Texto escrito por Iara Ciancaglini
A crescente produção e descarte de plásticos têm gerado um grave problema ambiental em todo o mundo. Estima-se que cerca de 4 a 12 milhões de toneladas desses resíduos alcancem o ambiente marinho anualmente, poluindo ecossistemas, e ameaçando a vida selvagem.
Destaca-se, só para ilustrar, que ecossistema é um conjunto formado pelas interações entre componentes bióticos, como os organismos vivos: plantas, animais e microrganismos, tais como os fungos, e os componentes abióticos, elementos químicos e físicos, como o ar, a água, o solo e minerais. Diante desse desafio do aumento da poluição, a ciência busca soluções inovadoras para lidar com essa questão. Hoje nós vamos falar sobre uma possibilidade que, ao que tudo indica, pode nos trazer esperança para a resolução desse problema global!
Essa promessa é a utilização de fungos! Estes seres vivos, têm mostrado capacidade de degradar uma variedade de materiais, incluindo plásticos. Vamos entender melhor como isso funciona?
Os fungos e seu papel na decomposição
Os fungos são seres vivos que pertencem ao reino Fungi e desempenham um papel essencial nos ecossistemas terrestres. Eles são conhecidos por sua habilidade na decomposição da matéria orgânica. Ou seja, dividir a matéria (lixo, resto de comida, animais e plantas mortas, por exemplo) em partes menores. Sabe quando esquecemos algum alimento no armário e aparece mofo? Pois é, aquilo é um fungo! E ele está fazendo, exatamente, uma decomposição daquele alimento, que é matéria orgânica! E apesar de não parecer interessante que isto ocorra em alimentos nas nossas prateleiras, essa habilidade é essencial no ciclo de nutrientes.
Alguns fungos, como os cogumelos, são bem conhecidos e apreciados na culinária, mas a maioria das espécies fúngicas atua de forma discreta, realizando importantes processos de decomposição. Assim sendo, muito se explora sobre o potencial desses microrganismos na decomposição de diferentes tipos de plásticos.
Tipos de plásticos e suas consequências para o meio ambiente
Os plásticos são materiais sintéticos produzidos a partir de polímeros derivados de recursos fósseis. Polímeros são macromoléculas formadas a partir da união de várias unidades de moléculas menores, chamadas de monômeros. As palavras são difíceis? Sim. Mas o que importa aqui para nosso texto de hoje é que a gente entenda que cada tipo de plástico possui características diferentes, que são usados para finalidades também diferentes. Eles podem ser classificados de 7 diferentes tipos dependendo do seu material (Figura 1):
Figura 1 – Tipos de plástico, suas características e exemplos de aplicação.
Fonte: Disponível em: https://www.drycolor.com.br/post/os-7-tipos-de-pl%C3%A1sticos.
- Polietileno tereftalato (PET), comumente utilizado em embalagens para cozimento de alimentos, assim como em garrafas para bebidas;
- Polietileno de alta densidade (PEAD), aplicado em embalagens de produtos de limpeza, bem como em produtos químicos;
- Policloreto de Vinila (PVC), usado principalmente em na construção civil em tubos e conexões;
- Polietileno de baixa densidade e Polietileno de baixa densidade linear (PEBD), utilizado na produção de embalagens flexíveis para alimentos;
- Polipropileno (PP) usado não apenas na fabricação de peças com dobradiças, autopeças, como também em utilidades domésticas, frascos e embalagens em geral;
- Poliestireno (OS) utilizado em copos, pratos e talheres descartáveis;
- Outros, que são plásticos que não são produzidos desses materiais acima, como os policarbonatos (PC) usados para construir produtos fortes e resistentes, por exemplo.
Neste sentido, a durabilidade e a resistência são vantagens em diversas aplicações, mas também são fatores que contribuem para sua persistência no meio ambiente o que gera consequências. Sobretudo, alguns plásticos podem levar centenas de anos para se degradarem naturalmente, liberando substâncias tóxicas durante esse processo. Em síntese, o descarte inadequado de plásticos tem levado à acumulação desses materiais em aterros sanitários, rios, oceanos e solos, causando danos significativos aos ecossistemas.
Fungos e a decomposição de plásticos
Muitas descobertas vêm sendo realizadas no campo da decomposição de plásticos por meio da ação de fungos. Esses microrganismos mostraram-se capazes de quebrar a estrutura molecular dos plásticos, pois permitem sua decomposição e oferecem uma solução promissora para o problema da poluição plástica. Por exemplo, o fungo Pestalotiopsis microspora, encontrado na região amazônica.
Esse fungo despertou interesse devido à sua capacidade de se alimentar de poliuretano, um tipo de plástico amplamente utilizado na fabricação de produtos de consumo. As enzimas produzidas pelo P. microspora são capazes de quebrar o poliuretano em componentes mais simples. Esses componentes podem então ser utilizados como fonte de energia e nutrientes pelos fungos ou por outros organismos presentes no ambiente.
Além do Pestalotiopsis microspora, outros fungos também têm mostrado potencial na degradação de plásticos, tais como alguns do gênero Aspergillus e Penicillium, expandindo ainda mais as possibilidades de aplicação desse processo.
Ademais, estudos têm explorado o potencial de fungos na decomposição de outros tipos de plásticos, como o polietileno tereftalato (PET). Dessa forma, busca-se identificar microrganismos capazes de utilizar o PET como fonte de carbono e energia, evidenciando sua versatilidade na degradação de diferentes materiais plásticos e oferecendo perspectivas factíveis quanto à viabilidade da degradação e reutilização de PET.
Um outro exemplo, é a degradação do polipropileno que envolve os fungos Aspergillus terreus e Engyodontium album capazes de decompor entre 25% e 27% de amostra de plástico após 90 dias e, finalmente, em 140 dias, degradar completamente o material. Em suma, os testes indicaram que, juntos, os dois fungos podem realizar a degradação de grânulos e filmes finos de polipropileno. A descoberta foi feita por um grupo de pesquisa na Austrália e traz, segundo o engenheiro químico da Universidade de Sydney, a maior taxa de degradação retratada na literatura.
Conclusão e Perspectivas
Apesar das descobertas promissoras, por fim, é importante ressaltar que a decomposição de plásticos por fungos ainda enfrenta desafios. Um deles é a lentidão do processo dependendo das condições ambientais e da composição do plástico. Além disso, a implementação desses processos em escala industrial requer estudos adicionais sobre otimização, viabilidade econômica e impactos ambientais.
Ainda assim, a descoberta do potencial dos fungos na degradação de plásticos é um passo importante em direção a soluções sustentáveis para o problema da poluição plástica, já que estes destacam-se como grandes aliados nesse processo. Dessa maneira, a biodegradação por fungos oferece uma alternativa ecológica e eficiente, reduzindo a dependência de métodos convencionais, como a incineração ou o descarte em aterros sanitários.
Este texto é produzido pelo o LEBIMO – Laboratório de Enzimologia e Biologia Molecular de Microrganismos, para a série sobre fungos. O primeiro texto pode ser lido aqui.
Para saber mais:
BARNES, DKA et al (2009). Accumulation and fragmentation of plastic debris in global environments, Philosophical Transactions of the Royal Society B, v364, n1526.
DRY COLOR (s/d) Os 7 tipos de plásticos.
ÉPOCA NEGÓCIOS (2023) Cientistas descobrem fungos que podem decompor plástico em apenas 140 dias, Epoca Negócios.
GEYER, R, JAMBECK, JR, LAW, KL (2017) Production, use, and fate of all plastics ever made, Science Advances, v3, n7.
JAMBECK, JR et al (2015) Plastic waste inputs from land into the ocean. Science, v347, n6223, p768-771.
RUSSEL, JR et al (2011) Biodegradation of Polyester Polyurethane by Endophytic Fungi, Applied and Environmental Microbiology, v77, n17.
SINDIPLAST (s/d) Tipos de Plásticos.
SRIKANTH, M et al (2022) Biodegradation of plastic polymers by fungi: a brief review Bioresources and Bioprocessing, v9, n42.
YAMADA-ONODERA, K et al (2001) Degradation of polyethylene by a fungus, Penicillium simplicissimum YK, Polymer Degradation and Stability, v72, n2.
A Autora
Iara Ciancaglini. Biotecnologista pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). Atualmente, é aluna de doutorado na Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) realizando seu projeto no LEBIMO e, também trabalha com a produção de enzimas recombinantes com o objetivo de degradação de plástico.
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