Inserir fibras alimentares na dieta é saudável?

Imagem com um prato de comidas variadas e acima está escrito "Fibras alimentares: Você já parou para pensar sobre como os alimentos que consumimos interagem com o nosso corpo, durante a digestão, e porque podem ser considerados saudáveis ou não?"
Texto escrito por Ana de Medeiros Arnt, Marcos Vinolo e Renan Oliveira Corrêa

Não é incomum escutarmos que uma alimentação equilibrada ou balanceada é fundamental para a manutenção de nossa saúde. E para uma alimentação – ou dieta – equilibrada, é preciso manter nossa atenção na diversidade de alimentos. Mas você já parou para pensar sobre como os alimentos que consumimos interagem com o nosso corpo, durante a digestão, e porque consideramos estes alimentos saudáveis ou não? Hoje nós vamos apresentar uma pesquisa que demonstrou como as fibras alimentares modificam a estrutura do intestino grosso de camundongos.

As fibras alimentares são macronutrientes fundamentais de uma dieta equilibrada e são conhecidas como grandes aliadas no controle dos níveis glicêmicos e de colesterol. Lembrando que nível glicêmico diz respeito à quantidade de carboidrato (açúcar) presente em um alimento, que vai chegar em nosso sistema sanguíneo. As fibras também auxiliam na movimentação do intestino, proporcionam maior consistência às fezes e impactam a microbiota intestinal. A comunidade microbiana – bactérias, fungos, vírus e protozoários que habitam nosso intestino, desempenha papel importante na manutenção da nossa saúde.

Em geral, nós costumamos dividir as fibras alimentares em dois grandes grupos: 1) fibras insolúveis, que passam pelo nosso trato digestivo com pouco processamento, e 2) fibras solúveis, utilizadas para obtenção de energia pelas bactérias da microbiota intestinal através de um processo denominado fermentação. As fibras solúveis ganham importante destaque, pois uma vez processadas pela microbiota, liberam uma grande variedade de moléculas com ações relevantes para o nosso organismo como um todo, impactando, por exemplo, a atividade do intestino,  do sistema imunológico e até do sistema nervoso! 

Tá, mas como essas fibras impactam o intestino?

Calma, chegaremos lá… Vamos antes falar de que parte do intestino estamos tratando aqui. É importante destacar que todo o trato gastrointestinal precisa cumprir funções que são desafiadoras e complexas! Ao mesmo tempo que necessita absorver os nutrientes e água provenientes de nossa alimentação, precisa ter mecanismos de defesa para se proteger e se manter intacto. Isto é fundamental pois existe uma série de enzimas e sucos digestivos que agridem as células desse trato gastrointestinal.

Estas células que promovem essa barreira de defesa e absorção, no caso, são chamadas de células epiteliais. Elas formam uma camada que protege o intestino contra a entrada de microorganismos ou outras substâncias que podem danificar ou prejudicar nosso corpo e que estejam presentes nos alimentos.

Esta camada como um todo possui uma atividade intensa e precisa ser renovada com frequência. Isto acontece com a ação das células-tronco intestinais, que ao se dividir, se especializam dando origem às células epiteliais renovando esta camada de modo constante.

O epitélio possui sua atividade rigidamente controlada, sendo constantemente regenerado e renovado pela atividade constante das células-tronco intestinais que se dividem e diferenciam em todas as outras células epiteliais para assegurar sua integridade. 

Recentemente publicada, a pesquisa de doutorado realizada por Renan Oliveira Corrêa, sob orientação do professor Marco Vinolo, buscou entender exatamente como a ingestão de fibras alimentares impactam as células-tronco. 

Super específico, não é?

Normalmente, uma pesquisa científica busca analisar pequenas etapas de uma questão mais ampla – estudada por várias pessoas dentro de um laboratório. Um doutorado é uma das pesquisas desenvolvidas em um projeto mais amplo e mais complexo. Dito isso, vamos aos achados desta pesquisa?

No último artigo publicado, os pesquisadores demonstraram como as células epiteliais intestinais de camundongos reagem a uma fibra solúvel, a inulina. Esta é uma fibra altamente fermentável, que encontramos em raízes de chicória e outros alimentos.

Para a pesquisa ser realizada, alimentaram uma população de camundongos com uma dieta enriquecida com inulina e uma população de camundongos com a dieta comum – sem inulina. Ambas populações de camundongos receberam a mesma quantidade de alimento – alterando-se apenas a presença desta fibra na dieta. Aqueles camundongos que receberam inulina na alimentação apresentaram diversas modificações na camada epitelial do intestino, quando comparados aos animais que não ingeriram inulina.

E daí?

A primeira diferença que percebida: notamos que o ganho de peso foi similar em ambas populações, mas aqueles alimentados com inulina tiveram um aumento de tamanho do intestino grosso. Esta população também teve alterações no epitélio intestinal devido a um aumento na taxa de proliferação celular. Este resultado foi causado diretamente pelo aumento da atividade de divisão celular das células-tronco intestinais (chamadas de células Lgr5+).

Neste trabalho, um dos primeiros a realizar análise de sequenciamento de RNA de células únicas no Brasil, observou-se que o consumo de inulina impactou de modo amplo e robusto a expressão gênica (ou seja, a expressão de genes) de células epiteliais. Esse impacto incluiu as células-tronco intestinais e também as células caliciformes, que são células que também estão presentes neste tecido e são responsáveis pela produção de muco.

Além disso, a ingestão da inulina, em função da dieta, modificou a comunidade bacteriana intestinal dos camundongos. Esse efeito foi crucial para o remodelamento do epitélio – sim, remodelamento! Nós já falamos ali em cima que o intestino destes animais aumentou de tamanho.

Mas têm mais: o que estes remodelamentos e interações significam?

Por fim, ainda tivemos outro efeito interessante, que a interação entre a dieta com inulina e as células epiteliais do intestino promoveram. Existe uma população de Linfócitos T que habita especificamente esta parte do corpo. E estes Linfócitos, aumentaram em quantidade, em camundongos com a dieta com inulina.

O que isto quer dizer? A princípio, não há como afirmar nada de forma categórica – para isso são necessários experimentos diferentes, testando funções destas células, quando aumentam a população. Também não podemos fazer extrapolações simplistas, comparando a fisiologia do camundongo com a humana. Todavia, há algo muito interessante a ser apontado aqui, neste momento.

Nem sempre fica claro para as pessoas, mesmo quando estudam em diferentes níveis e etapas de ensino: aquilo que comemos não apenas nos fornece energia! Neste caso, estamos apresentando como um alimento – e seus componentes moleculares – interagem com o nosso corpo e o modificam. Seja aumentando número de células, seja promovendo, nesta interação um aumento de um órgão e sua função.

Assim, quando falamos de um alimento “fazer bem” ou “fazer mal” à saúde, em algum aspecto, são interações em níveis moleculares e celulares que estão acontecendo.

A compreensão sobre como estas interações se relacionam com a nossa saúde baseiam-se em pesquisas como as que apresentamos hoje – pois dependem de outros experimentos e análises e não era a proposta desta que trouxemos para vocês por ora. 

Finalizando

O estudo que apresentamos hoje faz parte do que chamamos de pesquisa básica, que visa compreender processos e fenômenos naturais, a partir de análises de um segmento desses fenômenos – no caso a digestão e a relação de alimentos específicos com o funcionamento do corpo e de seus sistemas, órgãos, tecidos e células.

Estes estudos podem fazer parte da compreensão mais ampla da saúde de animais e, também, do ser humano. Uma vez que mamíferos compartilham muitas semelhanças genéticas, anatômicas e fisiológicas, existem extrapolações possíveis. Quando não é possível extrapolar, é possível pensar em modelos de pesquisa que, posteriormente, podem ser aplicadas em outros animais – incluindo seres humanos. 

Em suma, o estudo ajuda a elucidar os mecanismos pelas quais o epitélio intestinal e as células-tronco intestinais se adaptam frente às mudanças alimentares, revelando o papel fundamental de membros da microbiota associada e componentes do sistema imune que atuam em conjunto para a manutenção do funcionamento do sistema digestivo e da saúde do nosso organismo como um todo.

Conforme falamos anteriormente, estudos nesse campo auxiliam, por exemplo, no desenvolvimento de métodos de alimentação mais direcionados não apenas para pessoas que querem manter uma dieta saudável, mas também para pessoas que tenham algumas doenças ou particularidades que gerem desordens do sistema gastrointestinal. Dessa forma, é possível analisar e tomar decisões para quem necessita de cuidados maiores e de dietas mais personalizadas para alívio dos seus sintomas clínicos. Tudo isso sem comprometer sua demanda diária de nutrientes.

Artigo de referência

Corrêa, RO, Castro, PR, Fachi, JL et al (2023) Inulin diet uncovers complex diet-microbiota-immune cell interactions remodeling the gut epithelium Microbiome 11, 90.

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