Quando eu crescer, quero ser churrasqueiro!

Desde que a minha filha mais velha nasceu, há 10 anos atrás, eu passei a ter o privilégio de estar frequentemente rodeada por crianças: primos, coleguinhas de escola, garotada da vizinhança… Nessas ocasiões, uma das minhas maiores diversões é fazer perguntas incomuns a eles, tais como: “Estou com vontade de ler um livro, você tem algum para me indicar?”, “Estou um pouco entediada porque não descobri nada novo essa semana, você descobriu alguma coisa que pudesse dividir comigo?”.

As respostas nuncam me decepcionam e sempre tornam meu dia mais feliz.

Existe porém uma pergunta (a mais sem graça de todas, devo admitir) cuja resposta sempre me deixa inquieta. Estou falando da clássica pergunta: o que você gostaria de ser quando crescer?

A minha inquietação vem do fato que nos últimos 10 anos conheci futuros jogadores de futebol, bombeiros, cantores e cantoras, modelos de revista, médicos, professores, crianças que almejavam ser mãe, crianças que almejavam ser pai, soldados, policiais, super-heróis e heroínas, detetives, guitarristas, artistas, jornalistas e até um garoto simpático que queria ser churrasqueiro, pois adorava carne, ele dizia.

Porém, nunca tive a oportunidade de conhecer futuros cientistas… Ok, eu já admiti que essa pergunta é sem graça prá caramba e eu sei que para a maioria das crianças a palavra “cientista” é um “palavrão” abstrato. Mas, pensando bem, será que isso não é mesmo um grande problema? Principalmente para um país como o Brasil?

Incentivando a busca pelo conhecimento científico desde a infância

Nas primeiras décadas do século 19 a educação científica formal para jovens não era algo comum ou amplamente disseminado. Àquela época viveu um gigante cientista que, apesar da origem humilde e de ter interrompido seus estudos aos 13 anos de idade, foi responsável por inúmeros estudos em eletricidade e magnetismo, cujas conclusões possibilitaram o desenvolvimento do mundo moderno e suas tecnologias avançadas.

Por Alexander Blaikley (1816 – 1903) [domínio público], via Wikimedia Commons
Considerando sua própria história e ciente da importância dos estudos científicos para a sociedade, em 1825 Michael Faraday deu a primeira “Palestra de Natal” da Royal Institution; um espetáculo científico, totalmente dedicado ao público infantil, no período típico de férias escolares no hemisfério Norte. Desde 1825, as Palestras de Natal são oferecidas todos os anos (tendo sido interrompidas apenas durante os anos de guerra, entre 1939 e 1942, quando era considerado perigoso levar as crianças até Londres). Atualmente, as Palestras de Natal da Royal Society são também transmitidas pela TV britânica, facilidade tecnológica que repousa sobre os alicerces científicos construídos por Faraday.

Coincidência ou não, a Grã-Bretanha, uma ilha com território quarenta vezes menor que o brasileiro e aproximadamente um quarto de nossa população, tem um número de patentes depositadas anualmente aproximadamente 50% maior que o Brasil.*

Brasileiros “desconfiam” que Ciência seja importante, mas não interagem com ela

Em 2015, o Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE) e o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) divulgaram os resultados da Pesquisa de Percepção Pública de Ciência e Tecnologia no Brasil.

Segundo a pesquisa, a maioria dos brasileiros,  73% dos entrevistados, carrega a intuição que Ciência & Tecnologia trazem benefícios à humanidade. Adicionalmente, 61% dizem ter interesse neste tema.

No entanto, surpreendentes 87.2% dos entrevistados não foi capaz de se lembrar do nome de alguma instituição que se dedique a fazer pesquisa científica no país. O resultado é ainda pior para a faixa etária dos 16 aos 18 anos, em que 96% dos entrevistados não soube nomear nenhuma instituição científica brasileira. **

Pausa na leitura! Pense rápido no nome de um grande cientista brasileiro!

Se você não chegou à uma resposta em menos de 10 segundos, não fique envergonhado. Dentre os entrevistados da pesquisa, 93.3% disseram não lembrar do nome de algum cientista brasileiro importante. Mais uma vez, o resultado entre os jovens de 16 a 18 anos foi pior: 98% dos entrevistados afirma não se lembrar de nenhuma personalidade da ciência brasileira, ainda que talvez sejam capazes de recitar escalações inteiras de times de futebol do Brasil e do exterior.

Um outro dado interessante da pesquisa, talvez jogue um pouco de luz sobre a minha inquietação de nunca ter encontrado um aspirante a cientista. A maioria dos entrevistados, acima de 73%, não visitou nenhum zoológico, museu científico, ou feira de ciências no último ano. Em bom português, infelizmente, as crianças brasileiras não têm tido a oportunidade de brincarem com a ciência.

Faça parte da revolução!

A importância da Ciência em nossas vidas pode não ser óbvia mas, na realidade, o exercício contrário é mais difícil: tentar imaginar algo em nossas vidas que não tenha o impacto da Ciência.

Do alimento que seus filhos comem ao preço do etanol no posto de combustível, a Ciência sempre está lá. Da falta de água que vimos enfrentando nos últimos anos ao número de infectados pela Dengue, a ausência da Ciência pode ser catastrófica. Estar informado sobre as políticas públicas de Ciência e Tecnologia é importante não porque elas impactam diretamente a perspectiva futura da riqueza do país mas porque ela, primordialmente, impacta a SUA vida.

É possível que você esteja lendo este post de maneira totalmente descompromissada e talvez não tenha notado que está sendo convocado para iniciar uma revolução: a de contribuirmos para a formação de um exército de crianças e jovens interessados nas áreas de ciências e tecnologia.

A boa notícia é que não precisa ser um especialista para promover esta revolução e você é uma parte importante dela. Quer saber como? Não mude de estação!


*O número de patentes geradas por um país é uma das métricas que avaliam sua capacidade de transformar investimentos em ciência em riqueza econômica para o país.

** Esses dados me fazem lembrar do jovem que, durante a UPA (“Unicamp de Portas Abertas”), me confessou que não sabia que a Unicamp era algo mais que seu Hospital das Clínicas (o HC, como é conhecido na cidade). Outro me perguntou quanto tinha que pagar para estudar na Unicamp.

Paula D. Paro Costa

Cientista desde o nascimento, Engenheira e Professora da Faculdade de Engenharia Elétrica e de Computação, na Unicamp. Atua nas áreas de processamento digital de imagens, aprendizado de máquina, ciência dos dados e computação afetiva. Nas horas vagas, trabalha para que crianças e jovens tenham contato com as áreas de ciências, engenharia e tecnologia.

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