Capítulo 23

Qual a relação entre Naruto, anticorpos e tratamento de COVID-19?

p.163-167

A COVID-19 por dentro do corpo: imunidade, tratamentos e saúde

 

2 de março de 2021
Alexandre Borin Pereira

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Revisão: Maurílio Bonora Junior
Edição: Érica Mariosa Moreira Carneiro
Arte: Alexandre Borin Pereira

Provavelmente você já deve ter ouvido falar sobre o mangá e anime “Naruto”, de 2007. Na história, o ninja adolescente enfrenta diversos vilões com o sonho de se tornar o líder da aldeia em que vive. Se você conhece um pouco da história, com certeza já viu o “Jutsu Clone das Sombras”, em que o Naruto cria diversas cópias de si mesmo para combater um inimigo.  Mas o que isso tem a ver com COVID-19?

Semana epidemiológica #109

Média móvel de novos casos no Brasil, na ocasião de publicação deste texto

1.721 óbitos registrados no dia (257.728 ao todo)

Nosso sistema imune possui diferentes tipos de células e, dentre elas, os linfócitos B. Essas células são capazes de produzir um tipo de molécula, chamada de anticorpo, que se liga a corpos estranhos que invadem nosso organismo. Por exemplo, podemos produzir anticorpos contra o pólen das flores, vírus e bactérias. Porém, a nossa produção de anticorpos naturais acontece através de vários linfócitos B diferentes, sendo chamada de resposta policlonal. Com o objetivo de simular a resposta natural do nosso organismo, mas de maneira mais direcionada e eficiente, a ciência desenvolveu uma maneira de criar clones específicos, assim como o Naruto, para combater agentes agressores no nosso corpo: anticorpos monoclonais.

Naruto e os Clones (2007). Imagem de Masashi Kishimoto

Os anticorpos monoclonais são feitos em laboratório e conseguem se ligar a lugares específicos do agente causador da doença. Isto é, com o objetivo de “imitar” uma resposta que nosso corpo teria contra ela, por exemplo a COVID-19. Os anticorpos monoclonais têm surgido como uma classe nova de remédios e já são utilizados para tratar alguns tumores e doenças autoimunes, como a esclerose múltipla.

Esses anticorpos são produzidos através de um linfócito B diferenciado, chamado de plasmócito. Cada plasmócito é um clone, e esse clone irá produzir um único tipo de anticorpo, que é chamado de anticorpo monoclonal. Em um laboratório, é possível identificar qual é a especificidade desse anticorpo e se ele será útil para um tratamento ou não.

Com o objetivo de simular a resposta natural do nosso organismo, mas de maneira mais direcionada e eficiente, a ciência desenvolveu uma maneira de criar clones específicos, assim como o Naruto, para combater agentes agressores no nosso corpo: anticorpos monoclonais.

Mas como é possível criar um clone para o que eu quero?

Essa técnica foi descrita pela primeira vez por Georges Kohler e Cesar Milstein em 1975. Primeiro, é necessário infec­tar um animal com o patógeno (vírus ou bactéria da doença que estamos estudando), normalmente um camundongo. Este processo é chamado de imunização. Depois disso, pega­mos as células B (plasmócitos) desse camundongo e provo­camos a junção dessas células com células tumorais, através de um processo chamado de fusão, igualzinho a fusão que acontece em Dragon Ball. Veja a figura abaixo:

Produção de anticorpos monoclonais. Elaborado por Alexandre Borin Pereira no site Biorender.com (adaptado para vertical)

Essa fusão é importante, pois células tumorais têm uma capacidade de se dividir muito rápido. Dessa forma, ajudará o plasmócito a criar mais clones. Se a fusão funciona, essas células passam a ser chamadas de hibridomas. Cada hibri­doma produzirá apenas um tipo de anticorpo.

Esses anticorpos são testados para saber se são específi­cos ou não, e, se a resposta for positiva, nós multiplicamos esse clone. Assim como o Naruto, essas células são capazes de criar muitas cópias de si mesmas e a produção de anticorpos passa a ser tão grande que é possível tratar os pacientes. 

 

Os anticorpos monoclonais e a COVID-19

 Recentemente, a FDA (Food and Drug Administration) autorizou o uso de dois anticorpos monoclonais como forma de tratamento emergencial, o bamlanivimab e o etesevimab em casos de COVID-19 leve e moderada de adultos e crianças, incluindo pacientes com comorbidades. As duas moléculas agem especificamente na proteína Spike, ou espinho, do SARS-CoV-2, impedindo que o vírus infecte as células humanas. Em um estudo clínico, esses anticorpos foram capazes de reduzir tanto a hospitalização, quanto a taxa de mortalidade de pacientes quando comparado com o grupo placebo (que não recebeu o tratamento). 

Diferentemente dos anticorpos monoclonais, as vacinas fornecem uma proteção mais longa, mas demoram mais para gerar essa proteção, já que o corpo precisa gerar a resposta imune. Neste momento, em que precisamos de respostas rápidas, o uso desse tipo de tratamento é muito importante, já que ele oferece uma proteção “instantânea” e que pode durar de semanas até meses.  

O distanciamento físico e social, uso correto de máscaras, cuidados extras em ambientes fechados e mal ventilados e tratamentos cientificamente comprovados, associados com uma campanha de vacinação efetiva são as principais chaves para o fim dessa pandemia! 

PARA SABER MAIS 

 

Antibiótico contra vírus? O curioso caso da azitromicina contra a COVID-19

Diversas combinações de medicamentos estão compondo o chamado “Kit COVID-19”. Presença quase constante no “Kit COVID-19”, um antimicrobiano utilizado para infecções bacterianas chama atenção: a azitromicina… O que ela está fazendo ali? Existe alguma base científica para essa indicação? Quais seriam as possíveis consequências do seu uso?

Casos assintomáticos e a transmissão da COVID-19

Os casos assintomáticos são um grande problema quando falamos em combater a pandemia do novo coronavírus, que já infectou mais de 20 milhões e matou quase 600 mil pessoas no Brasil. Aquelas pessoas que têm sido chamadas de “assintomáticas” são um complicador a mais, pois elas são as transmissoras silenciosas do vírus. Mesmo sem qualquer sintoma, ainda são capazes de transmiti-lo.

Como é que um vírus que ataca o sistema respiratório, causa danos no cérebro?

Quando a pandemia pelo novo coronavírus começou, foi um caos mundial para todos, principalmente para os profissionais da área da saúde. Assim, ninguém sabia nada sobre o novo coronavírus e nem como realizar a melhor conduta médica para essa nova doença. Desde o início da pandemia, as evidências já demonstravam que o SARS-CoV-2 não era apenas uma gripe comum. Isto é, ela logo foi com­preendida como uma nova doença com características incomuns e singulares. Um dos aspectos mais intrigantes do novo coronavírus é o número de sistemas do corpo que o vírus pode afetar.

Covid-19: um exército invisível combatendo a doença!

Muito se sabe já sobre as principais células do sistema imune que trabalham para combater diferentes tipos de ameaças, desde vírus e bactérias, até fungos e vermes. Mas, a partir disso, surge a grande dúvida: e no caso do SARS-CoV-2, como combatemos ele?

Deus, hidroxicloroquina e unicórnios: é impossível demonstrar um negativo?

Quem está habituado à discussão teológica está familiarizado com a afirmação de que seria “impossível demonstrar uma negativa”.
Ela é rotineiramente usada por crentes e apologetas para argumentar que, “segundo a lógica”, é impossível dizer que Deus não existe, mesmo na total ausência de evidências da sua existência. Logo, se você crê em Deus por fé apenas (sem evidência), você não estaria sendo irracional ou iló­gico.

Meu teste deu positivo. E agora? Entendendo a sensibilidade e a especificidade dos testes diagnósticos

A simples ingestão de um ou outro alimento poderia nos tornar imune ao coronavírus? Apesar de estranhas, tenho presenciado situações e recebido mensagens diversas sobre o pH dos alimentos e sobre diversos produtos que as pessoas têm utilizado em substituição ao álcool em gel. 

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Sistema imune é infectado pelo SARS-CoV-2 de maneira similar ao HIV

Estudo de pesquisadores ligados à Força Tarefa da Unicamp mostra que a SARS-CoV-2 infecta células do sistema imune de forma similar ao HIV. Entender o mecanismo de infecção do SARS-CoV-2 é essencial para buscar formas de comba-ter o vírus. Nesse sentido, um grupo de pesquisadores da Unicamp, de diferentes laboratórios, uniram-se para en-tender como o sistema imune humano é afetado pela infec-ção decorrente do novo coronavírus. O estudo acabou de ser publicado na forma de preprint.