Mudanças à frente em direção ao acesso aberto de revistas científicas

Por Germana Barata

Para iniciar 2017, o blog Ciência em Revista dará destaque não apenas à ciência publicada em revistas brasileiras e latino-americanas, mas também àquelas no qual o acesso aos conteúdos é aberto, ou seja, gratuito para o leitor. Esperamos, sobretudo num mar revolto para a ciência brasileira, que possamos destacar os debates e artigos interessantes para nosso público.

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“The storm on the sea of Galilee”, Rembrandt (1633). Crédito: Wikipedia

Os ventos continuam mudando para as revistas científicas, sobretudo graças à comunicação online e às redes sociais que continuam transformando nossa forma de comunicar. De um lado o movimento pró abertura, compartilhamento, colaborações de conteúdos e informações científicas e, de outro, a pressão por uma produtividade crescente e a supervalorização dos indicadores de impacto dessa produção,  que favorece as revistas internacionais (de língua inglesa) e de editoras comerciais.

Nesse cenário, a publicação em acesso aberto (gratuito para os leitores) ganha credibilidade e espaço. A grande onda de otimismo veio com o anúncio da Comissão Europeia dentro das metas do Horizon 2020, que toda pesquisa financiada com dinheiro público deve ser publicada em acesso aberto até 2020.

No final do ano passado, o Open Journal System (OJS), software que facilita a editoração e submissão online de artigos de revistas em acesso aberto completou 15 anos passando a marca de 2.8 milhões de itens publicados em mais de 8 mil revistas com ao menos 10 artigos. A iniciativa, gerida pelo Public Knowledge Project (PKP), foi criada em 1998 por John Willinsky da Universidade British Columbia, no Canadá. O software foi traduzido para 35 línguas, sendo que no Brasil, a versão em português foi adotada em 2003 e batizada de Sistema Eletrônico de Editoração de Revistas (SEER). Com o lançamento de versão 3.0, em agosto passado, a expectativa é que o OJS seja mais amigável aos usuários e, portanto, atraia novos adeptos ao acesso aberto (AA).

Apesar das críticas em relação ao crescimento das revistas de acesso aberto, sobretudo relativas à lista Beall de revistas predatórias de 2017, que chega a 1155 revistas – um crescimento de 25% em relação ao ano anterior!! –, os indexadores ou repositórios tem respondido com critérios de seleção mais rigorosos. Este foi o caso do Diretório de Revistas em Acesso Aberto (DOAJ, na sigla em inglês), que hoje possui 9.463 revistas de acesso aberto indexadas – das quais mais de 10% são brasileiras –, contra as quase 11 mil no início de 2016.

Animação mostra crescimento da adoção do sistema OJS no mundo com destaque para o Brasil. Crédito: PKP/SFU

Brasil na contramão?

Apesar do Brasil ser considerado modelo na publicação em acesso aberto, o país tem perdido boas revistas para as grandes editoras comerciais com a promessa de alavancar a visibilidade, a qualidade editorial e as tão almejadas citações. Dentre alguns exemplos importantes está a revista Brazilian Journal of Physics da Sociedade Brasileira de Física – área que publica fortemente em acesso aberto – e a revista Brazilian Journal of Science and Technology que foram para a Springer, respectivamente em 2011 e 2014, a Journal of Venomous Animals and Toxins Including Tropical Diseases, da Unesp, que foi para a BioMed Central, editora de acesso aberto que pertence à Springer, e o Jornal de Pediatria que foi para a Elsevier em 2013, apesar de permanecer com acesso aberto.

Fato é que, as revistas brasileiras tem enfrentado o corte de verbas e o aumento nos custos de editoração. Soma-se à isso uma política científica nacional que aponta para a direção oposta, ou seja, valoriza os artigos publicados em revistas internacionais (sobretudo de língua inglesa), muitas das quais de acesso fechado e pertencentes a editoras comerciais, ou então em revistas melhor classificadas no Sistema Qualis Periódicos, que mantém as revistas estrangeiras no topo da classificação. “É praticamente impossível que periódicos do Brasil adquiram altos níveis de prestígio internacional sem indução e dependentes da submissão voluntária de manuscritos de qualidade dos programas de pós-graduação”, afirmou Abel Packer, director da SciELO em postagem para o blog do SciELO em dezembro passado.

O resultado disso é que tem crescido a produção de artigos em acesso fechado no país, segundo dados que Packer apresentou durante o IX Workshop da Associação Brasileira de Editores Científicos (ABEC) em novembro passado. Em 2011, eram 84% de artigos em acesso aberto de autores brasileiros no Web of Science (importante base indexadora de revistas internacionais) e, em 2015, somaram 62%.

Essas são questões de constante debate na comunidade brasileira, a exemplo da VI Reunião Anual do SciELO Brasil, em dezembro, e do IX Workshop da Associação Brasileira de Editores Científicos (ABEC) em novembro passado. Neste último, Amy Beisel, gerente de parcerias estratégicas da American Journal Experts (AJE), apresentou dados importantes sobre fatos e mitos sobre as revistas científicas de acesso aberto, entre eles a errada visão de que lhes falta avaliação por pares e qualidade.

Amy afirmou que o AA está em pleno crescimento no mundo. As grandes editoras comerciais já entenderam que precisam expandir a oferta deste tipo de publicação. A favor delas, a credibilidade e a visibilidade que garante atrair citações e, portanto, bons autores e artigos. Assim, pouco mais de 50% das grandes editoras oferecem a opção de se publicar em acesso aberto, porém as taxas de publicação são muito mais elevadas e poucos autores estão dispostos a isso lembrou Amy. Por outro lado, apenas 26% das revistas indexadas no DOAJ em 2011 cobravam alguma taxa de publicação.

Valorização do acesso para todos

É provável que nos próximos anos acompanharemos um boom nas taxas de publicação em revistas de acesso aberto (a chamada via dourada), como forma de cobrir o custo de editoração, como tem sido observado em algumas revistas brasileiras. Lembrando que parte importante do acesso aos artigos científicos indexados no SciELO, cerca de 50%, é feito por leitores não especialistas, como afirmou Juan Pablo Alperin, professor assistente da Universidade Simon Fraser, ligado ao projeto PKP, no evento da Abec, citado acima. Ou seja, há aí uma relevância do papel pedagógico e público das revistas de acesso aberto que precisa ser identificado.

Talvez no horizonte à frente ainda enfrentemos um mar revolto que vai deixar muitas revistas brasileiras à deriva enquanto outras vão encontrar lastros com mudanças editoriais, profissionalização e buscas por outras fontes de renda. As políticas científicas nacionais, no entanto, precisarão valorizar as publicações em acesso aberto – como o fez  a União Europeia – bem como as brasileiras que tem conseguido se internacionalizar e as de relevância nacional. Como diz o ditado popular “mar calmo nunca fez bom marinheiro”.

Assista à animação que resume algumas das importantes questões sobre o acesso aberto. Infelizmente apenas em inglês…

Animação sobre importantes questões do acesso aberto. em inglês. Crédito: Piled Higher and Deeper (PHD Comics)

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