Sexualidade na Infância: Uma entrevista com Sarah McKenney

Existe muita gente bonita nesse mundo. Não é a toa que o número de modelos parece só crescer: cada dia vemos uma modelo diferente na TV, nas revistas e nos outdoors. Recentemente a revista Vogue — um dos principais veículos da moda mundial — divulgou algumas fotos super sexy de uma modelo que rapidamente se tornou a sensação do momento: Thylane Blondeau. O sucesso de Thylane, no entanto, não está relacionado apenas à beleza e à sexualização de suas fotos. A atenção em torno de Thylane se deve ao fato de que ela tem apenas 10 anos de idade. Isso mesmo! 10 anos de idade.

Obviamente, a polêmica acerca do assunto se espalhou rapidamente. E tem de tudo. Algumas pessoas concordaram com as fotos dizendo que elas não passam de uma demonstração de arte e da valorização da beleza da criança. Outras pessoas acharam um absurdo, dizendo que esse tipo de representação de crianças é ruim e traz sérias consequências tanto sociais quanto psicológicas para o desenvolvimento da criança. Estou com o segundo grupo.
No dia 15 de Agosto, Sarah McKenney, uma pesquisadora do Gender and Racial Attitudes Lab na Universidade do Texas em Austin, publicou um texto bem interessante sobre o assunto. No seu texto, publicado no blog Sociological Images, Sarah fala um pouco das consequências que esse tipo de representação traz para a formação da identidade da criança. Ela apresenta uma distinção interessante entre “sexualidade” e “sexualização” e discute um pouco das consequências — negativas — que a sexualização da criança traz para o seu desenvolvimento (ex.: desordens alimentares, baixa auto-estima, etc.).
Como não sou nenhum expert no assunto mas reconheço a importância de uma discussão menos superficial sobre o assunto, resolvi fazer algo um pouco diferente para essa postagem: Fiz uma pequena entrevista com a Sarah McKenney. Vamos ver o que ela tem a dizer sobre o assunto.
No seu texto, você fala sobre “sexualidade” e “sexualização” como duas idéias distintas. Qual é a diferença básica entre esses dois termos?
Sim, são dois termos distintos. Em termos básicos, sexualização está ligado à idéia de aparência, ao passo que sexualidade tem a ver com comportamentos, desejos e crenças. Quando uma garota, por exemplo, é sexualizada, ao invés de se preocupar com suas crenças e comportamentos, ela se preocupa mais em parecer “sexy” e desejada. Basicamente garotas sexualizadas querem que as outras pessoas as achem “gostosas”. Nesse sentido, as fotos de Thylane Blondeau são fotos sexualizadas, pois certamente ninguém que vê a foto se importa com suas crenças e seus desejos, mas apenas a vêem como “uma menina sexy de 10 anos de idade”. Sexualidade está relacionado com nossas crenças sobre sexo, nosso papel em uma relação sexual, valores, etc.
Mas nesse sentindo, como podemos falar em sexualidade em uma garota de 10 anos de idade? Elas podem, já nessa idade, pensar em sexo?
Eu acho que elas podem. Eu não vejo nada demais em crianças dessa idade pensar sobre sexo. Isso não quer dizer, obviamente, que elas devam praticar qualquer tipo de atividade sexual. Mas não vejo nada de errado com crianças que pensam sobre sexo. O erro e o problema estão quando elas começam a relacionar os conceitos que elas têm sobre sexo com a idéia de que elas precisam “parecer gostosas” e desejadas para ter uma relação sexual. Isso sim é problemático.
Que tipo de evidência existe de que sexualização é algo ruim para a criança?
Existe muita evidência. A Associação Americana de Psicologia fez recentemente uma revisão de literatura bem completa sobre o assunto. Eles fizeram o levantamento de uma lista de aspectos negativos que estão supostamente correlacionados com o tipo de sexualização presente na mídia. Alguns desses estudos, por exemplo, mostram que quando adolescentes são expostas a imagens sexualizadas de modelos — as modelos esqueléticas que sempre aparecem no catálogo da Victoria Secret, por exemplo — essas adolescentes tendem a criar uma visão mais negativa do próprio corpo, tendem a perder um pouco da auto-estima e desenvolvem uma série de outros problemas. Outras pesquisas têm tentado mostrar as consequências negativas que a internalização de tais crenças trazem. Por exemplo, a professora Rebecca Bigler e eu estamos desenvolvendo algumas pesquisas onde investigamos em que medida garotas em idade escolar já têm internalizada a idéia de que elas precisam sempre parecer bonitas e gostosas para outras pessoas. Para isso, criamos uma medida que acessa o grau de sexualização dessas crianças — fazemos perguntas do tipo “é importante para você que os garotos te achem bonita?” ou “você faria uma cirurgia plástica apenas para ficar mais bonita para os garotos?” Ainda não temos todos os resultados conclusivos, mas o que temos encontrado é que existe uma correlação negativa muito grande entre o grau de sexualização e outras medidas, tais como performance escolar, satisfação pessoal, etc. Essa internalização afeta até mesmo o comportamento dessas crianças, pois elas passam a se vestir de maneira que elas possam ser vistas e desejadas pelas outras pessoas. A preocupação fica toda na imagem.
E os garotos? Existe alguma pesquisa mostrando o papel dos garotos nessa história?
Sim, existe. Estamos começando a investir nesse tipo de pesquisa também aqui no nosso laboratório. A crença comum de garotos de que a mulher deve ser uma figura sexy é igualmente problemática. Em um de nossos estudos —  um estudo longitudinal — estamos acessando, como antes, o grau de sexualização de garotas em idade escolar (começando aos 7 anos de idade), e estamos medimos em todas as crianças (meninos e meninas) o grau de aceitabilidade delas em relação as outras pessoas. Com esse estudo, poderemos verificar de uma forma mais sistemática em que medida os garotos tendem a preferir e aceitar as garotas mais sexualizadas em comparação às outras garotas.
Bom, por mais que a gente não queira, a mídia está cheia de imagens do tipo que a revista Vogue publicou. Qual deve ser a atitude dos pais nessa situação?

Você está certo. As crianças estão expostas à imagens sexualizadas o tempo todo. No entanto, é importante que os pais tenham regras claras com seus filhos. Regras acerca do tipo de roupa que eles devem ou não usar. Em uma de nossas pesquisas, por exemplo, nós mostramos que quanto mais “soltos” os pais de garotas são com relação ao tipo de roupa que elas usam, maior é a tendência de que elas se tornem mais sexualizadas. O papel dos pais é sim muito importante no que se refere ao estabelecimento de regras sobre o que pode e não pode fazer, usar, etc. Eles devem se preocupar até mesmo com o tipo de roupa que compram para suas filhas. Eu vi várias entrevistas com a mãe da Thylane e ela insiste em dizer que não vê problema nenhum nesse tipo de representação da filha dela. Eu acho isso problemático.
Eu acredito que muito pais achem difícil encontrar a linha entre respeito e autoritarismo. Como agir para respeitar a vontade da criança e ao mesmo tempo ditar as regras?
Isso é mesmo uma tarefa difícil. O importante é estabelecer regras e explicar o “porquê” delas. Diga quais roupas não podem ser usadas e explique por que elas não podem ser usadas. Dizer “não e pronto” é ruim, mas explicar para a sua filha que ela deve se respeitar e buscar o respeito de outras pessoas é essencial.
E os pais de garotos? Como eles devem agir?
Eu sempre digo que no fundo o importante mesmo é ensinar seu filho a respeitar o outro. Os pais de garotos devem ensiná-los que garotas não devem ser tratadas como objetos ou apenas um pedaço de carne. É importante que eles aprendam a respeitar os sentimentos e crenças delas. É importante também que eles aprendam a valorizar outros aspectos da personalidade das garotas quando se interessam por elas. Muitas vezes, as garotas agem de maneira sexualizada simplesmente por que os garotos gostam assim. Parte do problema deve ser trabalhado com os garotos. Mas, no final das contas, o importante é ensinar seu filho sobre como respeitar os outros.

Sarah McKenney, desenvolve juntamente com a professora Rebecca Bigler várias pesquisas em psicologia do desenvolvimento com foco em fatores relacionados a gênero e raça. Se você quiser saber mais sobre as pesquisas da Sarah e do laboratório onde ela atua, basta enviar um email para ela: mckenney@mail.utexas.edu
Não se esqueça de seguir o Cognando no Twitter no Facebook, ou no Google+
Esta entrada foi publicada em Psicologia Cognitiva. Adicione o link permanente aos seus favoritos.

Uma resposta para Sexualidade na Infância: Uma entrevista com Sarah McKenney

  1. Bia disse:

    >André, realmente uma excelente abordagem, parabéns!Entrevista muito bacana!Sem dúvida essa criançada está com a sexualidade muito mais em evidência do que a nossa geração,por exemplo, e é preciso que os pais tenham ciência do dano psicológico que isso pode causar, desde o "simples" desejo de ser sexy até a erotização do corpo através de algumas danças, como o funk e o axé.Já estou divulgando o Cognando para todos!Bjs

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *