Capítulo 13

Pandemia acelera produção e acesso a preprints

p.98-102

Checagem de Fatos ou dos excessos de desinformação e tentativas de combatê-la

17 de abril de 2020
Germana Fernandes Barata

_______

Revisão: Érica Mariosa Moreira Carneiro e Maurílio Bonora Junior
Edição e arte: Carolina Frandsen P. Costa

Cães e gatos podem transmitir o COVID-19?”; “Descoberto anticorpos com ação eficaz contra o novo coronavírus”; “Droga contra HIV tem ação animadora contra SARS-CoV-2”. Estas são algumas notícias que devem ter chegado a você, todas baseadas em artigos ainda sem avaliação por especialistas. São os chamados preprints, que são disponibilizados para acelerar o acesso à informação científica, o intercâmbio e as chances de a ciência achar respostas rápidas contra o novo coronavírus.

Semana epidemiológica #16

Média móvel de novos casos no Brasil, na ocasião de publicação deste texto

96 óbitos registrados no dia (2.173 ao todo)

No Brasil, a pandemia mobilizou editores de revistas científicas a disponibilizarem, o quanto antes, artigos relacionados ao COVID-19. A urgência do atual momento é incoerente com o período médio de 6 meses (sendo otimista) para que um artigo seja submetido, avaliado e publicado.

Pensando nisso e atendendo uma demanda de editores científicos, a SciELO (Biblioteca Científica Eletrônica Online) acaba de lançar seu repositório, que já conta com 10 preprints submetidos pelos próprios autores. E, em breve, a Associação Brasileira de Editores Científicos (Abec) e o Instituto Brasileiro de Informação de Ciência e Tecnologia (Ibict) lançarão a EmeRI (Emerging Research Information), plataforma de preprints com o diferencial de ser alimentada por editores, com o aval dos autores.

“Muitas revistas do Brasil e de países hispano-lusófonos não têm condições de manter cada um seu repositório de preprints. Além disso, a dispersão dessa alternativa seria enorme e os trabalhos difíceis de serem recuperados”, descreveu um dos idealizadores do repositório, Piotr Trzesniak, Secretário-Geral da Abec e professor da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).

Elaborado a partir de dados de Rxivist Trending Open Science, 2021. Disponível em: https://rxivist.org/stats

O impacto de preprints no discurso e na tomada de decisão da referente à atual pandemia de COVID-19 sugere que temos que repensar como recompensamos e reconhecemos as contribuições da comunidade científica durante a atual e futura crise da saúde pública.

Ritmo frenético

Dentre as plataformas mais importantes de preprints estão o BioRxiv e o MedRxiv, voltados para as áreas de ciências biológicas e medicina, respectivamente e que juntos já disponibilizam mais de 1.700 preprints sobre a COVID-19 ou o vírus SARS-CoV-2. Em março deste ano, o BioRxiv bateu recorde de publicações (3.037 submetidas) e de downloads (mais de 3 milhões), desde que o repositório foi criado em novembro de 2013. Essa frutífera fonte de informação científica foi também a fonte das notícias que abrem esta matéria.

Com a facilidade de acesso online, jornalistas de ciência, generalistas ou comunicadores que cobrem a pandemia, encontram ali pesquisas que trazem pistas, tratamentos potenciais e respostas para o grave momento em que vivemos. Mas essa agilidade vem atrelada à maior chance de erros, fraudes e pesquisas de baixa qualidade.

De acordo com o editor da revista centenária de medicina tropical Memórias do Instituto Oswaldo Cruz, Adeilton Alves Brandão, o momento de urgência por informações científica demanda processos éticos mais ágeis, e cuidados que todo cientista – e jornalista – deveria tomar diante de qualquer: “duvidar e verificar”.

Adeilton critica o fato de, frequentemente, a mídia consultar os autores de preprints ou mesmo de artigos para comentar sua própria pesquisa. “Isto não oferece perspectiva interessante de análise, pois há conflito de interesses (nenhum pesquisador jamais apresentará as limitações de seu próprio trabalho!)”, enfatiza.

“A ciência é um aliado importante dos tomadores de decisão, em primeiro lugar, e da sociedade de um modo geral, pois é a única atividade que gera dados, evidências baseadas (idealmente!) no conceito de que serão sempre postos à prova, questionados, criticados”, afirma o editor científico da Memórias. Apesar da aparente contradição, ele explica que faz parte do próprio processo de construção do conhecimento científica que a robustez de dados seja posta à prova através de questionamentos e contraprovas que possam diminuir as incertezas.

 

Impacto dos preprints

Uma análise, que acaba de ser publicada no Quantitative Science Studies, demonstra que os preprints geram mais citações para os artigos depois de publicados em revistas científicas, do que artigos que não tiveram preprints disponibilizados.

A explicação, segundo artigo liderado por Nicholas Fraser do Leibniz Information Centre for Economics e co-autores, é que muitos cientistas citam preprints em seus trabalhos. A análise, verificou que os artigos ainda sem revisão por pares também são amplamente citados no Twitter e em blogs, o que pode influenciar na divulgação, visibilidade e consequente aumento nas citações.

Talvez esses resultados sejam um importante chamariz para convencer autores e editores sobre a importância dos preprints. Mais importante que citações (sempre!) é a agilidade, a transparência e o acesso aberto às pesquisas científicas em andamento. A atual urgência deverá deixar importantes legados para cientistas e jornalistas.

Tão rápida quanto a velocidade de publicação dos preprints são a reação e olhar crítico e as reação de especialistas. Especialistas já colocam em dúvida os resultados, ainda preliminares, do preprint sobre a infecção de cães e gatos pelo novo coronavírus. “Precisa de uma quantidade significativa de trabalho extra antes que [os resultados] sejam interpretados como evidência de infecção pelo [vírus] SARS-CoV-2. Como está, [o preprint] deve ser melhor visto como um texto opinativo”, avaliou Mick Bailey, professor de imunologia comparativa da Universidade de Bristol, sobre o preprint para o Science Media Centre.

“O impacto de preprints no discurso e na tomada de decisão da referente à atual pandemia de COVID-19 sugere que temos que repensar como recompensamos e reconhecemos as contribuições da comunidade científica durante a atual e futura crise da saúde pública”, sugerem Maimuna Majumder, Kenneth Mandl da Faculdade de Medicina de Harvard em artigo para a revista The Lancet

Nota da autora:

Este artigo foi produzido dentro das atividades da Oficina de Jornalismo Científico II do curso de Especialização em Jornalismo Científico do Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo (Labjor)/Nudecri, da Unicamp.

PARA SABER MAIS 

 

  1. Bailey, Mick. Expert reaction to a study looking at susceptibility of pets to the COVID-19 virus (SARS-CoV-2). Science Media Centre, 2020. Disponível em: https://www.sciencemediacentre.org/expert-reaction-to-a-study-looking-at-susceptibility-of-pets-to-the-covid-19-virus-sars-cov-2/
  2. Barata, Germana. Mudanças à frente em direção ao acesso aberto de revistas científicas. Blogs de Ciência da Unicamp, Disponível em: https://www.blogs.unicamp.br/cienciaemrevista/2017/01/09/acesso-aberto/
  3. Fraser, Nicholas, Fakhri Momeni, Philipp Mayr, and Isabella Peters. The relationship between bioRxiv preprints, citations and altmetrics. Quantitative Science Studies 1, no. 2, 618-638, 2020. Disponível em: https://doi.org/10.1162/qss_a_00043
  4. Majumder, Maimuna S., and Kenneth D. Mandl. “Early in the epidemic: impact of preprints on global discourse about COVID-19 transmissibility.” The Lancet Global Health 8, no. 5: e627-e630, 2020. Disponível em: https://doi.org/10.1016/S2214-109X(20)30113-3
  5. Rocha, Leandro. Adesão ao acesso aberto é chave no acesso a informações científicas sobre Covid-19. ABEC Brasil, Disponível em: https://www.abecbrasil.org.br/novo/2020/03/adesao-ao-acesso-aberto-e-chave-no-acesso-a-informacoes-cientificas-sobre-covid-19/
  6. Rxivist Trending Open Science, 2021. Disponível em: https://rxivist.org/stats

A desinformação azeda sobre o limão na COVID-19

A simples ingestão de um ou outro alimento poderia nos tornar imune ao coronavírus? Apesar de estranhas, tenho presenciado situações e recebido mensagens diversas sobre o pH dos alimentos e sobre diversos produtos que as pessoas têm utilizado em substituição ao álcool em gel. 

Como a desinformação tem atrapalhado nossa resposta à COVID-19

A notícia de que o Brasil atingiu, nesta semana, o segundo lugar de país com maior número de contaminados de COVID-19, tornando-se o novo epicentro da doença, mostra que estamos falhando miseravelmente no controle da pandemia. Uma avalanche de notícias e informações falsas tem nos distraído e dividido bem no momento crucial em que deveríamos focar todas as nossas energias no combate ao vírus.

Como se produz um resultado científico e o que isto tem a ver com a COVID-19?

Vocês já tiveram a impressão de que a ciência é uma bagunça esquisita? Uma hora lemos que o café faz mal, noutro momento, o café salva nossos corações… O chocolate então? Passa de vilão para herói ano sim, ano não… tudo isso faz com que a ciência, os resultados e conhecimentos científicos muitas vezes sejam desacreditados.

Corrigindo boatos de forma estratégica

Você não aguenta mais receber Fake News no grupo da família? Já cansou de corrigir os mesmos boatos toda semana? Pois você não está sozinho. Desde que os primeiros casos de COVID-19 começaram a ser registrados, os potenciais riscos das desinformações deixaram de ser assunto para pequenos grupos de cientistas e invadiram o dia a dia de boa parte da sociedade.

COVID-19 e o negacionismo

Enquanto a COVID-19 faz milhares de vítimas fatais pelo mundo e as autoridades em saúde pública orientam o isolamento social como método mais eficaz de contenção de sua disseminação, parte da sociedade assiste, estarrecida, ao discurso de políticos que seguem negando os fatos com foco na recuperação da economia, mesmo ao custo de “algumas” vidas. Veiculados como gesto em prol do trabalhador, conceitos formulados por Noam Chomsky e Antonio Gramsci mostram que o discurso negacionista tem outros beneficiários.

COVID-19 e os riscos da modernidade: modernização como causa e como consequência

Na sociologia contemporânea, principalmente na obra de Ulrich Beck, as pandemias já eram identificadas como um dos principais riscos da modernização. O caso atual da CO-VID-19 veio para confirmar isso, e mais que isso, é fácil identificar como o processo de modernização aparece como causa, mas também como consequência da pandemia. O difícil é vislumbrar quais serão os impactos das mudanças nos processos sociais no período pós-pandemia

Os 7 tipos de Fake News sobre a COVID-19

Conforme escrevi no capítulo 10, “A COVID-19 e o negacionismo”, há dois meses, a pandemia trouxe consigo a necessidade de estancar a disseminação de falsas informações a respeito dessa terrível doença. Neste sentido, o presente texto pretende analisar e classificar os tipos de desinformação que circulam relacionados à COVID-19 e indicar um roteiro de perguntas básicas que você deve fazer antes de acreditar e/ou compartilhar informações, que vale tanto para o Coronavírus quanto para as demais Fake News sobre saúde (que circulam desde sempre).

Pandemia acelera produção e acesso a preprints

“Cães e gatos podem transmitir o COVID-19?”; “Descoberto anticorpos com ação eficaz contra o novo coronavírus”; “Droga contra HIV tem ação animadora contra SARS-CoV-2”. Estas são algumas notícias que devem ter chegado a você, todas baseadas em artigos ainda sem avaliação por especialistas. São os chamados preprints, que são disponibilizados para acelerar o acesso à informação científica, o intercâmbio e as chances de a ciência achar respostas rápidas contra o novo coronavírus.

Por que você não deveria argumentar com radicais – o efeito “Backfire

Sabe aquela vez que você topou, nas redes sociais ou fora delas, com uma pessoa muito convicta defendendo algo que você tinha certeza de que estava errado? Pode ter sido um antivacina, um terraplanista, um negacionista da pandemia ou um apoiador ferrenho de algum político, daqueles dispostos a defender qualquer bobagem ou mentira que seu ídolo tenha dito.