O Totó só ajuda se for do interesse dele!

A cachorrinha da minha mãe está muito rebelde. Segundo a minha mãe, de uns dias pra cá, deu pra fazer xixi onde não deve. Minha mãe disse que já conversou várias vezes com ela, mas não adianta. “Ela está com ciúmes da Gabriela“, disse minha mãe. Gabriela é a gatinha nova da casa. As duas não combinam de jeito nenhum. Brigam igual gato e cachorro dois irmãos. Seria um caso e tanto para Cesar Millan — a supernanny do mundo canino — “resolver”.

Tem muita gente que trata cachorros como se eles fossem seres humanos. Brinca, passeia, conversa, ensina coisas novas (e testa o bichinho pra ver se ele aprendeu de verdade), etc. Há até quem acredite que cachorros têm linguagem que nem a gente e entendem perfeitamente tudo que a gente fala e faz. Uma vez, vi uma pessoa perguntar ao cachorro se ele havia visto onde ela havia colocado o CD do Tim Maia. O cachorro latiu e ela agradeceu. Mas será que é assim mesmo? Será que todo Totó é um tipo de Perry the Platypus disfarçado de cachorro pra poder dormir o dia inteiro e ainda comer de graça?

O Encantador de Cães não mostra, mas existe muita pesquisa que investiga a cognição canina. Apesar de ser mais fácil e conveniente pensar que eles pensam como a gente, várias pesquisas mostram que os Totós da vida têm uma forma muito particular pensar. Tá certo que eles “entendem” certos gestos, olhares e até mesmo comandos de voz. Mas será que cognitivamente eles organizam esse conhecimento da forma que a gente faz? Uma criança pequena, por exemplo, mesmo antes de falar, é capaz de comunicar quando está com fome ou quando quer um brinquedo específico. Ela também é capaz de identificar quando precisamos de alguma coisa e, geralmente, nos auxilia no que precisamos. Explico: imagina que a criança saiba onde está a tesoura, mas você não sabe. Se a criança percebe que você precisa da tesoura, mesmo sem ainda falar, ela é capaz de comunicar com você onde está a tesoura (i.e., ela pode apontar, olhar para o local, ou até mesmo engatinhar em direção ao local onde a tesoura se encontra). Será que um cachorro faria o mesmo?

Na verdade, já existe pesquisa mostrando que cachorros conseguem indicar ao dono (através de latidos, olhar, pulos, etc.) onde está escondido um pedaço de comida ou um brinquedo que o cachorro gosta. No entanto, o que as pesquisas mostram é que os cachorros apenas indicam o local quando é do interesse deles. Será que o Totó consegue só “colaborar” com o dono? Em outras palavras, será que ele consegue só avisar ao dono onde alguma coisa está, mesmo que essa coisa não seja de interesse direto do cachorro? Juliane Kaminski e uma equipe liderada por Mike Tomasello e Josep Call (do Departamento de Psicologia Comparada do Instituto Max Planck de Antropologia Evolucionista) testaram exatamente isso.

Para isso eles fizeram o seguinte: um pesquisador (ou o dono do cachorro) entrava na sala com um objeto do interesse do cachorro. Depois de alguns minutos, o pesquisador se retirava da sala — deixando o objeto lá — e um outro pesquisador entrava na sala e escondia o objeto. E o cachorro assistindo tudo. Daí o primeiro pesquisador voltava para a sala e começava a procurar o objeto. A mesma coisa foi feita com um objeto que não era do interesse do cachorro. Os resultados mostraram que, quando o objeto era do interesse do cachorro, esse mostrava para o pesquisador onde o objeto tinha sido escondido. Quando o objeto não era do interesse do cachorro, ele não mostrava nada. Os pesquisadores fizeram ainda um segundo estudo, onde o pesquisador deixava claro para o cachorro a necessidade de utilizar o objeto escondido (por exemplo, o pesquisador mostrava para o cachorro duas folhas de papel e começava a procurar pelo grampeador escondido — o cachorro obviamente foi treinado antes para saber como um grampeador é utilizado). Mesmo com essa necessidade explícita, os cachorros não ajudaram o pesquisador encontrar o grampeador.

Apesar de serem considerados “o melhor amigo do homem” e de entenderem muitos dos nossos signos linguísticos e não-linguísticos, os cachorros parecem não agir de maneira muito cooperativa com a gente. Eles parecem se beneficiar da nossa ferramenta comunicativa apenas quando é do interesse deles.

Agora, problemas de ciúmes, só mesmo o Cesar Millan para resolver! 🙂

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Referência:

Juliane Kaminski, Martina Neumann, Juliane Bräuer, Josep Call, & Michael Tomasello (2011). Dogs, Canis familiaris, communicate with humans to request but not to inform Animal Behavior (82), 651-658

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5 respostas para O Totó só ajuda se for do interesse dele!

  1. Sarah disse:

    Whatever, cachorros continuam sendo lindos e inteligentes.

  2. Bem, então não é tão diferente de humanos.

    []s,

    Roberto Takata

  3. I was so undecided about this until I read your article. Persuasion must be one of your gifts, as you have presented a convincing alternative to anything I have read.

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