no. 2, November 1, 2003, pp. 283-284.

Gallus et. al. Pizza and Risk of Acute Myocardial Infarction. European Journal of Clinical Nutrition, vol. 58, no. 11, November 2004, pp. 1543-1546.

Gallus et. al. Pizza Consumption and the Risk of Breast, Ovarian and Prostate Cancer. European Journal of Cancer Prevention, vol. 15, no. 1, February 2006, pp. 74-76.


EDUCAÇÃO

Técnicas de ensino cirúrgico costumam envolver apenas a demonstração: os alunos habitualmente assistem a uma operação (in vivo ou post mortem) e depois têm de fazer o que foi observado. O problema é que isso não funciona muito bem com as intervenções que exigem maior precisão, como as cirurgias ortopédicas. Como alternativa, Karen Pryor e Theresa McKeon (EUA) propõem o uso de uma técnica de treinamento usada com animais. Chamado de clicker training, esse método consiste no uso de um aparelhinho que faz cliques em intervalos regulares e é capaz de modificar hábitos. Graças a esse mecanismo de aprendizado operante, segundo as pesquisadoras, os futuros cirurgiões aprendem a fazer incisões sem passar do ponto. Em vez do habitual discurso, Pryor participou da Ópera Improvável.

Referência

Karen W. Pryor et. al. Is Teaching Simple Surgical Skills Using an Operant Learning Program More Effective Than Teaching by Demonstration? Clinical Orthopaedics and Related Research, vol. 474, no. 4, April 2016, pp. 945–955.


BIOLOGIA

Assustadora para uns, nojenta para outros, a barata tem fama de ser um inseto quase invencível. Para estudar as propriedades biomagnéticas desse bicho, pesquisadores da Alemanha, Austrália, Bulgária, China, Cingapura, Estados Unidos e Polônia uniram seus esforços. O resultado pode parecer óbvio: conforme estejam vivas ou mortas, as baratas imantadas comportam-se de modo diferente. Só que esse óbvio é contra-intuitivo: são as baratas mortas que ficam magnetizadas por mais tempo — tanto que, conforme demonstrado em vídeo, as bichinhas podem até ser usadas como ímã de geladeira. Tomasz Paterek, Herbert Crepaz e Rainer Dumke foram os representantes da equipe multinacional.

Referência
Paterek et. al. In-Vivo Biomagnetic Characterisation of the American Cockroach. Scientific Reports, vol. 8, no. 1, 2018: 5140.


ANATOMIA

Passar o dia todo andando pra cima e pra baixo, entregando correspondências e encomendas debaixo de chuva, sol, gelo e neve torna a vida dos carteiros franceses um saco. Com esses hábitos, como fica o saco desses trabalhadores postais? Para estudar a saúde genital dos carteiros da França, Roger Mieusset e Bourras Bengoudifa realizaram medições que detectaram uma assimetria na temperatura escrotal. Além de examinar a variação termal do saco de carteiros uniformizados, Mieusset e Bengoudifa também fizeram medidas em trabalhadores postais nus. Infelizmente os dois pesquisadores, cujos nomes são bem cômicos, não foram receber seus 10 trilhões de dólares (zimbabuanos). Felizmente, eles foram representados por entregador da Amazon que apareceu com um discurso empacotado com trocadilhos infames.

Referência
Bourras Bengoudifa e Roger Mieusset. Thermal Asymmetry of the Human Scrotum. Human Reproduction, vol. 22, no. 8, 2007, pp. 2178-2182.


QUÍMICA

Crianças pequenas costumam produzir muita saliva, bastante saliva, uma inundação de saliva. Mas quanta saliva, exatamente, uma criança de 5 anos produz a cada dia? Essa foi a pergunta feita por Shigeru Watanabe há cerca de 25 anos. Como químicos também têm crianças, Watanabe não teve dificuldade de achar cobaias e usou os próprios filhos para fazer uma estimativa experimental do volume salivar infantil. Agraciado com o prêmio, Watanabe-san levou ao palco seus filhos, já adultos. Junta, a família retomou o velho hábito experimental e fez uma breve demonstração da técnica — que envolve bananas, copos e uma pequena balança. Ao ser cortado pela Sweety Poo, o pesquisador japonês tentou comprá-la com sua parafernália — sem sucesso.

Referência
Shigeru Watanabe et. al. Estimation of the Total Saliva Volume Produced Per Day in Five-Year-Old Children. Archives of Oral Biology, vol. 40, no. 8, August 1995, pp. 781-782.


ENGENHARIA

Habitualmente, trocar fraldas é uma experiência frustrante, ainda mais para os homens. Sendo assim, não é surpresa que alguns inventores tenham tentado fazer uma máquina para automatizar essa tarefa parental. Um desses inventores foi o iraniano Iman Farahbakhsh, que recebeu uma patente (bem patética, aliás) nos EUA no ano passado por uma “máquina trocadora de fralda para uso em infantes humanos”. É uma pena que Farahbakhsh não tenha comparecido ao palco do IgNobel — por questões diplomáticas ou por falta de bom-humor? —, onde certamente teria o espaço que merece para expor seu invento.

Referência
“Infant Washer and Diaper-Changer Apparatus and Method,” US patent 10034582, granted to Iman Farahbakhsh, July 31, 2018.


ECONOMIA

Quando criança, ouvia dizer que sempre devemos lavar as mãos após mexer em dinheiro porque o dinheiro, por mais limpo que pareça, é sujo. Faz sentido: notas de papel-moeda passam de mão em mão antes de chegar ao nosso bolso e podem acumular uma considerável colônia de bactérias. Como não existe um único dinheiro no mundo, alguma moeda deve ter o hábito de transmitir mais micro-organismos. Por isso, pesquisadores da Turquia, Holanda e Alemanha analisaram as granas que correm pela Europa e concluíram que os dinheiros mais sujos são o Leu (da Romênia), o dólar (EUA) e o Euro. No palco, Andreas Voss e Timothy Voss — que são pai, filho e 2/3 da equipe responsável pela pesquisa biomonetária — fizeram algumas trocas: ganharam 10 trilhões de dólares (do Zimbábue) e tentaram dar alguns trocados para não ser interrompidos pela Sweety Poo.

Referência
Habip Gedik, Timothy A. Voss e Andreas Voss. Money and Transmission of Bacteria. Antimicrobial Resistance and Infection Control, vol. 2, no. 2, 2013.


PAZ

Poucas coisas são tão universalmente reconhecidas entre humanos (e provavelmente entre outros animais) do que o bem-estar proveniente de uma boa coçada em qualquer ponto do corpo assolado por um comichão. Pode ser difícil medir quanto prazer sentimos com um hábito, ainda mais de algo tão passageiro quanto uma coceira. Ainda assim, pesquisadores da Arábia Saudita, Cingapura, EUA e Reino Unido fizeram um levantamento psicofísico e topográfico do alívio dermatológico causado pelo atrito com o próprio corpo. Numa mensagem de vídeo pré-gravada, Francis McGlone deu uma pequena explicação, destacando quais partes são mais sensíveis a esse tipo de estímulo.

Referência
G.A. bin Saif et. al. The Pleasurability of Scratching an Itch: A Psychophysical and Topographical Assessment. British Journal of Dermatology, vol. 166, no. 5, 2012, pp. 981-985.


PSICOLOGIA

Nos últimos anos, as pesquisas psicológicas tem enfrentado um problema de replicabilidade. Isso quer dizer que a descoberta de um comportamento ou hábito feita num laboratório nem sempre se verifica quando o mesmo experimento é feito em outro laboratório. Ou em outra época. Esse é o caso de Franz Strack, que em 1988 publicou uma pesquisa onde demonstrava que sorrisos forçados — com o uso de uma caneta entre os dentes — poderiam deixar as pessoas mais felizes. Quase 20 anos mais tarde, Strack repetiu a experiência e encontrou o resultado oposto, publicando um artigo em que basicamente refuta a si mesmo.

Referências
Fritz Strack et. al. Inhibiting and facilitating conditions of the human smile: a nonobtrusive test of the facial feedback hypothesisJournal of Personality and Social Psychology, vol. 54, no. 5, 1988, pp. 768-777.
Fritz Strack. From Data to Truth in Psychological Science. A Personal PerspectiveFrontiers in Psychology, May 16, 2017.


FÍSICA

De todos os bichos estranhos da Austrália, o vombate é o que tem o hábito fecal mais esquisito. Parente menor dos cangurus, esse pequeno marsupial é figurinha carimbada em listas de curiosidades por defecar massas cúbicas. No ano passado uma equipe de cientistas da Austrália, EUA, Nova Zelândia, Reino Unido, Suécia e Taiwan descobriu como e por que o vombate caga quadrado. Depois de ganhar as manchetes em todo mundo, nada mais justo do que receber o IgNobel de Física deste ano. O grupo apareceu vestido a caráter, com fantasias de um vombate e suas fezes quadriláteras. Para Patricia Yang e David Hu, colaboradores desta pesquisa, não foi a primeira vez no palco do IgNobel: em 2015, os dois dividiram outro IgNobel de Física, por testar o princípio de que quase todos os mamíferos levam cerca de 21 segundos para esvaziar a bexiga.

Referência
Patricia J. Yang et. al. How Do Wombats Make Cubed Poo?, paper presented at the 71st Annual Meeting of the APS Division of Fluid Dynamics, Abstract: E19.0000, November 18–20, 2018.


Outros momentos habituais foram as palestras 24/7, que neste ano trataram de temas como Serendipidade, Teoria da Mente, Hábitos, Click Training, LHC, voto e verdade matemática. Eric Maskin (Nobel de Economia, 2007), Rich Roberts (Medicina, 1993) e Jerry Friedman (Física, 1990) mantiveram o hábito salutar de comparecer à cerimônia de premiação e tiveram a honra de sentar-se ao lado de Javier Morales (IgNobel de Química em 2009, por fazer diamantes com tequila), Deborah Anderson (IgN de Química, 2008, por testar a Coca-Cola como espermicida) e Kazutaka Kurihawa e Koji Tsukada (IgN de Acústica, 2012, por inventar um aparelho que distorce a fala humana). Além de distribuir prêmios e apertos de mão, os nobelizados exploraram o Museu dos Maus Hábitos numa participação especial no último ato do número musical. Como quero evitar a fadiga o que para alguns é um mau hábito, não vou dar spoilers sobre a Ópera, que pode ser vista ao longo da cerimônia contida no vídeo a seguir (em inglês, of course):

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