Quanto tempo leva para extinguir uma doença no mundo? Poliomielite, sarampo e Covid-19 como exemplos.

Imagem com o texto "quando controlamos uma doença com vacinas? Sobre poliomielite, sarampo e covid-19" com o desenho do zé gotinha com a faixa do sus no corpo e uma vacina acompanham a mensagem

A poliomielite já está controlada e podemos parar de vacinar? E o Sarampo, deu já né?

Já adianto aqui, muitos fatores impactam a nossa capacidade de erradicação de um vírus e as diferentes estratégias adotadas nas campanhas de vacinação, e as respostas para as perguntas anteriores é: não, não podemos parar de vacinar e não, não deu ainda…

Muitos fatores precisam ser levados em conta para estabelecer medidas que culminem na erradicação de um determinado vírus. Por exemplo, a sua via de transmissão, a sua capacidade de se estabelecer em reservatórios na natureza. Além disso, a sua semelhança com outros patógenos, a capacidade que ele tem de sofrer modificações com o tempo. Ou ainda, a capacidade dele em escapar da resposta imunológica e a taxa de cobertura vacinal.

Quanto tempo leva para se extinguir uma doença no mundo?

O fenômeno da vacinação já é conhecido há muito tempo – desde o final do século 18 – mas desde a sua invenção, nós conseguimos extinguir somente uma doença em nível global: a varíola humana. Por volta da década de 60, a vacinação contra varíola humana já ocorria há muitas décadas em diversos lugares do mundo. Em vários países da Europa e nos Estados Unidos, esta era uma doença já sob controle. Mas em outros países, como o Brasil, a varíola permanecia sendo transmitida dentro da sua população.

Por causa disso, em 1965 a Organização Mundial da Saúde (OMS) organizou uma Campanha de Erradicação da Varíola. Esta campanha foi intensificada em 1967 e planejava vacinar todos os seres humanos que ainda não estavam protegidos contra a doença, para extingui-la do planeta. Um ano antes, em 1966, o Brasil já trabalhava em sua própria Campanha de Erradicação da Varíola. Assim, também intensificamos esforços para controlar a doença em solo nacional. Em 1970, o Brasil era o único país da América do Sul a ainda ter casos de varíola humana. Além disso, em 1971, descobriu-se um foco no Rio de Janeiro e, desde então, foram os últimos casos em nosso país e também no continente americano. Em 1973, o Brasil recebeu o certificado de erradicação da doença pela OMS. 

Apesar do Brasil e outros países da América Latina sempre terem tido muito sucesso com campanhas de vacinação, foi na África e em alguns pontos da Ásia que aconteceram os maiores esforços de vacinação. Felizmente, em 1977, na Somália, foi detectado o último caso de varíola devido a transmissão natural, isto é, de pessoa para pessoa em um ambiente “natural” (casas de pessoas comuns, por exemplo). Em maio de 1980, a OMS declarou a varíola erradicada do mundo.

Tomando então a varíola humana como exemplo, podemos ter uma pequena noção de quanto tempo se leva para erradicar uma doença em nível global. O esforço mundial da OMS levou 12 anos (1965-1977). No Brasil foram 4 anos (1966-1971) de intensa campanha de vacinação, isso sem considerar mais de um século de campanhas de vacinação, que foram mais ou menos eficientes em seus esforços. Trazendo para os dias atuais, podemos começar a entender o porquê com a covid-19 – mesmo com todo o avanço tecnológico de quatro décadas – não será algo muito diferente. É irreal pensarmos que vamos acabar com a pandemia gerada pelo SARS-CoV-2 em míseros 2 anos de vacinação (ainda incompletos no momento de escrita deste texto).

E em uma escala menor, para controlar uma doença do Brasil, quanto tempo leva isso?

Já comentamos em outros textos a problemática envolvida na eliminação de uma doença contagiosa (como a covid-19) de um único país, desconsiderando seus vizinhos e o mundo como um todo. Entretanto, antes de abordá-la aqui, vamos falar de duas doenças que conseguimos (mesmo que momentaneamente no caso de uma delas) controlar aqui no Brasil.

Quase todos nós já ouvimos falar das campanhas de vacinação da poliomielite e do sarampo, duas doenças bem perigosas e que pessoas mais velhas (como nossos pais e avós) conheciam muito bem, seja pelas campanhas de conscientização ou por conhecer amigos, familiares ou vizinhos que tenham se infectado quando mais jovens. Os primeiros esforços para controlar a poliomielite começaram em 1971, mas esses só foram intensificados em 1980 com a instituição dos dias nacionais de imunização contra a paralisia infantil. O seu último caso aconteceu em 1989, mas o Brasil recebeu o certificado de Erradicação da Doença somente em 1994. Recentemente, vimos um caso (que segue em acompanhamento) suspeito de poliomielite aqui no Brasil, e casos nos Estados Unidos.

Já com o sarampo, a história não é tão bela.

A vacinação contra ela começou em 1960, mas os primeiros grandes esforços iniciaram em 1981. Somente em 1992 que se implementou o plano nacional de eliminação do sarampo no Brasil. Depois de muito esforço e vários altos e baixos, em 2016, o Brasil recebeu o certificado da OMS declarando-nos livre da circulação de sarampo em nosso país. Infelizmente, em 2018, o Brasil perdeu essa certificação, tendo mais de 10 mil casos, na época. 

Pois bem, tomando essas duas doenças como exemplos, vemos que levou-se 23 e 35 anos para controlar a poliomielite e o sarampo no Brasil, respectivamente (e tomando como data de início os primeiros grandes esforços de vacinação). E mesmo assim, o sarampo já se mostra presente novamente em nosso território. Só por causa disso, já podemos entender que somente porque controlamos uma doença em nosso país, não quer dizer que ela não possa voltar, certo?

OK, mas por que continuar vacinando contra doenças, como a poliomielite, que foram controladas no país?

A ideia de fazer isso é impedir que o fenômeno que aconteceu com o sarampo aconteça também com outras doenças que estão controladas no país, como a poliomielite, a difteria e a rubéola congênita. O motivo disso tem tudo haver com o que comentei lá na pergunta anterior. Ou seja, sobre a problemática de controlarmos uma doença em um país, mas não em seus vizinhos. 

Pessoas viajam a trabalho, lazer ou necessidade (como crises humanitárias e guerras, por exemplo). Em qualquer um destes casos, pode acontecer dos viajantes carregarem consigo patógenos de um país para outro. E isso acontece mais do que conseguimos imaginar, em geral. Inclusive, pessoas vacinadas podem eventualmente se infectar e, mesmo na ausência de sintomas, transmitir o patógeno para outras pessoas.

Vamos considerar os surtos da atual varíola símia.

Grande parte da população não possui mais a imunidade gerada pelas vacinas de varíola humana, visto que a vacinação parou em 1980. Deixando um pouco de lado outros fatores importantes, essa falta da imunidade das vacinas abriu uma brecha para que, uma vez que um certo número de pessoas se infectaram e voltaram para seus países, outras dezenas e centenas também começaram a se infectar, pois não estavam protegidas pelas vacinas de varíola humana. 

O mesmo pode ser pensado para o caso do sarampo aqui no Brasil. Apesar de muitos de nós estarmos vacinados e protegidos, precisamos continuar vacinando os mais novos pois ainda há casos da doença fora do país. Acredita-se que o sarampo foi reintroduzido no Brasil, em 2018, pela fronteira com a Venezuela, no norte do país. Por ser uma área de fronteira, muitas pessoas entram e saem de ambos os países à viagem. Assim, em algum momento podem se contaminar com o vírus e trazê-lo para cá. Vamos lembrar que estar contaminado não é sinônimo de ter sintomas… Podemos viajar contaminados, sem saber que estamos carregando o vírus! Caso haja pessoas não protegidas o vírus consegue infectar novas pessoas e surtos da doença começam a aparecer. Este foi o caso tanto do Brasil quanto da Venezuela, que não estavam (e ainda não estão) com boas coberturas vacinais 

Finalizando

Estamos vivendo uma baixíssima cobertura vacinal de poliomielite e sarampo, com risco de vermos estas doenças circulando novamente em nosso país. Em especial, a polio, que teve seu último caso registrado em solo brasileiro em 1989 e recentemente temos um caso suspeito sendo avaliado em Roraima.

Até 3 semanas atrás nós tínhamos apenas 25% de procura pela vacina, em plena campanha 2022!!! É fundamental que crianças sejam vacinadas contra a poliomielite, uma vacina segura e importantíssima para garantir a saúde e proteção de crianças. A cada 200 casos de polio, em média, 1 caso tem como consequência a paralisia de braços ou pernas, de forma irreversível e permanente. A vacina, incluindo as doses de reforço, é a medida de maior segurança no combate a esta doença que já acometeu milhares de criança em nosso passado recente.

A campanha de vacinação de poliomielite, no Brasil, seguirá até dia 30 de setembro! Consulte o posto de saúde mais próximo, onde a vacina está acontecendo!

P.S. No próximo texto falaremos sobre a recente aprovação da vacina em crianças maiores de 6 meses pela ANVISA e a 5ª dose em idosos imunossuprimidos, decidimos trazer esse texto, antes, para explicarmos a importância das doses de reforço, depois. Principalmente a primeira dose de reforço (que foi chamada de “terceira dose” no início). Além disso, gostaríamos de contar também sobre resultados fresquinhos que saíram avaliando a efetividade da terceira dose com a vacina Pfizer aqui no Brasil! Aconchegue-se e venha entender isso melhor nos próximos textos!

Para saber mais:

Outros textos sobre vacinação:

Vacinas no blogs do EMRC

Vacinas no blogs Especial Covid-19

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