Conversar no celular e dirigir ao mesmo tempo não pode. Certo? Depende. Morei muitos anos no estado do Texas nos Estados Unidos e, pelas bandas do Rick Perry, a coisa é no mínimo esquisita. Conversar no celular enquanto dirige pode. Só não pode se: (1) você estiver dirigindo próximo a alguma região escolar em horário de entrada e saída de alunos, (2) se você tiver menos de 18 anos de idade e (3) se você for motorista de ônibus escolar carregando alguém menor de 17 anos de idade. A mesma lei impera para quem manda mensagens de celular enquanto dirige (apesar de que algumas cidades do estado têm leis mais específicas). No Brasil, conversar no celular enquanto dirige não pode. Por esse motivo, muita gente utiliza o chamado viva-voz. Daí, você não precisa ocupar as mãos segurando o celular e, com isso, dirige com mais segurança. Certo? Hmmm. Parece que não.
Um estudo realizado na Universidade de Utah nos Estados Unidos investigou os efeitos de conversas ao telefone celular — utilizando viva-voz — na atenção do motorista enquanto dirige. Estudos desse tipo geralmente utilizam um paradigma que chamamos de Incidental Recognition Memory. Nesse tipo de procedimento, os pesquisadores apresentam ao motorista vários objetos no simulador de direção (caminhões, pedestres, sinais, etc.) e testam a memória deles com relação a esses objetos. O estudo de Utah mostrou que os motoristas que estavam conversando no celular via viva-voz apresentaram uma memória de reconhecimento dos objetos bem menor. E para se certificarem de que os motoristas pelo menos “viram” os objetos, os pesquisadores utilizaram técnicas de rastreamento ocular (e.g., uma máquina que consegue detectar a direção do seu olhar). Mesmo “vendo” os objetos, os motoristas conversando no celular não prestaram atenção à eles.
Mas conversar no viva-voz não seria a mesma coisa de conversar com alguém sentado no banco do passageiro? Na verdade, não. Esse estudo mostrou ainda que quando o motorista conversa com uma pessoa presente no carro, esse problema da memória acaba, ou seja, ele consegue lembrar perfeitamente dos objetos que viu durante a tarefa de dirigir. E por que isso acontece? Geralmente, a pessoa que está no carro conversando com o motorista está também atenta ao trânsito e às demandas da direção de maneira que, mesmo sem querer, ela acaba adaptando a troca de turnos para momentos que demanda menos atenção do motorista. Essa adaptação é obviamente impossível em uma conversa de celular, mesmo que via viva-voz.
O mais interessante, no entanto, é que alguém pode falar: de que adianta lembrar de objetos depois de dirigir? O importante é a atenção na hora do ato. Faz sentido. Para abordar essa questão, os pesquisadores mediram respostas cerebrais dos motoristas durante o ato de dirigir. Utilizando eletroencefalogramas, os pesquisadores mostraram que durante o ato de dirigir, os participantes dividem a atenção entre o monitoramento da conversa ao celular e aos sinais que vê no trânsito. E isso só ocorre em conversas ao celular. Se o interlocutor está presente, esse desvio de atenção não ocorre.
Apesar de parecer óbvio que dirigir e conversar ao celular é uma idiotice, muita gente (tipo o tio Perry) precisa de evidências empíricas para mostrar que essa mistura é desastrosa (se bem que nem em ciência o Rick Perry acredita. Oh well…) Ah, vale ainda lembrar que não houve diferença significativa entre as idades dos motoristas testados no experimento, ou seja, essa lei que proíbe somente menores de 18 anos de conversar ao telefone enquanto dirigem is just dumb (com sotaque bem texano).
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Referência
David L. Strayer, & Frank A. Drews (2007). Cell-Phone–Induced Driver Distraction CURRENT DIRECTIONS IN PSYCHOLOGICAL SCIENCE, 16 (3), 128-131 DOI: 10.1111/j.1467-8721.2007.00489.x