Quer trocar? Veja como a nossa cognição fabrica felicidade.

Vou começar postagem de hoje com uma pergunta sobre o seu futuro: se você pudesse escolher, qual dos dois futuros abaixo você escolheria para a sua vida?

(a) ganhar 3 milhões de reais na mega-sena acumulada.
(b) ficar paraplégico em cadeira de rodas para o resto da vida.
Tenho certeza que você pensou: “que pergunta é essa? Óbvio que prefiro a alternativa (a). Eu e 100% das pessoas que leêm o Cognando”.  Mas você já deve saber que, como psicólogo cognitivo, eu vou te perguntar: Por que? E você vai responder: “duh!!!!!! Simplesmente porque vou ser mais feliz ganhando na loteria do que ficando paraplégico”. Sim. Você e 100% dos leitores concordam que pessoas que ganham na loteria são, em média, mais felizes que pessoas que ficam paraplégicas. No entanto, para a nossa surpresa, existem dados mostrando que, um ano após de ganhar na loteria ou ficar paraplégico, as pessoas são igualmente felizes. Isso mesmo: em média, pessoas que ganham na loteria e pessoas que ficam paraplégicas, depois de um certo tempo, apresentam o mesmo grau de felicidade.
Esse tipo de “erro” da estimativa da nossa felicidade é um dos fenômenos que eu acho mais intrigante na cognição humana. É um fenômeno conhecido como impact bias, ou seja, temos a tendência de supervalorizar os nossos sentimentos com relação a eventos futuros. Isso acontece com a gente o tempo todo. Vou usar um exemplo muito mais comum no nosso dia-a-dia. Quando você entra para um relacionamento e se apaixona pela outra pessoa, você tende a achar que sua vida vai simplesmente desmoronar quando o relacionamento acabar. E o que na verdade acontece (e acontece sempre) é que após o término do relacionamento, o seu nível de felicidade é geralmente o mesmo de antes (às vezes até maior). E por que isso acontece?
Uma resposta que os psicólogos tem para isso é a idéia de que, assim como o nosso corpo tem um sistema imunológico que nos defende e sempre busca manter o nosso bem-estar, o nosso sistema cognitivo tem um sistema imunológico psicológico. Esse sistema nos defende das adversidades psicológicas (perda de amores, de dinheiro, traição, etc.) fazendo com que a gente mantenha um nível de bem-estar constante. É o que chamamos de felicidade sintética (em oposição à felicidade natural). Felicidade sintética é aquela que “fabricamos” quando uma adversidade ocorre.
Dan Gilbert, da Universidade de Harvard tem um estudo interessante mostrando esse efeito. O estudo original utiliza pinturas do Monet, mas para deixar a idéia mais clara (e mais interessante) vou  modificar utilizando fotos de pessoas. Imagine que eu mostre à uma garota a foto de seis homens (Jansen Atwood,  Keanu Reeves, Jon Bon Jovi, Wayne Virgo, Patrick Demsey e André Souza) e peça a ela para colocá-las em ordem de preferência. Eis a ordem que ela escolhe:
1 – Patrick Demsey
2 – Jansen Atwood
3 – Wayne Virgo
4 – Jon Bon Jovi
5 – Keanu Reeves
6 – André Souza (eu já sabia!)
Após isso, eu falo com ela assim: “olha, na verdade, eu vou te dar uma cópia dessas fotos, mas só tenho as fotos do Wayne Virgo e do Bon Jovi em estoque. Qual você vai querer?” Naturalmente, ela vai escolher a foto do Wayne Virgo, pois na ordem de preferência dela ele veio primeiro. Duas semanas depois, eu chamo essa mesma garota de volta ao laboratório e mostro à ela as mesmas seis fotos. Dessa vez, olhe a ordem que ela escolhe:
1 – Patrick Demsey
2 – Wayne Virgo
3 – Jansen Atwood
4 – Keanu Reeves
5 – Jon Bon Jovi
6 – André Souza
Basicamente o resultado diz: “a foto que eu escolhi é mesmo bem melhor, a que eu não escolhi é na verdade, ruim.” A adversidade de não poder ter escolhido uma das primeiras fotos foi compensada. Em outras palavras, o sistema imunológico psicológico “cria” uma preferência pelo que temos e o que não temos mais passa a ser ruim. Esse é um mecanismo comum nos seres humanos: o seu atual namorado (José) é muito melhor que seu ex-namorado (Carlos). E se você voltar para o Carlos, ele vai passar a ser melhor que o José. Para o seu sistema cognitivo, você sempre tem o melhor.
Mas o mais interessante não é isso: quando temos a opção de escolher aquilo que vai acontecer, é quando somos mais infelizes (apesar de intuitivamente pensarmos que seja diferente). Eu explico: Imagine que a C&A ofereça aos consumidores a oportunidade de trocar um produto após a compra, caso o consumidor não goste do produto. Já a Renner não oferece essa oportunidade: uma vez que você comprou, não pode mais trocar. Em qual loja você preferiria comprar? A grande maioria das pessoas tende a escolher a C&A. E se eu te perguntar: Comprando em qual das lojas você acha que vai ficar mais feliz com o produto? As pessoas também tendem a pensar que comprando na C&A elas ficarão mais felizes, pois caso não gostem, elas podem simplesmente trocar o produto.
O que de fato acontece é que as pessoas ficam significativamente mais insatisfeitas quando há a possibilidade da troca do que quando não há. O próprio Dan Gilbert tem uma série de estudos mostrando isso. Em outras palavras, sem saber, as pessoas preferem uma situação que as deixarão insatisfeitas à uma situação em que não há escolha. Quando não há a possibilidade de troca, o seu sistema imunológico psicológico vai buscar te fazer feliz com o que tem. E esse sistema só age quando não temos outra opção.
E por que isso acontece? Bom a explicação é longa e merece uma outra postagem só para ela. Mas para adiantar (e aguçar a curiosidade): esse efeito tem haver com a nossa tendência a explicar e buscar causas para as nossas adversidades. Uma vez que encontramos ‘uma causa’ para o término do nosso relacionamento, ou uma ‘causa’ para o emprego que perdemos, o nosso sistema cognitivo nos diz: “tá vendo? não há com que se preocupar”, e acabamos ficando mais satisfeitos com a situação que temos (e a achamos melhor que o que tínhamos no passado).
É uma característica cognitiva natural e implícita (ocorre mesmo quando não temos consciência). Muitas vezes o problema está nas “causas” que atribuímos às adversidades, às vezes colocando a culpa em causas externas, ou mesmo negligenciando a nossa própria culpa na criação da adversidade. Isso pode criar outros problemas para o nosso sistema cognitivo lidar.
Só sei que no final das contas, o André ficou por último. Segundo a Natielle, é coisa de gente de Peixes! 🙂 Eu acho que é outra coisa!
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Referência:

Gilbert, D. (2002). The Future Is Now: Temporal Correction in Affective Forecasting Organizational Behavior and Human Decision Processes, 88 (1), 430-444 DOI: 10.1006/obhd.2001.2982

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12 respostas para Quer trocar? Veja como a nossa cognição fabrica felicidade.

  1. Natielle Brant disse:

    >A minha ordem na verdade seria:1 Patrick2 Keanu3 André4 Jensen5 Wayne6 JON NADA "BON" JOVINa verdade nao faço ideia de quem sao o numero 4 e 5, mas eu sei que tenho tara com o Mc dreamy, acho keanu o maximo e vc é meu amigo....e quanto ao bon jovi eu odeio ele tanto que mesmo que vc me mostrasse 6 fotos dele, ele ainda ficaria no 6o

  2. André L. Souza disse:

    >Oba... na segunda chamada eu iria pra segundo!!! (I suppose... hahahah)

  3. Clarice L. disse:

    >Muito bom esse post! Excelente!Eu, pessoalmente, acho que os últimos são sempre os primeiros :-).

  4. André L. Souza disse:

    >Obrigado, Clarice!Nunca sei se o que escrevo é claro o suficiente, mas no fundo, "o que não sei dizer é mais importante do que o que eu digo"A.

  5. Marcus Vinicius Alves disse:

    >Muito interessante. Será que esse 'sistema de imunidade cognitiva' está relacionado com as teorias de Festinger sobre a dissonância cognitiva? Só lembrava delas o tempo todo.

  6. André L. Souza disse:

    >Oi Marcus, em um nível bem fundamental, esse processo cognitivo está sim ligado à idéia básica do Leon sobre a dissonância cognitiva. Elas se relacionam, acredito eu, pois ambas abordam essa noção de cognitive disturbance quando nosso sistema cognitivo não consegue acomodar e relacionar eventos e fatos.Não conheço nenhum trabalho que tenha explorado essa relação de maneira explícita/empírica. Seria algo interessante de se ver.Valeu pela visita! 🙂

  7. alemdoreflexo disse:

    >Oi André. Também pensei sobre a teoria da dissonância cognitiva quando estava lendo.Parabéns pelo post,muito legal. E ficarei esperando o prometido post sobre a explicação.att,Júlia

  8. Helmo disse:

    Ótimo blog, conheci através do do JovemNerd que você participou, também sou fascinado por psicologia cognitiva, todas as matérias que você escreve são muito interessantes, eu estou pensando em criar um blog também, que enfoque os temas psicologia e informática/internet, hoje lendo seus artigos fiquei muito empolgado para isso. Está de parabéns, já sou leitor assíduo do Cognando.

  9. Gabi disse:

    Então, aquela velha frase "me arrependo daquilo que não fiz" está em parte correta, já que se fizer ou não algo, seu nível de felicidade será constante... Estou sendo muito determinística?

  10. Gustavo disse:

    Nossa, que conteúdo mais muito interessante. Gostei!

  11. Pingback: A crise dos sete anos… Adeus! | Cognando

  12. Rafael disse:

    Bem interessante mesmo. Parabéns pelo conteúdo!

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