Ai, que raiva desse Jair Bolsonaro!

No último dia 1 de junho o deputado federal do PP-RJ, Jair Bolsonaro, foi protagonista de mais um episódio no mínimo inusitado. Durante a Marcha pela Família, que reuniu várias pessoas que protestavam contra o projeto de lei que propõe a criminalização da homofobia, o deputado jogou água em uma drag queen que “protestava” contra o protesto da Marcha pela Família. O deputado disse mais tarde que jogou a água para “acalmar” a drag queen.

Ler essas coisas me dá raiva. E tenho certeza que não estou sozinho nisso!

Sem entrar no mérito da notória imbecilidade do deputado Bolsonaro (lhe falta muito mais do que simples decoro parlamentar…), gosto de pensar nas consequências que esses acontecimentos (e seus respectivos sentimentos) têm no nosso processamento cognitivo. Porque a estratégia de disseminar um “ódio” contra homossexuais utilizada pelo deputado federal parece funcionar tão bem na difusão desses estereótipos, claramente infundados, sobre homossexualidade?

Quando avaliamos qualquer situação, se queremos evitar que estereótipos influenciem diretamente as nossas decisões e ações é preciso pensar um pouco. É preciso pensar na situação de maneira mais sistemática e menos heurística. Explico: imagine que você seja convidado para participar de uma comissão que vai decidir quem é o culpado por um crime de pedofilia. Um dos suspeitos do crime é homossexual. Antes de assumir que seja mais provável que o culpado seja o suspeito homossexual (um estereótipo que, apesar de pouco fundamentado, existe) é preciso analisar cautelosamente os fatos, as evidências, etc.

Essa avaliação mais cautelosa requer uma utilização maior do nosso sistema cognitivo, uma vez que ela exige integração de informação, concentração e destreza na assimilação do que é informação válida e do que não é. Estratégias mais heurísticas são por natureza mais “superficiais”. Elas geralmente são utilizadas quando o nosso sistema cognitivo requer respostas mais rápidas e que não podem se dar ao luxo de uma busca mais sistemática (e consequentemente mais demorada) de informações.

Mas o que isso tem haver com o “ódio” que Bolsonaro dissemina sobre a homossexualidade? Existe uma ampla gama de evidências científicas que mostram que as pessoas utilizam estratégias cognitivas mais heurísticas quando estão com raiva de alguma coisa. Uma manifestação evidente da utilização de estratégias heurísticas no meio social é quando julgamos alguma situação com base em informações superficiais, tais como estereótipos. O que essas pesquisas mostram é que quando estamos com raiva temos uma tendência muito maior em julgar as pessoas, grupos e suas ações com base nos estereótipos que temos em relação à essas pessoas e/ou grupos.

Quando Bolsonaro dissemina esse “ódio” contra homossexuais, ele está ao mesmo tempo comprometendo o sistema cognitivo dessas pessoas de maneira que qualquer estereótipo que existe sobre homossexuais será avaliado como informação primordialmente importante e suficientemente verdadeira. Vale ressaltar que isso acontece por que a raiva priva o nosso sistema cognitivo de maneira que qualquer fonte cognitiva que temos (e que seria necessariamente utilizada na sistematização das informações, concatenação das idéias, etc.) será seriamente comprometida.

Para não cair no risco de agir no mesmo nível de imbecilidade com o qual o deputado Bolsonaro parece levar sua vida, é preciso agir (e pensar) quando a raiva não toma conta do nosso sistema cognitivo. Eu sei que é difícil não ficar com raiva das atitudes de uma pessoa que, supostamente deveria estar representando de maneira respeitosa a democracia política. No entanto, devemos tentar.

Ainda bem que a minha raiva do deputado já havia passado quando resolvi escrever esse texto! 🙂

Referência:

Bodenhausen, Galen V., Sheppard, Lori A., & Kramer, Geoffrey P. (1994). Negative affect and social judgement: the differential impact of anger and sadness European Journal of Social Psychology, 24, 45-62 DOI: 10.1002/ejsp.2420240104

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