Jogos Olímpicos Rio 2016

E para completar o ciclo de trabalho voluntário em grandes eventos (voluntariei na Rio+20 e na Copa do Mundo), obviamente que estava nas Olimpíadas Rio 2016.

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Após o evento fiquei com vários tópicos na minha cabeça para talvez escrever aqui, não tinha certeza se faria, mas depois de ler Rio 2016 Olympics: A sustainability summary achei que valia contar um pouco do que vi lá.

Esse texto da Ann Duffy é super otimista com relação aos jogos e todas as ações de sustentabilidade que foram feitas ao longo do planejamento dos jogos (falei um pouco disso quando visitei o Comitê em 2014). Mas o que me intrigou mesmo é a realização dos jogos em si, o evento durante e como o tema resíduo foi encarado.

Quando fiz a minha primeira caminhada no Parque Olímpico no primeiro domingo dos jogos a tarde meu primeiro choque foi a quantidade de gente que tinha ali. Sinceramente, fiquei assustada, aquilo parecia um formigueiro de gente e o primeiro pensamento que me veio a cabeça foi: um grande evento nunca será sustentável. Reunir aquela quantidade absurda de gente de todos os cantos do mundo, hospedá-las, alimentá-las e transportá-las é algo sem noção e insustentável.

Eu trabalhei no estádio da Lagoa, na equipe da área de protocolo que consistia em receber os membros da família olímpica (leia-se membros dos comitês olímpicos nacionais e internacionais, membros das federações de esporte, ministros, chefes de estado, etc), cuidar do local onde eles se reuniam (um lounge que cabia umas 100 pessoas) e organizar e indicar os assentos dessas pessoas para assistir a competição, ao todo éramos uns 20 voluntários, comandados por 2 funcionários contratados do comitê organizador. Qual o maior problema ambiental dessa operação? Resíduos. Nesse lounge tinha bebidas do patrocinador a vontade e algumas comidas. Tínhamos lixeira de recicláveis e não recicláveis, adivinha se respeitavam? Muitos até tentavam, mas e a garrafa meio cheia que não foi consumida até o fim o que fazer, lixeira de reciclável ou orgânicos? Inúmeras vezes me vi na dúvida: copo sujo de refrigerante vai em qual lixeira? Coisas que poderiam ser planejadas como não usar descartáveis não foi algo pensado, pergunta se os copos, pratos e tralheres eram descartáveis? Claro! Coisas banais como essas ninguém pensou para diminuir a quantidade de resíduo gerado. Me doía o coração cada vez que eu via as lixeiras com os resíuos todos misturados e uma garrafa de refrigerante cheia até a metade sem saber em qual das lixeiras usar… (Pra esse “problema” mostrei aqui a solução encontrada por um shopping em São José dos Campos.)

E os resíduos do almoço dos voluntários e funcionários? Prato, copo, talheres descartáveis e uma lixeira única com tudo misturado. Mas a carne que comemos não era proveniente de desmatamento e o peixe era sustentável. É o que dá pra fazer num evento dessa magnitude. Tá bom, é suficiente? Não tenho a resposta. Essas são as experiências que eu vivi no Estádio da Lagoa, o evento tinha instalações em tantos outros locais e não sei como funcionou em cada um deles, pode ser que tenha sido melhor ou pior, esse foi a única amostra que eu coletei.

Achei essa reportagem do The Guardian, contam da utilização dos catadores para a gestão dos resíduos durante os jogos. Mas duvido que o lixo gerado no meu almoço tenha ido parar em alguma coperativa, tenho quase certeza que foi tudo parar no aterro com garrafas, talheres e pratos de plásticos que em tese deveriam ser reciclados. Afinal, ninguém merece ter que revirar o lixo sujo de comida e bebida de niguém para retirar os descartáveis, nem pelos R$80 por dia pagos pelo comitê organizador.

Por que o lixo é tão negligenciado? Por que acreditam que colocar 2 tipos de lixeiras e chamar os catadores ou cooperativas de catadores o problema tá resolvido e equacionado? É impressão minha ou numa escala de prioridades o lixo sempre vem em último? Será que foi muito diferente em Londres, Pequim ou Atenas?

O cinismo da humanidade com relação ao lixo tem que mudar, ou vamos eternamente fingir que o lixo não existe e não nos pertence uma vez que o colocamos numa lata de lixo?

3 Comments

  • André Souza
    30 de agosto de 2016 - 11:45 | Permalink

    Claudia..., na minha opinião.o mal do lixo (e outros resíduos) é ser um dos maiores SEPs (Somebody else problem) que existe. Ninguém pensa depois de jogar na lata de lixo o que acontece de pois. Pior ainda se for coleta seletiva: a pessoa fica a consciência limpa, acha q fez a parte dela, "salvando o planeta" e, como foi gerado o bem consumido, como vão as relações de consumo, se o lixo vai ter a destinação correta ou não, não é mais problema dela. A solução seria fazer com o que o ciclo do lixo deixe de ser um SEP e passe a ser tratado como um problema individual: Como fazer isto é a pergunta de 1 milhão de doletas....
    Lixo só deixa de ser lixo se tem algum valor, seja monetário, prático, em diversão ou sentimental. Quantas latinhas amassadas deixaram de ser lixo por um momento e viraram bolas em pátio de recreio?
    Como você disse,"ninguém merece ter que revirar o lixo sujo de comida e bebida de ninguém para retirar os descartáveis, nem pelos R$80 por dia pagos pelo comitê organizador." Mas creio que parte da solução esteja aí:Um SEP só deixa de ser SEP se há algum motivador para que as pessoas assumam a responsabilidade. E qual o principal "motivador" em uma sociedade capitalista? Afinal, há tantos trabalhos degradantes que as pessoas aceitam fazer, quando pagas, como por exemplo programação de computador, "escrivinhador" de monografia e Contabilidade (não levem tão a sério, estou sendo cínico), o que é separar lixo por R$80,00 ao dia?
    Talvez o que não foi feito foi ir além da compensação monetária de alguns catadores e engajar os espectadores...Tipo...distribuição de brindes (que podem ser virtuais) a quem colocar o lixo na lixeira certa (similar a depósito em caixa eletrônico: o lixo é depositado e a conferência feita depois), gincanas instantâneas (acione o botão vermelho em caso de lixeira cheia e dispute carregar a lixeira até o ponto esvaziamento. Outra equipe repõe a lixeira). Isto poderia aumentar o engajamento do público...
    Outra oportunidade perdida foi a Baía de Guanabara...Alguns sites (não sei até que ponto é verídico, se é exagero ou a realidade é pior...)estimam que cerca de um maracanã lotado de resíduos orgânicos são despejados na baia todos os dias e não foi feito quase nada para despoluir...A pergunta que faço: Quanto isto dá em m³ de biogás gerado? Em toneladas de fosfato recuperado? O quanto destes insumos pode ser usado para fomentar agricultura, tradicional ou urbana (aeroponia?) e reduzir a pegada de carbono no transporte de alimentos? E "principalmente"... Qual o ganho de capital e tributos nisto?
    Vivemos em uma sociedade capitalista e a maior preocupação das empresas não é o bem estar da humanidade, e sim o lucro dos acionistas. Portanto, se quisermos que este sistema faça alguma coisa e evite destruir o mundo no médio/longo prazo, temos que falar na língua que eles entendem e demonstrar o quanto podem lucrar financeiramente com isto. Ou lutar e fomentar leis que imponham pesadas multas...

  • Claudia Chow
    30 de agosto de 2016 - 11:59 | Permalink

    Muito obrigada pelo seu comentário André!

    Super concordo com vc e gostei muito da ideia de gincanas para engajamento no tema resíduos, pode ser uma alternativa, ninguém ainda se propos a mudar essa cultura por aqui de forma sistemática e séria... Infelizmente.

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