Capítulo 32
Como divulgar informações de prevenção do COVID-19 se a língua de seu país não é a sua?p.238-242
25 de março de 2020
Érica Mariosa Moreira Carneiro e Pedro Henrique Mariosa
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Revisão: José Felipe Teixeira da Silva Santos
Edição: Ana de Medeiros Arnt
Arte: Carolina Frandsen P. Costa
Partindo do ideal de que a divulgação científica, ainda mais neste momento da pandemia do COVID-19, deve chegar a TODOS, responda com sinceridade, divulgador científico: Seu material foi pensado para TODOS os brasileiros?
Semana epidemiológica #13
Média móvel de novos casos no Brasil, na ocasião de publicação deste texto
12 óbitos registrados no dia (59 ao todo)
Pensando nessa questão, a Profa. Dra. Taciana de Carvalho Coutinho da Universidade Federal do Amazonas (UFAM) , em Benjamin Constant, no Norte do país, se propôs a desenvolver junto de seus alunos, materiais de divulgação científica sobre a COVID-19 para as comunidades indígenas da região.
“Todos os meus alunos de iniciação científica são indígenas… A universidade possui mais de 50% de alunos indígenas de 8 etnias presentes” comenta Taciana.
De acordo com o Censo 2010, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), no território nacional existem 274 línguas indígenas, e dos 130 mil indígenas apenas 6 mil falam o português, além da língua mãe. Desses 130 mil, 46 mil indivíduos falam a língua Ticuna, do Amazonas.
A região de fronteira do Alto Solimões encontra-se em posição estratégica no país, na tríplice fronteira Brasil – Colômbia – Peru, e é a porta de entrada para a circulação de pessoas e produtos provindos do pacífico, de países da América do Sul, Central e do Norte. São três as principais cidades da fronteira no Amazonas, banhadas pelos rios Solimões e Javari: Atalaia do Norte, Benjamin Constant e Tabatinga, sendo esta última cidade gêmea de Letícia na Colômbia, em uma fronteira física quase inexistente. Quase, pois hoje encontra-se fechada por conta da COVID-19. Tabatinga também faz fronteira com Santa Rosa no Peru e Benjamin Constant com a Islândia, também Peru. A população das três cidades juntas ultrapassa os 100 mil habitantes e, contando com as cidades em conexão, esse número pode chegar a 300 mil habitantes.
Hoje, Taciana cedeu um pouco do seu tempo de quarentena para nos contar mais sobre esse trabalho.
Confira abaixo a entrevista:
A
Profa. como surgiu a ideia de preparar esse material de divulgação científica na língua mãe dos seus alunos?
TACIANA COUTINHO A ideia surgiu a partir da carta que fizemos como agradecimento pelos produtos de agricultura, caça e pesca que nos disponibilizam e da conscientização da importância deles ficarem nas comunidades nesse momento.
Nós temos, em sala de aula, muitos alunos indígenas, de 8 etnias diferentes. E era importante pensar em como fazer um trabalho de alerta para que esses alunos e outros indígenas não saiam de suas comunidades, uma vez que eles vem até a cidade para vender a sua produção de alimentos.
Optamos por disponibilizar materiais na língua Ticuna, traduzido pelos próprios alunos e distribuído pela Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) e a Fundação Nacional do Índio (FUNAI), além de uma campanha muito forte para que os – não indígenas – não entrem nas comunidades, devido à vulnerabilidade de saúde e à dificuldade de acesso atendimento hospitalar.
Para se ter uma ideia, ao lado de Tabatinga (cidade próxima a Benjamin Constant) existem mais de 7 mil indígenas. Imagina se o vírus chega até eles! Seria catastrófico, a região não tem condições hospitalares, não existe, inclusive uma articulação política para esses atendimentos.
Muitos deles vivem da caça, da pesca e da agricultura que são vendidos na cidade, assim ficam vulneráveis. A ideia era conscientizá-los que fiquem em suas comunidades.
Quais os desafios e a realidade de estar em uma sala de aula com alunos que não possuem o português como língua mãe?
TACIANA COUTINHO Trabalhar com essa diversidade sociocultural é bem complexo. Somos preparados na vida acadêmica a lidar com ciência pura e aplicada, uma vez que sou bióloga, com mestrado em genética e doutorado em recursos naturais. E a princípio, ao chegar em sala de aula, há insistência em algo mecânico. É preciso abrir a cabeça e perceber que nessa região as coisas são diferentes.
Não é possível cobrar do meu aluno um português exemplar, uma vez que ele foi alfabetizado na língua de origem. Tenho alunos Ticunas que falam sua língua de origem muito bem mas pouco escrevem, tenho alunos que leem e escrevem muito bem o português mas não escrevem em ticuna ou já até perderam a fala de origem, além das outras etnias indígenas presentes na região.
Vem daí a dificuldade de produzir esse mesmo material em outras línguas.
Tendo todos os alunos indígenas me fez pensar em como, eu como profissional, poderia ajudar a buscarem e perceberem que eles são protagonistas da sua realidade.
Normalmente, eles são muito pesquisados, mas eles também são pesquisadores, vão a suas comunidades e estudam sobre sua cultura, sua diversidade, seu artesanato, suas lideranças, sua identidade. É importante mostrar que eles podem dentro da universidade pesquisarem sobre sua própria comunidade. E isso foi importante para essa aproximação das necessidades dessa região.
Como foi preparado o material?
TACIANA COUTINHO Se você observar, as frases foram pensadas para serem simples mas possuem sua simbologia. As crianças e os idosos representam a nova geração e a geração que detém o conhecimento tradicional. Isso é muito importante.
Na imagem está o Sr. Pedro Inácio, que foi um grande líder do povo Ticuna, foi o homem que lutou pela organização social da comunidade, então ele possui uma forte representatividade para o povo.
Não só as frases, mas as imagens também não foram escolhidas ao acaso, essas imagens fazem parte do cotidiano deles, a ideia é também trabalhar com essa sensibilização.
Download Gratuito:
Cartilha sobre COVID 19 em língua Ticuna 2020
“Fiquem nas comunidades”.
O material foi produzido pelos alunos:
- Sandrinha Inácio Clemente
- Comunidade Indígena Novo Porto Lima
- Monique Inácio Clemente
- Comunidade Indígena Novo Porto Lima
- Nilson Fernandes Agostinho
- Comunidade Filadélfia üütchigüne
- Isanildo Moçambite de Souza
- Comunidade Bom Caminho
- Edney Firmino Santos
- Comunidade Vila Independente de SPO
Com a orientação da Profa Dra Taciana de Carvalho Coutinho e ajuda na tradução Edivania Luciano Fidélis – Comunidade de Filadélfia BC/AM. ■