Pelos nossos olhos: relatos e reflexões durante a quarentena – parte 2

Publicado por Juliana Aguilera Lobo em

Espaço de trabalho com computador, caderno de notas e caneca.

Negative Space via Pexels. Creative Commons.

Na semana passada, o Ciência Pelos Olhos Delas publicou a primeira parte de uma série de dois posts com relatos e reflexões feitas por nossa equipe durante a quarentena imposta pelo contexto da pandemia do novo coronavírus. Confira a segunda e última parte abaixo:

Relatos e reflexões da equipe do Ciência Pelos Olhos Delas durante a quarentena

Giovana Veronezi

A Giovana é formada em Ciências Biológicas e Mestra em Biologia Celular pela UNICAMP. Em 2016, ela aceitou o convite da Marina, que já era sua amiga e colega de laboratório, para ser colaboradora do blog.

Em 2017 ela se mudou para Denver (EUA), para trabalhar como assistente de pesquisa na Universidade do Colorado. Atualmente, ela é aluna de Doutorado em Biologia Molecular pela mesma instituição e seus interesses de pesquisa são relacionados ao entendimento do funcionamento da célula, mais particularmente como o DNA se organiza dentro do núcleo e é “ligado” e “desligado” por mecanismos chamados epigenéticos. 

Giovana no laboratório onde realiza seu doutorado na Universidade do Colorado em Denver (EUA). Arquivo pessoal.
Giovana no laboratório onde trabalhou como assistente de pesquisa na Universidade do Colorado em Denver (EUA). Arquivo pessoal.

Em fevereiro deste ano, quando as notícias sobre o novo coronavírus se tornavam mais frequentes, a Gi estava no processo seletivo de um programa de doutorado em Nova Iorque. Nos trechos abaixo, ela relata como o início da pandemia mudou sua rotina de vida no Colorado:

“Março trouxe a primeira ação da universidade em fechar o campus e nos colocar em trabalho remoto. No meu laboratório, fizemos um planejamento de todo o trabalho que poderia ser feito de casa nesse período – primariamente análises de resultados de experimentos e escrita de artigo para publicação – e as comunicações passaram a ser exclusivamente online.

Outras pessoas ao meu redor, como meu namorado, não tiveram a opção de trabalhar de casa por serem considerados trabalhadores essenciais – e não necessariamente com medidas protetivas dos funcionários no início.

Eu estava com a passagem comprada para retornar ao Brasil em julho e verdadeiramente acreditava que até lá a situação estaria resolvida e poderia ir visitar normalmente minha família. Lembro de comentar que ‘se não passar até lá estamos perdidos’ (risos) e não preciso dizer que a viagem acabou sendo cancelada. 

As medidas que inicialmente seriam por poucas semanas foram progressivamente sendo estendidas para um mês, dois… o estado decretou o ‘shelter in place’, que permitia às pessoas sair apenas para funções essenciais como ida ao supermercado e/ou farmácia.” 

Durante a quarentena, para ajudar a controlar a ansiedade, a Gi tomou a decisão de não ficar lendo sobre o vírus, a doença, e o aumento exponencial no número de casos. Mas ela conta que começou a mudar de ideia quando decidimos fazer um especial sobre epidemias e pandemias atuais e passadas no blog: 

Não só comecei a fazer as pazes com as informações, como entrei em contato com o trabalho de muitos outros divulgadores científicos, fortalecendo a minha percepção de como a atividade de comunicar ciência é essencial.”

Seis meses após o primeiro caso de COVID-19 registrado no Colorado, o estado e a universidade passaram por etapas de flexibilização na retomada das atividades, como a reabertura de bares e restaurantes, o início do semestre com aulas online e o acesso aos laboratórios no campus.

“Agora, como aluna de doutorado, estou de volta em casa. As aulas estão sendo online e logo volto a frequentar os laboratórios no campus novamente, caso as medidas de abertura do campus se mantenham. Apesar de cumprirem sua função, sinto que as videoaulas não têm favorecido o lado social de conhecer novas pessoas e fazer amizades.

Em geral, esta tem sido uma experiência solitária, de medo, frustração, preocupação e nenhum plano. A sensação é de que enquanto o tempo passa rápido demais, não passa rápido o suficiente. Enquanto isso, esperamos por dias melhores não só no controle da pandemia mas também como sociedade, incluindo maior valorização e suporte para a ciência e para as mulheres no meio científico.”

Juliana Lobo

A Juliana é Bacharela em Relações Internacionais pela Unesp Franca e, desde 2018, é aluna especial (sem vínculo formal à universidade) de disciplinas da graduação em Ciências Sociais no IFCH – Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da UNICAMP.

A Ju planeja prestar mestrado e desenvolver seu projeto de pesquisa na área de Ciência Política e é a representante das ciências humanas e sociais do blog.

No momento, ela pesquisa, de forma independente, a atuação recente de movimentos feministas na Argentina e no Brasil em tópicos relacionados aos direitos reprodutivos das mulheres e de pessoas com capacidade de gestar. No começo de 2019 ela se tornou colaboradora no blog para exercitar dois de seus interesses: a divulgação científica e a escrita.

Juliana no jardim da casa onde vive em Campinas (SP). Arquivo pessoal.
Juliana no jardim da casa onde vive em Campinas (SP). Arquivo pessoal.

No início de março, a UNICAMP suspendeu as atividades nos campi devido à pandemia. Posteriormente, no final de junho, a instituição interrompeu as atividades presenciais por tempo indeterminado.

As aulas passaram então a ser transmitidas online e a Ju nos conta abaixo como foi essa mudança para ela, que já trabalhava de casa, em esquema home office, como redatora freelancer: 

“Ter aulas em formato EAD, via Google Meet, foi uma experiência nova para mim. Esse formato requer um foco dobrado, já que as distrações – estando em casa e logada na internet – são múltiplas, e, obviamente, as trocas entre docentes e discentes não ocorrem de forma tão orgânica quanto na sala de aula.

A minha percepção como aluna especial do IFCH é que o espaço de trocas presenciais faz muita falta. Para além do horário de aulas, tínhamos seminários, palestras e mesas de discussões que traziam trocas informais e intercâmbios de experiências entre a comunidade do Instituto.” 

Ela também afirma que a pandemia de COVID-19 reforçou a necessidade de iniciativas de divulgação científica no Brasil e que acompanhar esse trabalho, enquanto colaboradora do blog, especialmente durante o ciclo sobre epidemias, abriu seus olhos para a necessidade de se comunicar ciência de forma didática e acessível ao público. 

Apesar de a cidade de Campinas, onde a Ju mora, já estar na fase amarela, com maior flexibilização em relação a medidas protetivas, e com bares, restaurantes, shoppings e o comércio em geral funcionando, ela relata que ainda se sente aflita e ansiosa ao assistir ao noticiário local e ver aglomerações de pessoas. 

Para a Ju, a pandemia também trouxe reflexões sobre as questões de desigualdade da sociedade, e ela destaca: “as dinâmicas atuais de trabalho, a (des)valorização de algumas atividades em detrimento a outras, as longas jornadas, o transporte público lotado, e a falta de políticas públicas e/ou a insuficiência de iniciativas privadas que levem em conta as ou dêem conta das diferentes necessidades de todas as camadas da população tendo em vista o contexto imposto pela pandemia.”

Além dos problemas citados acima, ela acrescenta o fato de as atividades de cuidado terem recaído de forma desproporcional sobre as mulheres: 

“Desde o início da quarentena, produções acadêmicas e reportagens jornalísticas já trouxeram dados que mostram que as mulheres estão mais sobrecarregadas, sobretudo as mães – com as crianças em casa, essas mulheres passam mais horas durante a semana dedicadas ao trabalho doméstico e ao cuidado dos filhos, acarretando em jornadas duplas e triplas que impactam em suas vidas profissionais.”

Marina Felisbino

A Marina é bióloga, mestre e doutora em Biologia Celular pela UNICAMP. Após concluir o doutorado, ela e o marido, também cientista, decidiram ter a experiência de viver e de trabalhar no exterior.

Os dois conseguiram posições para trabalhar como pesquisadores na Universidade do Colorado em Denver (EUA), onde vivem desde 2017. Atualmente, ela faz seu pós doutorado na área de cardiologia.

A Ma é a idealizadora do Ciência pelos Olhos Delas e nos conta como surgiu a ideia do blog:

“Em junho de 2016, poucos meses antes de defender o doutorado, tive a oportunidade de fazer um curso de formação para produção de blog na recém inaugurada plataforma de blogs da Unicamp.

No momento que vi a chamada para o curso, já tinha a intenção de produzir um conteúdo que destacasse a participação das mulheres na ciência. Não conhecia nenhum conteúdo desse tipo e equidade de gênero sempre foi um dos meus grandes interesses. Queria enxergar a ciência pelos olhos que foram por tanto tempo preteridos. Assim surgiu o nome e o resto é história.”

Marina no laboratório onde trabalha na Universidade do Colorado, em Denver (EUA), um dia antes de seu filho Ben nascer em novembro de 2019. Arquivo pessoal.
Marina no laboratório onde trabalha na Universidade do Colorado, em Denver (EUA), um dia antes de seu filho Ben nascer em novembro de 2019. Arquivo pessoal.

Seu filho nasceu no final de 2019 e ela ainda estava de licença maternidade no começo de março, quando os casos de COVID-19 aumentavam em outros países: 

“Quando voltei ao trabalho, passei a ter maior dimensão sobre a (até então considerada) epidemia. As pessoas já falavam bastante sobre os casos na Ásia e na Europa e sobre os primeiros casos nos EUA. Ter como colegas de laboratório pessoas de diversas nacionalidades, incluindo chinesas e italianas, tornava tudo ainda mais real.

Após 1 semana, começamos a ter os primeiros casos confirmados no estado nas estações de ski. Algumas universidades pelo país já estavam fechadas e no final da semana seguinte, no dia 17 de março, a Universidade do Colorado fechou completamente.”

Durante esse período, apenas funcionários considerados essenciais tiveram acesso aos laboratórios de pesquisa para a manutenção de células e de animais de laboratório. Como a Ma não estava entre os funcionários essenciais, ela passou a trabalhar remotamente e nos relata como foi essa mudança na rotina de trabalho com um bebê em casa:

“O trabalho remoto com um bebê de poucos meses foi bastante desafiador. Eu e meu marido fizemos turnos opostos para os cuidados dele e dedicação ao trabalho, sendo que ainda estava dedicada à amamentação.” 

Ela também reafirma o sentimento que tivemos de produzir mais conteúdo de divulgação científica, que teve início com o ciclo temático sobre epidemias, em que trouxemos entrevistas com virologistas e estudamos a história de mulheres que foram fundamentais no combate de outras epidemias, e resultou na elaboração de um novo projeto:

“Sentimos também que mais e mais se falava sobre os impactos desiguais do isolamento social sobre a vida profissional de mulheres, principalmente as que tinham atividades de cuidado.

Resolvemos pesquisar mais a fundo esse assunto e lançamos um questionário que foi respondido por centenas de pessoas do mundo. Estamos na fase de encerramento da coleta de dados e início de sua análise, o que acreditamos que será muito interessante.” 

Ela conta que durante três meses a família manteve um isolamento social bastante rígido, em que só saiam de casa para fazer compras e para vacinar o filho. No fim de maio, as pesquisas na universidade começaram a ser retomadas, ao mesmo tempo em que aconteceu o processo de reabertura do estado. 

Enquanto alguns estabelecimentos retornaram às suas atividades, muitas escolas permaneceram fechadas – e isso, na opinião dela,, resultou numa sobrecarga de trabalho para as pessoas que são responsáveis pelas atividades de cuidado, sobretudo o cuidado de crianças. 

Além das mudanças relatadas acima, para a Ma a pandemia também trouxe outras reflexões:

“Eu acredito que a vida após essa experiência coletiva definitivamente não será a mesma. Em termos profissionais, acredito que tecnologias para encontros virtuais e trabalho remoto vieram para ficar, e que muitas pessoas que tenham a possibilidade talvez optem pelo trabalho remoto mesmo após o fim do distanciamento social.

Acredito também que esse período veio para escancarar as diferenças de gênero que ainda existem em nossa sociedade e espero que toda a discussão levantada renda frutos de melhora. 

Em nível individual, venho refletindo sobre tempo de vida dedicado ao trabalho, sobre a casa, o morar e a vida nas grandes cidades.” 

Em comum, nossos relatos trazem as mudanças nas nossas rotinas nos âmbitos pessoal e profissional, misturadas às ansiedades e preocupações que surgiram durante a quarentena no contexto da pandemia. 

As desigualdades sociais, de raça e de gênero foram ainda mais expostas ao longo desse período de isolamento social no mundo todo, reforçando o sentimento de que é necessário reavaliarmos e ressignificarmos a forma como temos vivido coletivamente. Somado a esse sentimento de mudança, acreditamos cada vez mais na importância da divulgação e da comunicação científica para o progresso e o avanço da sociedade.

Os relatos acima, escritos pelas integrantes do Ciência Pelos Olhos Delas, foram condensados e editados por Gabriela Mendes e Juliana Lobo. Este post passou pela revisão de toda a equipe do blog antes de ser publicado.


Juliana Aguilera Lobo

Graduada em Relações Internacionais pela UNESP Franca, atualmente é aluna especial no Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da UNICAMP. Realiza pesquisa nas áreas de Ciência Política e Estudos de Gênero e tem interesse em Divulgação Científica. É fascinada pelo céu estrelado desde que se entende por gente.

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