O sarampo volta a assombrar o Brasil

Foto de uma criança, de costas, olhando para o braço, que recebe uma vacina. à esquerda acima, o logo do EMRC e abaixo o logo do Notas Não Aleatórias e escrito o site do blog do emrc e a autoria do texto de Ana de Medeiros Arnt

Semana passada vimos o anúncio de um “caso importado” de Sarampo, ou seja, uma pessoa que se infectou em outro país e chegou ao Brasil. Este alerta, que foi do Rio Grande do Sul, é importante para lembrarmos que o controle de doenças não é trivial.

O Brasil vem buscando o certificado de erradicação do Sarampo há alguns anos. Em 2016 ganhamos o certificado, que foi perdido quando, em 2018, registramos novos surtos da doença.

Ao total, entre 2018 e 2022 foram cerca de 40 mil casos de Sarampo registrados em solo nacional. 

No ano de 1990, foram registrados mais de 61 mil casos de Sarampo, que ocasionaram 478 óbitos. Em uma década, o Brasil conseguiu chegar em 36 casos de Sarampo, com 0 óbitos, em 2000. Isso contando um surto de Sarampo em 1997 com mais de 53 mil casos e 60 óbitos.

Como saímos de tantos casos assim, para uma década de extremo controle durante os anos 2000?

Apesar de na década de 2000 a doença aparecer como controlada, o esforço nacional tem início muito antes. E é importante ressaltar que controlar doenças é um trabalho de organização e estratégia de políticas públicas em saúde fundamentais.

O sarampo virou uma doença de notificação compulsória no Brasil em 1968. Na época, a doença era considerada endêmica no país, com epidemias a cada 2 ou 3 anos. Isto é, o vírus do Sarampo circulava e se transmitia no Brasil sem muito controle e, de tempos em tempos, tínhamos situação de aumento de casos e, consequentemente, óbitos. É bom também reiterar que o sarampo foi uma das principais causas de mortalidade infantil por muito tempo. 

Em 1992, foi lançado o Plano Nacional de Eliminação do Sarampo, com os seguintes princípios:

  • vacinação da população entre 9 meses e 14 anos de idade, independentemente da situação vacinal anterior ou história prévia da doença;
  • manutenção de, no mínimo, 95% de cobertura vacinal para os menores de 1 ano de idade, na rotina do Programa Nacional de Imunizações;
  • organização de campanhas de seguimento entre 3 e 5 anos, para eliminar o número acumulado de crianças suscetíveis, ou seja, que nunca foram vacinadas, nessas coortes de nascidos vivos;
  • vigilância epidemiológica intensiva para os casos suspeitos na comunidade;
  • diagnóstico laboratorial etiológico de todo caso suspeito notificado;
  • capacitação de pessoal para o desenvolvimento das atividades do Plano (vigilância epidemiológica, imunizações e diagnóstico laboratorial) ao nível nacional e;
  • campanhas de divulgação, com o objetivo de sensibilizar a população em geral, a classe política e os profissionais de saúde. (Domingues et all (1997)

Apesar de todo esse esforço, ainda assim em 1997 tivemos uma epidemia, chegando a 45 mil casos no Estado de São Paulo e 53 mil casos no Brasil. Todavia, ao contrário da epidemia de 1990 (com 61 mil casos e 478 óbitos), tivemos 60 óbitos. Vamos entender melhor esse evento?

A epidemia de Sarampo de 1997

O controle deste surto se deu com análises e tomadas de decisão que permitiram estancar a circulação do vírus. A implementação do Plano Nacional de Eliminação do Sarampo já estava em andamento, o que tornou o combate à epidemia mais eficaz e ágil. Neste caso, já tínhamos a tecnologia de vigilância genômica implementada em nosso país, além de analisar as faixas etárias de maior risco e grupos sociais com maior vulnerabilidade de exposição ao vírus. As campanhas de vacinação em maiores de 15 anos decorreram destas análises, focando especificamente as populações vulneráveis.

Já para crianças em fase escolar (5-14 anos) a indicação era a vacinação seletiva. Ou seja, quando as crianças estivessem passando por alguma rotina de saúde em postos, ou nas campanhas de Multivacinação.

Estas ações possibilitaram que a epidemia de 1997 fosse contida e nos anos seguintes os casos caíssem drasticamente até atingir 1 caso registrado no ano 2000.

O sarampo nos Anos 2000

As campanhas de vacinação e as medidas de controle do sarampo se mostraram efetivas. Dessa forma, ao longo dos anos 2000, até meados de 2018, parecia que efetivamente estávamos livres da doença.

A redução de casos e de óbitos é consequência de uma política nacional de erradicação da doença, composta por vigilância epidemiológica e alta cobertura vacinal. Estes nossos dados de redução de casos e óbitos são compatíveis com o que acontece em outros países do mundo com políticas de vigilância e vacinação similares. Entre 2000 e 2017, calcula-se que houve uma queda de 80% de mortes, em função da vacinação, no mundo!

Para além de evitar mortes…

Obviamente que evitar mortes é um dos principais objetivos de políticas públicas de saúde. Mas é importante entender que sarampo pode deixar graves sequelas para os indivíduos acometidos pela doença. As complicações do sarampo podem deixar sequelas, tais como: diminuição da capacidade mental, cegueira, surdez e retardo do crescimento.

Além disso, mais recentemente estudos vêm indicando que a infecção por sarampo pode levar o corpo a um “esquecimento” de como lidar com doenças que já adquirimos anteriormente. Isto é, ela “reverte” o sistema imunológico. 

E como o sarampo faz isso?

Ao que tudo indica, isso acontece quando o vírus do sarampo infecta linfócitos B, células do sistema imune responsáveis por guardar informações de infecções anteriores. Ao atacar estas células e destruí-las, acontece uma “amnésia imunológica”, que pode variar dependendo da gravidade da infecção por sarampo. A recuperação deste quadro é lenta e uma das formas de reverter é, possivelmente, tomar vacinas que já foram tomadas na infância, novamente.

Vigilância epidemiológica e vacinação: ferramentas fundamentais de saúde pública 

Este caso recente, no Rio Grande do Sul, torna relevante ressaltarmos o quanto é fundamental uma política pública de saúde que monitore constantemente casos de doenças e, além disso, tome providências rapidamente.

Controlar doenças é praticar ativamente vigilância epidemiológica. Desde o início do texto este termo está presente – e se tornou comum falar dele, após a pandemia de COVID-19. Apenas para deixar claro, vocês sabem o que é Vigilância Epidemiológica?

Vigilância Epidemiológica é um processo de coleta, análise e interpretação de informações de indivíduos de uma população, para a adoção de medidas de prevenção e controle de doenças e problemas de saúde.

Parece evidente que a vigilância é uma das ferramentas mais importantes para políticas públicas de saúde, né?

Além disso, a vacinação é outra ferramenta fundamental. Mais do que a busca pela cura, que também é importante, a vacinação previne que uma população adoeça. Neste caso, em especial com doenças graves e muito transmissíveis, a vacina possibilita uma vida mais saudável, sem o enfrentamento de sequelas e óbitos decorrentes das doenças.

Em quanto tempo conseguimos controlar uma doença que possuímos vacina?

Quando falamos em cobertura vacinal, em uma sociedade como a nossa, que possui como costume o trânsito de pessoas – por lazer, trabalho ou quaisquer outras necessidades – é relevante ter a noção de que só estaremos realmente livres de um vírus, quando não tivermos mais nenhum caso da doença circulando entre seres humanos – como foi o caso da varíola, na década de 1970.

Mas nós conseguimos sim controlar a doença em um território nacional. Para isso, é preciso não baixar a guarda com a cobertura vacinal. Promoção à saúde, com projetos educativos e campanhas nacionais, fazem parte de um trabalho constante para mantermos uma doença sob controle. Não é um trabalho simples e trivial. Pelo contrário, o controle de doenças é uma estratégia fundamental e de longo prazo.

Vale a pena o esforço e as políticas públicas para isso?

Sem qualquer dúvida a resposta é SIM. Portanto, controlar doenças é parte de um trabalho político, ético, econômico e social que não deveria ser colocado em questão. Temos conhecimento técnico e científico para isto. Criar condições para uma população saudável é fruto de conhecimento científico de diversas áreas, que se articulam e diminuem custos gerais com a saúde, tornando melhor a vida de uma população. 

Dessa forma, não somente é uma medida pautada em ciência, como é uma medida que, necessariamente, precisa de um papel ativo do estado, para o bem estar geral da  população.

Faz parte, assim, das premissas de saúde da Organização Mundial da Saúde, desde 1948, do papel dos estados a criação de políticas que tivessem como prioridade a saúde da população.

Finalizando

Estamos, obviamente, esperando pelo melhor cenário para este caso anunciado no Rio Grande do Sul. Mas é importante, mais do que fazer alarde e causar medo, mostrar como esse caso configura-se como um exemplo didático da atuação de sistemas de vigilância e, também, da necessidade de as coberturas vacinais manterem-se altas em nosso país.

Ciência, decisões efetivas e rápidas de um sistema de saúde, educação e cobertura vacinal seguem sendo ações fundamentais para a saúde de todos nós.

Vacinação — Ministério da Saúde (www.gov.br)

Esquema de Vacinação:
De 1 a 29 anos – duas doses, sendo a primeira com a tríplice viral aos 12 meses e a segunda aos 15 meses com a tetraviral ou tríplice viral + varicela;
De 30 a 59 anos – uma dose da vacina tríplice viral, se não vacinado anteriormente;
Trabalhadores da saúde – duas doses da vacina tríplice viral independentemente da idade. Com intervalo de 30 dias entre as doses.
IMPORTANTE: A vacina de sarampo não é recomendada para gestantes

Para Saber Mais

BONORA JUNIOR, B (2023) Quanto tempo leva para extinguir uma doença no mundo? Poliomielite, sarampo e Covid-19 como exemplos. Blog EMRC.

DOMINGUES, CM, ALLAN S, PEREIRA, MCCQ, SANTOS, ED, SIQUEIRA, MM, & GANTER, B (1997) A evolução do sarampo no Brasil e a situação atual, Informe Epidemiológico do Sus, 6(1), 7-19. 

FONTES-DUTRA, M (2023) Caso importado de sarampo no país. Mellziland

MINISTÉRIO DA SAÚDE (s/d) Situação Epidemiológica do Sarampo

LISBOA, V (2023) Sarampo matava mais de 2,6 milhões por ano no mundo antes de vacinas, Agência Brasil, 06 de Setembro de 2023.

RIPSA (2006) D.1.1 – Incidência de sarampo Rede Interagencial de Informações Para a Saúde

Sobre Ana Arnt
Bióloga, Mestre e Doutora em Educação. Professora do Departamento de Genética, Evolução, Microbiologia e Imunologia, do Instituto de Biologia (DGEMI/IB) da UNICAMP e do Programa de Pós-Graduação em Ensino de Ciências e Matemática (PECIM). Pesquisa e da aula sobre História, Filosofia e Educação em Ciências, e é uma voraz interessada em cultura, poesia, fotografia, música, ficção científica e... ciência! ;-)

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