A AIDS ainda é uma questão de saúde pública?

Imagem de campanha do Ministério da Saúde. Há uma foto de um rapaz negro, de cavanhaque, cabelos curtos crespos, sorrindo, vestindo uma blusa bege. Ele está curvado, com a mão no ombro da menina, que está à frente dele. Ela é branca, cabelos ruivos longos e lisos, sorrindo. Ela está em uma cadeira de rodas, vestindo uma camiseta amarela e calça bege. Na imagem há várias nomeações de relações escritas de forma colorida e chamativa (crush, mozão, amizade colorida, contatinho, paquera) e informações sobre proteção contra o HIV, listados: "camisinha interna ou externa, PrEP ou PEP, Autoteste ou teste rápido. Com tratamento, o HIV fica indetectável e com zero risco de transmissão! Novo Medicamento, mais qualidade de vida para quem tem HIV. Procure uma unidade básica de saúde e informe-se"
Campanha de combate à AIDS e HIV do Ministério da Saúde

Acabamos de passar o dia 1º de Dezembro. Tradicionalmente, este é marcado como o Dia Mundial de Combate à AIDS. Hoje nós viemos aqui conversar com vocês sobre a AIDS como uma questão de saúde pública!

Mas espera aí, a AIDS ainda é um problema?

O primeiro artigo sobre um paciente com AIDS completou 40 anos em 2023. Quatro décadas depois deste artigo, que nos jogou frente ao desconhecido e mostrou a doença que se tornaria uma das mais importantes na história da saúde contemporânea, ainda consideramos a AIDS um problema?

Atualmente, estamos em uma situação muito mais tranquila do que aquela vivenciada há décadas atrás. Pois antigamente receber a notícia de infecção, era uma certeza de adoecimento e morte decorrente da AIDS. Segundo a UNAIDS, que é o programa das Nações Unidas destinado a coordenar a resposta mundial à AIDS, comparando 2022 ao pico de mortes associadas à AIDS, em 2004, percebemos uma redução de 68% de mortes. Além disso, ao compararmos ao ano de 2010, tivemos uma redução de  52% de mortes.

O número de novas pessoas infectadas também diminui a cada ano. Enquanto no ano 2000 tivemos cerca de 2.9 milhões de pessoas infectadas, em 2021 foram registradas 1.5 milhões de pessoas. O destaque que precisa atenção, em relação às novas infecções, é que grande parte delas acontece com pessoas acima de 15 anos (1.3 milhões de pessoas). As novas infecções abaixo de 14 anos também caíram de 520 mil anuais para 160 mil anuais, entre 2000 e 2021, conforme estimativa do relatório da UNAIDS.

Mas nem tudo são flores…

Por outro lado, também temos um cenário em que as pessoas parecem não dar importância para a severidade da doença e da possibilidade de prevenção. Temos atualmente 39 milhões de pessoas infectadas no mundo todo. Apenas em 2022, foram 1,3 milhões de novas infecções e 630 mil mortes.

No Brasil, em 2022 morreram 30 pessoas por dia, em função de complicações associadas à AIDS. Há uma estimativa de que 1 milhão de pessoas convivam com o vírus, sendo que 10% delas não saiba que possui o vírus. A maior parte das mortes é de pessoas pretas, mesmo com a maior parte das infecções acontecendo por pessoas brancas. Isto é, existe uma indicação da necessidade de trabalhos específicos com informações e tratamentos a fim de diminuir a vulnerabilidade de grupos no sentido de possibilitar maior acesso ao tratamento adequado e, também, diagnóstico!

Portanto, sim! A AIDS ainda é um problema de saúde pública e precisamos falar sobre HIV/AIDS

Segundo as metas da Organização das Nações Unidas (ONU), para a AIDS não ser considerada um problema de saúde pública é necessário termos 95% de pessoas infectadas pelo HIV diagnosticadas. Dentre esta população, o ideal é alcançarmos um mínimo de 95% de positivos em tratamento com antirretrovirais. Por fim, 95% com carga viral controlada.

O Brasil, que é um país com um ótimo histórico de políticas públicas de saúde voltadas ao controle de HIV/AIDS há décadas, está longe disso. Possuímos cerca de 90% de pessoas com HIV no Brasil diagnosticadas. Desta população, 81% faz tratamento com antirretrovirais. Inclusive, consta no site do Ministério da Saúde que este ano de 2023 o país aumentou 5% a quantidade total de pessoas em tratamento antirretroviral em relação ao ano passado. No total, são 770 mil pessoas em tratamento.

Existem populações mais vulneráveis, quando se fala de infecção por HIV. E existe, ainda, preconceito histórico em relação a esta doença.

Historicamente a AIDS foi narrada como uma doença vinculada a grupos e comportamentos de risco. Há três termos que se relacionam à história da AIDS e como fixam em sujeitos e grupos específicos noções de preconceito e estereótipos que reforçam o imaginário cultural de culpabilização. Isto é: o modo como nomeamos aqueles sujeitos e/ou grupos infectados com o vírus, por muito tempo, se vinculam a preconceitos sociais. Sabemos que a AIDS é uma doença que carrega uma carga moral absolutamente grande. O julgamento sobre quem se infecta foi – e é – enorme e isto dificulta bastante falarmos de forma aberta, que poderia gerar mais saúde e segurança a todos.

Da mesma maneira, nomear o risco de se infectar à doença, embora possa parecer um debate menor, gera políticas públicas específicas e, também, proporciona que mais ou menos pessoas tenham cuidados em relação ao seu corpo.

Os termos que caíram em desuso e devem ser evitados, neste sentido, e “grupo de risco” e “comportamento de risco”. Ambos os termos levam a uma compreensão errônea de que existe apenas alguns grupos e/ou comportamentos e hábitos que estão e colocam as pessoas em risco de infectar-se. Esta compreensão causa dois problemas principais. Primeiro reforça preconceitos, baseados em julgamentos morais. Além disso, proporciona a sensação de segurança a quem não pertence a estes grupos ou se comporta de acordo com a “lista” de comportamentos de risco.

Vulnerabilidade

Vulnerabilidade tornou-se o termo mais adequado atualmente. Assim, falar em vulnerabilidade é entender que existem situações múltiplas e complexas de exposição ao vírus.

Há três “esferas” ou níveis, quando falamos de vulnerabilidades. Existe a vulnerabilidade individual, que diz respeito à condição de consciência e oportunidade de mudança de cada indivíduo e como isso se relaciona a uma maior ou menor possibilidade de infecção pelo vírus HIV. Já a vulnerabilidade social trata da coletividade, isto é, escolaridade, acesso à informação e serviços de saúde, condições de bem estar social, renda familiar e individual, dentre outras questões. Por fim, a vulnerabilidade programática é o conceito envolvido com as relações estatais/governamentais de políticas públicas. Ou seja, desde levantamento de dados sobre a população até financiamento de programas de tratamento, prevenção e educação sobre a AIDS.

Certamente, dentro deste debate sobre os melhores termos para falar de AIDS e HIV, é preciso mais do que mudar o conceito. Fundamentalmente, a relação que nós temos com a noção da doença e desmistificar preconceitos constitui um dos pilares para que tenhamos um trabalho de prevenção que alcance a maior quantidade de pessoas de nossa população, proporcionando mais saúde e segurança a todos.

Mais dados internacionais que nos ajudam a entender a necessidade de políticas públicas de saúde

Existe um recorte de gênero – incluindo pessoas cisgênero (cis) e transgênero (trans) – no que tange à quantidade de óbitos, risco de novas infecções e tratamento no mundo. Segundo o relatório UNAIDS, existe o risco 14 vezes maior para mulheres trans do que mulheres cis se infectarem com o vírus HIV. Existe a estimativa de que 4.900 mulheres jovens entre 15 e 24 anos são infectadas por HIV. Neste caso, o relatório UNAIDS não indica se este número inclui mulheres cis e trans.

Além disso, em relação à população em tratamento, dos 1,5 milhões de pessoas em tratamento com antirretrovirais na América Latina em 2021, o Brasil foi responsável pelo tratamento de 700 mil (46,7%).

Políticas públicas e informações confiáveis

Imagem de campanha do Ministério da Saúde. Há uma foto de um rapaz de barba rala e cabelos curtos, sorrindo, vestindo uma camiseta vermelha. Ele está abraçado em uma mulher, que está à frente dele. Ela tem cabelos longos e lisos e está sorrindo. Ela veste uma camisa rosa e camiseta branca.Na imagem há várias nomeações de relações escritas de forma colorida e chamativa (paquera, mozão, ficante comfort, fixo, premium, lovezão) e informações sobre proteção contra o HIV, listados:
"camisinha interna ou externa, PrEP ou PEP, Autoteste ou teste rápido. Com tratamento, o HIV fica indetectável e com zero risco de transmissão! Novo Medicamento, mais qualidade de vida para quem tem HIV. Procure uma unidade básica de saúde e informe-se"
Imagem da Campanha do Ministério da Saúde

Nosso país têm o histórico de políticas públicas para prevenção de infecção de HIV e tratamento de AIDS. Nossa política pública é abrangente, e inclui desde distribuição de camisinhas, o PREP, que é Profilaxia Pré-Exposição, tratamento com antirretrovirais, além do acompanhamento e tratamento de gestantes portadoras do HIV.

Estas políticas são fundamentais para diminuir mortes e aumentar a qualidade de vida de pessoas infectadas pelo vírus, e diminuição da transmissão na população!

Por fim, sempre é bom reforçar: fazer testes diagnósticos como parte da nossa rotina anual, prevenção com camisinha e informação são, ainda, as melhores ferramentas para lidarmos com o HIV! Mais informações no site do Ministério da Saúde!

Vídeo da Campanha de Combate e Prevenção à AIDS de 2023, do Ministério da Saúde.

Para Saber Mais

Barré-Sinoussi et al (1983) Isolation of a T-Lymphotropic Retrovirus from a Patient at Risk for Acquired Immune Deficiency Syndrome (AIDS), Science 220, 868-871

Ministério da Saúde, Brasil

(2022) HIV/AIDS: Tratamento, Ministério da Saúde, Departamento de HIV/Aids, Tuberculose, Hepatites Virais e Infecções Sexualmente Transmissíveis

(2023a) Aids: Acesse as peças da Campanha do Dia Mundial de Combate à Aids de 2023 do Ministério da Saúde

(2023b) Brasil registra queda de óbitos por aids, mas doença ainda mata mais pessoas negras do que brancas

(2023c) PrEP: Profilaxia Pré-Exposição, Ministério da Saúde, Departamento de HIV/Aids, Tuberculose, Hepatites Virais e Infecções Sexualmente Transmissíveis

Brasil, Ministério da Saúde, Secretaria de Ciência, Tecnologia, Inovação e Insumos Estratégicos em Saúde, Secretaria de Vigilância em Saúde (2022) Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas para Profilaxia Pré-Exposição (PrEP) de Risco à Infecção pelo HIV [recurso eletrônico], Ministério da Saúde, Secretaria de Ciência, Tecnologia, Inovação e Insumos Estratégicos em Saúde,
Secretaria de Vigilância em Saúde. – Brasília : Ministério da Saúde.

FIOCRUZ (2022) Principais Questões sobre HIV e Gestação, Portal de Boas Práticas em Saúde da Mulher, da Criança e do Adolescente

UNAIDS (2023) Estatísticas, UNAIDS, Nações Unidas.

UNAIDS (2022) Facts sheet 2022: Estatísticas Globais do HIV, UNAIDS, Nações Unidas.

Sobre Ana Arnt
Bióloga, Mestre e Doutora em Educação. Professora do Departamento de Genética, Evolução, Microbiologia e Imunologia, do Instituto de Biologia (DGEMI/IB) da UNICAMP e do Programa de Pós-Graduação em Ensino de Ciências e Matemática (PECIM). Pesquisa e da aula sobre História, Filosofia e Educação em Ciências, e é uma voraz interessada em cultura, poesia, fotografia, música, ficção científica e... ciência! ;-)

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