O “Efeito QWERTY” na versão da Psicologia Cognitiva.

Ontem eu estava conversando com uma amiga via bate-papo do Gmail quando ela me fez a seguinte pergunta: “André, você ainda escreve, assim, com lápis/caneta e papel?” Fiz cara de what??, mas logo entendi o que ela quis dizer. Na verdade, quase não escrevo mais. A maior parte da minha produção lingüística é, sem dúvidas, “digitada”. E isso é verdade para um tanto de gente. Com a proliferação absurda de smartphones, tablets e coisas do gênero, as interações se dão cada vez mais em meio virtual. Observe, por exemplo, a agilidade com a qual as pessoas geralmente digitam tanto no computador, quanto no celular (ou tablets).

Eu sou do tempo que se fazia aula de datilografia. Lembro de “datilografar” ASDFG, ÇLKJH umas 300 vezes (e sem olhar para as teclas). Quem usou máquinas de escrever (que por sinal é uma invenção simplesmente fantástica) sabe que, quando se digitava muito rápido, algumas letras se “engastalhavam” e era preciso separar essas letrinhas manualmente. Logo quando inventaram a máquina de escrever, a coisa era bem pior. As teclas eram organizadas de maneira alfabética o que facilitava (e muito) o engastalhamento das letras. Daí Remington, uma empresa que produzia máquinas de escrever, comprou um novo modelo de disposição das teclas que foi feito exatamente para separar aqueles pares de letras que ocorriam com muita frequência. Esse novo modelo de disposição das teclas é utilizado até hoje e é chamado de QWERTY (o nome vem das seis primeiras letras da primeira fileira de letras do seu teclado). Aposto que você parou a leitura só pra conferir… 🙂

Mas o que esse modelo QWERTY tem a ver com Psicologia Cognitiva? Bom, senta que lá vem a história: Daniel Casasanto e Kyle Jamin, quando estavam ainda no Instituto Max Planck de Psicolingüística, observaram que o modelo QWERTY é assimétrico e tem mais letras do lado esquerdo do que do lado direito. Assim, as chances de se “errar” ao digitar é muito maior do lado esquerdo do que do lado direito (mais letras, mais chances de acertar a letra que você não quer). E por isso, segundo eles, existe uma disfluência maior do lado esquerdo do teclado do que do lado direito do teclado. Existem vários estudos mostrando que informações processadas com menos fluência são vistas mais negativamente pelas pessoas (se você mostrar pra alguém uma foto de um carro preto em um fundo branco e uma outra foto do mesmo carro preto em um fundo cinza escuro, as pessoas irão preferir o carro preto em um fundo branco, pois o contraste é maior o que faz a percepção visual ser melhor).

Assim, Daniel e Kyle resolveram ver se as palavras que têm mais letras do lado direito do teclado (consequentemente digitadas com mais fluência) são vistas pelas pessoas como palavras mais positivas. Para isso, eles utilizaram mais de 1000 palavras de um banco de dados conhecido como ANEW (Affective Norms for English Words) e que tem versões em espanhol (SPANEW) e em dinamarquês (DANEW). Eles deram essas palavras para um grupo de pessoas para que elas julgassem se as palavras eram “positivas” ou “negativas”. Os resultados mostraram que as palavras que têm mais letras do lado direito são vistas mais positivamente do que as palavras que têm mais letras do lado esquerdo. O mais interessante é que esse efeito foi mais forte quando eles fizeram a mesma coisa com palavras que foram cunhadas após a invenção desse modelo de teclado. E mais forte ainda para termos típicos da internet como ttyl (talk to you later), brb (be right back) e lol (laughing out loud). O mesmo efeito foi encontrado também quando eles fizeram o mesmo teste com pseudo-palavras (palavras inventadas, tipo: pleek, pook, plake).

Obviamente não se pode tirar nenhum tipo de conclusão sobre a causa desse efeito a partir desse estudo somente. Os resultados sugerem que a valência das palavras tem uma correlação grande com a posição das letras no teclado do modelo QWERTY, o que supostamente pode afetar o significado que atribuímos às palavras, e que quando cunhamos palavras novas, a depender de onde a maioria das letras dessa palavra se encontram no teclado, elas terão sua valência modificada. Se isso é um resultado convincente ou não, eu não sei. A única coisa que eu sei é que o termo que eles utilizaram para nomear o efeito — QWERTY Effect — tem 12 letras: 11 do lado esquerdo e 1 do lado direito.

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Referência

Jasmin, K., & Casasanto, D. (2012). The QWERTY Effect: How typing shapes the meanings of words. Psychonomic Bulletin & Review DOI: 10.3758/s13423-012-0229-7

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6 respostas para O “Efeito QWERTY” na versão da Psicologia Cognitiva.

  1. Jubs disse:

    Loooooooooove it.

  2. Hélio disse:

    Sera que em canhotos é ao contrário?

  3. Oi Hélio, o Daniel Casasanto tem um monte de estudos com destros e canhotos. Não duvido nada que logo, logo ele publique algo com canhotos...

  4. fyi

    http://chronicle.com/blogs/linguafranca/2012/03/15/bad-science-reporting-effect/

  5. David disse:

    Realmente eu já tinha lido em algum lugar que o teclado QWERTY foi feito para você ter dificuldade maior em digitar e consequentemente “engastalhar” menos. No entanto, já existe um modelo de telcado feito para você digitar mais rápido com menos esforço que o QWERTY. Este é chamado de "Simplificado Dvorak", no Brasil é chamado de BR-Nativo, versão português brasileiro.

  6. Roni disse:

    Atualmente escrevo somente via PC mesmo, nunca mais peguei numa caneta ou lapís na mão, realmente não preciso mais.

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