Viva a tecnologia e o acesso a ela! Basta entrar em uma sala de aula de alguma universidade para ver uma porção de laptops, tablets, smartphones e dumbphones. É a tecnologia em favor da educação! Certo?! Hmmm! Vamos pensar um pouco!
Esse acesso fácil e cotidiano à informação e/ou tecnologia é um convite quase que irrecusável a uma prática bem comum e controversa: multitasking (ou, em português bem claro: fazer um tanto de coisa ao mesmo tempo). O aluno entra na sala de aula e (1) segue a aula, (2) checa o Twitter, (3) posta no Facebook “Aula de Estatística: que porre!“, (4) responde o e-mail da amiga que brigou com o namorado e (5) envia uma mensagem de texto pro (ex)-namorado da amiga perguntando se ele estará livre no Sábado (e aproveita para postar no Twitter “Homem é tudo igual!! #MasEuGostoAssim“. Tudo isso, provavelmente nos primeiros 20 minutos de aula. Há quem diga que a geração de hoje sabe como multitask. Alguns acreditam que como essa geração cresceu exposta à várias mídias, a prática de engajar em multitarefas não traz nenhum problema.
Bom, vamos começar do começo: sob o ponto de vista cognitivo, não existe multitasking (bom, existe mais ou menos… continue lendo). Sempre que fazemos mais de uma coisa ao mesmo tempo, o que na verdade estamos fazendo é uma série de ações alternadas, e como geralmente alternamos de maneira muito rápida, temos a sensação de que estamos fazendo mais de uma coisa ao mesmo tempo. Multitasking pode sim ocorrer quando as tarefas envolvidas não requerem o uso das mesmas regiões cerebrais (por exemplo, ouvir música e limpar a casa). Ainda assim, o nosso cérebro registra e processa informações de uma maneira diferente (em outras palavras, se você estivesse só limpando a casa ou só ouvindo música, seu cérebro processaria essas informações de maneira distinta do que ele processa quando você faz essas duas coisas ao mesmo tempo). Mas quando se trata de tarefas que utilizam as mesmas partes do cérebro de maneira intensa, aí f*** tudo!
Quando estamos interagindo com nossos amiguinhos pelas mídias sociais, utilizamos o nosso córtex frontal, responsável, dentre outros, pelo raciocínio e aprendizado. Coincidentemente(!), essa é a mesma região que precisamos para aprender alguma coisa. É a região do cérebro que mais utilizamos quando estamos em situação de aprendizado formal (a.k.a. sala de aula). Ocupar essa região com outras tarefas durante o aprendizado, vai obviamente atrapalhar o aprendizado. Muita gente acredita que ter memória boa é ser capaz de lembrar de muita coisa. Acontece que, o que caracteriza essa capacidade de lembrar é a maneira como “guardamos” a informação. E isso ocorre na hora do aprendizado, e não depois. Dessa forma, multitasking tem um impacto negativo muito forte na maneira como registramos a informação que aprendemos.
Em 2011, o professor e psicólogo Larry Rosen (Universidade Estadual da Califórnia) fez um estudo onde ele pediu que um grupo de alunos assistisse uma aula durante 30 minutos. Nesse período, Larry enviou várias mensagens de textos para os celulares dos alunos. Para um grupo de alunos, ele enviou 0 mensagens. Para um outro grupo, ele enviou 4 mensagens. Para um terceiro grupo, ele enviou 8 mensagens. Depois da aula, Larry aplicou um teste sobre o conteúdo da aula. O grupo que recebeu 8 mensagens teve uma performance pior no teste em comparação com o grupo que não recebeu nenhuma mensagem. E dentre os que receberam mensagens, aqueles que demoraram mais para responder as mensagens tiveram uma nota um pouco melhor do que aqueles que responderam logo que as receberam. O mais interessante, no entanto, foi que 40% dos participantes tinham uma opinião favorável à prática de responder mensagens de texto durante a aula. Para eles, essa prática é comum e não afeta o desempenho.
Mas e se o cara for inteligente? Daí não tem problema, né? Médio. Uma das principais formas de medir inteligência (já que QI é uma medida terrível de inteligência) é através da capacidade que alguém tem de extender o conhecimento adquirido em uma área para outras áreas do conhecimento. Essa capacidade é indício forte de compreensão profunda sobre algum tópico. Essa habilidade está relacionada ao sucesso acadêmico e profissional. O que tem acontecido com a geração que gosta de fazer muita coisa ao mesmo tempo durante a aula, é que o conhecimento que adquirem é por vezes mais superficial, de maneira que não conseguem aplicar o conhecimento em outras áreas. Um estudo publicado em 2006 mostra exatamente isso. Karin Foerde, Barbara Knowlton (Universidade da Califórnia em Los Angeles) e Russ Poldrack (Universidade do Texas em Austin) mostraram que mesmo demostrando uma memória boa para certos conhecimentos, pessoas que multitask têm uma dificuldade maior em aplicar o conhecimento em outras áreas. De uma maneira geral, multitasking pode sim afetar sua inteligência.
O ideal (dica) é criar blocos de atividades. Quando estiver em uma aula e/ou reunião, desligue as notificações do celular/laptop/tablet. Quando estiver estudando em casa ou na biblioteca, desligue as notificações por 15-20 minutos e dedique esse tempo ao estudo/leitura. Faça uma pausa para se atualizar das notícias das redes sociais e volte ao trabalho, dedicando outro bloco de tempo somente a ele. Assim, você vai não só otimizar o seu tempo, como vai perceber que vai aprender muito mais!
E se não estiver estudando ou na sala de aula agora, abre aí o Twitter, o Facebook e o Google+ e comece a seguir o Cognando. 🙂
Referência:
Larry D., R., Alex F., L., L. Mark, C., & Nancy A., C. (2011). An Empirical Examination of the Educational Impact of Text Message-Induced Task Switching in the Classroom: Educational Implications and Strategies to Enhance Learning Revista de Psicología Educativa, 17 (2), 163-177 DOI: 10.5093/ed2011v17n2a4
Eu sou multidisfuncional.
O grande problema do mito do multiatarefamento são as empresas acreditarem nisso e entupirem seus funcionários de trabalhos a serem realizados ao mesmo tempo.
Eles acreditam que um funcionário de vigilância prestará atenção em dezenas de monitores ao mesmo tempo para notar que está ocorrendo algo de errado em uma das seções do hipermercado.
[]s,
Roberto Takata
Adorei a postagem André!
Eu não tenho face nem twitter, mas já respondi msg enquanto estava trabalhando (e pior, no trânsito) e nem me ocorreu que isso podia estar prejudicando o meu desempenho, afinal, parece uma coisa 'tão simples'.
Valew! ; )
C.
Cara...Esse negócio de "Multitasking" não existe nem em computadores (antes q falem, só existe em computadores com mais de um processador, ou vários "núcleos")...O que os SOs fazem é quebrar cada atividade em pequenas unidades de tempo que são processadas, para que um pedaço de cada atividade possa ser feito de cada vez, dando a impressão q "td funciona ao mesmo tempo"...
Multitasking só existe para xipófagos
kkkkkkkkkkkkkkkk que maldade esse negocio dos Xipófagos.
Excelente texto. To aqui lendo tudo do seu blog.
Apareça em mais nerdcast. Os com vc e/ou com o Atila são os melhores.
abraço
Olá
Bastante interessante o seu blog.
O mais legal é possuir a referência dos estudos, mas não se limitando a uma ciência fria, pois claramente a escolha de temas, forma de expressão e pesquisas selecionadas demonstram suas opções pessoais, o que é bem legal.
Quanto ao uso de bastante tarefas no dia a dia, cada vez mais nos tornamos menos aptos a tarefas com criatividade e concentração.
Lembro de um estudo que demonstrava complexidade de lascar uma pedra - de imaginar o produto final, e "sentir" pela experiência do artesão, cada veio de rocha, suas fragilidades, etc, sem (provavelmente) conhecimentos técnicos do homem pré-histórico sobre mineralogia. Medindo de forma automatica o uso de força, angulos, etc, resistência dos materias para se obter uma ponta de flecha ou lança de um bloco de rocha extremamente irregular.
Fico refletindo nas atividades recentes que exigem esta complexidade do cérebro tão humana... Em um mundo com tantas atividades rápidas, onde a informação é extremamente líquida e volátil, com produtos prontos e dificilmente usamos todas as capacidades do cérebro. Consumimos muito e produzimos pouco.
Talvez dirigir seja uma das poucas atividades desse grau, pois conduzir um carro necessita de grande cálculo espacial, temporal, sentir o fluxo extremamente varíavel, se ater a detalhes no subconsciênte, etc... Usar o celular durante o seu ato deve anular isso automaticamente.
No meu caso, multitasking ajuda até certo ponto. Explicando, tenho uma grande facilidade de entender e aprender.
Se eu tento apenas prestar atenção na aula, eu acabo ficando entendiado porque entendo mais rápido do que o professor explica e paro de prestar atenção, fico com sono, olho pra janela, fico pensando em qualquer outra coisa.
Se eu tento prestar atenção na aula enquanto faço outra coisa, consigo manter a atenção na aula e entender, mesmo fazendo outras atividades.
Claro que isso se aplica no meu caso, acho que pra quem consegue manter a concentração ou não consegue entender tão rápido, multitasking não é uma boa ideia.
Eu já tinha lido sobre essas técnicas de concentração, tipo, concentrar 20 minutos em uma só tarefa e depois e descansar 5 minutos, a famosa técnica do pomodoro. Li também no zenhabits, varias dicas parecidas. Mas nunca li algum trabalho científico onde essas ideias se baseiam.
Você conhece algum?
A maioria dos livros-texto de Psicologia Cognitiva vai citar os trabalhos/papers em que certas técnicas de memória são embasadas!
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André, e sobre tocar violão ou piano? A pessoa q toca piano usa uma mão pra fazer uma série de movimentos e a outra pra fazer uma coisa totalmente diferente. E essa pessoa tem q fazer isso tudo ao mesmo tempo e seguindo o ritmo da música e às vezes improvisar. Não conta como "multitaskiar"?
Tecnicamente chamamos de multitasking apenas tarefas cognitivas mais conscientes. Processos automáticos, como esse que você descreve, não utilizam a mesma quantidade de recursos cognitivos, logo o impacto é menor. 🙂